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— O quê ocê foi fazer lá no mato, Maria Chiquinha? Dan dan dan dan

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— O quê ocê foi fazer lá no mato, Maria Chiquinha? Dan dan dan dan. O que ocê foi fazer lá no ma...a...to? Dan dan dan dan dan.

A menina de olhos cor de mel, cabelos castanhos claros anelados e dois dentes a menos bem na frente da boca, não parava de encantar a todos que a assistiam diante do palco de pouco mais de três metros de comprimento.

— Desce daí, meu anjo! — O pai pedia, mas não com convicção suficiente para que a filha obedecesse. — Já está tarde e o dono do microfone quer cantar. Anda, princesa, desce logo.

— Tá bom, painho! — Josy foi até o meio do palco e curvou o corpo em reverência ao público que a assistia. — Obrigada pela presença, meu povo! — Todos caíram na gargalhada e a recepcionaram com palmas. Josy foi até o vocalista da banda Caçuá de Jegue e lhe entregou, relutantemente, o microfone.

Todos daquela pequena cidade já conheciam a Josy. Com apenas seis anos de idade e pouco mais de um metro de altura, ela já havia construído uma reputação por seus dotes musicais e sua personalidade marcante. Era apelidada de Maria foneta. Não podia ver um batuque, um palco, uma quermesse que fosse que ela estava lá, segurando um microfone plástico cor-de-rosa.

Nas festas, ela sempre era convidada a subir no palco e acabava segurando um microfone de verdade entre as mãos. O empenho com que dublava cada música, as caras e bocas, os trejeitos que fazia, ainda na plateia, sempre encantava os músicos e todos, sem exceção, cediam o seu microfone para que ela desse uma palhinha nos fins dos shows.

A menina era linda, parecia um anjo elétrico, iluminada, cheia de vida e de uma energia sem tamanho. Os pais a amavam. Os irmãos a protegiam e os músicos a adoravam. Era o orgulho de sua cidade e todos eram unânimes em afirmar que teria um futuro brilhante na música.

Josy desceu do palco nos braços do pai. Ele a colocou no chão e junto à sua mãe e irmãos, foram a pé para casa. A menina ia saltitando e cantando pelo caminho. Seu vestido quadriculado tinha mais babado que o de qualquer outra caipira. Dois laços vermelhos prendiam seus cabelos em Maria Chiquinha e as pintinhas pretas no rosto redondo só davam ainda mais graça à menina.

Seus pais a seguravam pelo braço, cada um de um lado, e assim ela ia saltitando pelo caminho. De longe se ouvia a voz suave e potente da pequena que sonhava em ser cantora.

— Eu precisava cortar lenha, Genaro, meu bem. Dan dan dan dan. Eu precisava cortar leeeeenha...

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— Eeeeeu vou pegar todo mundoooooooo, virar um vagabundoooo, depois que eu ficar com essa cidade inteira, aí cê vai lembrar do tanto que eu te dei amor e o tanto que você não deu valor... —  Josy se agarrava ao cabo de vassoura e cantava a plenos pulmões, parou apenas quando ouviu batidas na porta. —  Já vai!

Foi até a mesa no centro da sala e baixou o volume do som de sua inseparável caixinha cor-de-rosa. Ela ajeitou os cabelos despenteados pela dança alvoroçada e foi acudir quem a chamava. Assustou-se ao abrir a porta.

—  Já voltou? Foi muito rápido! —  Olhou para o marido cheio de sacolas pesadas e o ajudou. — Ainda não terminei de limpar a casa.

—  Claro que não! —  Ele foi direto para a cozinha e colocou o peso sobre a mesa de madeira maciça. —  Passa mais tempo cantando que varrendo, aposto. — Olhou-a de soslaio.

—  Ah, amor, deixa de implicância, vai? —  Josy começou a guardar as compras no armário enquanto ele colocava as frutas na geladeira. —  Ouvir música enquanto faxino é a minha única distração.

Neto parou o que estava fazendo e, enquanto segurava uma melancia, respirou fundo, olhando para cima com fingida irritação. Ela sorriu, pois já conhecia cada careta que o marido fazia.

—  Sua mãe já veio pegar os meninos? — Ele tentou mudar de assunto.

—  Veio cedinho, assim que você saiu. —  Josy fechou o armário e sorriu com as mãos na cintura. —  Precisava ver a empolgação dos meninos em cima da carroceria, tudo de boca aberta engolindo vento. Lembrei da gente quando se conheceu, lembra?

— Ô se lembro! — Fechou a geladeira, olhando com luxúria para a esposa. — Mas a gente já era bem grandinho naquela época e não era só o ar que a gente engolia, né?

Josy riu alto, relembrando os velhos tempos, depois se afastou do armário indo em direção à sala.

— A gente bem que podia aproveitar a casa vazia, hein, neguinha? — Neto puxou-a pela cintura, antes que ela saísse do cômodo, e já foi beijando-a com vontade. —   A gente nunca fica sem as crianças em casa.

—  Oxe, tô fedendo, amor! —  Soltou-se do marido, dando-lhe as costas, mas não sem antes rebolar a bunda, atiçando-o ainda mais. —  Mas quem sabe quando eu terminar a faxina, hein? — Deu uma piscadinha de olho bem safada.

Neto ficou olhando gulosamente para o seu quadril, então deu-lhe um tapa na bunda e voltou a guardar as compras. Josy voltou para a sala e aumentou o volume do som. Ela era fã do Luan Santana, e o músico embalou a história de amor dela e do marido desde o começo.

Josy sonhava em ser cantora, conheceu o marido nos palcos. Os dois faziam parte de uma banda que só tocava nas redondezas, ele era o vocalista e ela a back vocal. Ninguém da banda conseguiu levar o sonho adiante, Josy ficou logo grávida, os dois tiveram que casar e foram morar na zona rural, num sítio próximo à cidade, numa casinha que o pai dele havia dado de presente aos dois.

A menina que sonhava em ser cantora virou mãe antes dos vinte anos e, assim que o primeiro filho nasceu, foi trabalhar como agente de saúde. Ainda sonhava em um dia, quando o menino crescesse, voltar aos palcos, mas não demorou a ter mais um filho, e o nascimento da menina trouxe muitas alegrias, mas enterrou o seu sonho de vez.

Neto não tinha o mesmo sonho que a esposa, entrou na banda só porque queria pegar mulher, mas logo no início se apaixonou por Josy e os dois namoravam mais que cantavam. Apesar do sonho não realizado, ela era muito feliz com a vida que se descortinou em sua frente.

Era sábado, seu dia de folga e dia de cuidar dos afazeres domésticos: limpar a casa, cuidar das roupas das crianças, fazer feira. Era uma rotina exaustiva que ela dividia com o marido, um homem bom, um pai maravilhoso e um excelente cozinheiro. Ele era o porteiro da escola onde os filhos estudavam, assim ficava responsável em levar e trazer as crianças enquanto a esposa trabalhava na cidade.

— "No sofazinho de dois lugares, imagine se ele falasse, nega? Naquelas noites de amor, sendo que o combinado era assistir um filme..." — Josy voltou a cantar enquanto ouvia o som na maior altura.

Da cozinha, Neto ria e balançava a cabeça. Ele não era ciumento, mas esse cantorzinho já estava roubando a sua esposa. Foi até a carteira e tirou os ingressos para o show que o Luan faria na cidade vizinha, seria bem no aniversário de casamento dos dois, quem sabe depois que visse o músico ela não desencanasse de vez?

Um Anjo do Céu - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora