6 - Portas do passado

304 71 252
                                    


Marcos esperou o sinal ficar vermelho e atravessou a faixa de pedestre, rumando para a entrada envidraçada de sua empresa

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.

Marcos esperou o sinal ficar vermelho e atravessou a faixa de pedestre, rumando para a entrada envidraçada de sua empresa.

Quase no fim da travessia, feito um puxão magnético, ele virou a cabeça para o ponto de ônibus no lado oposto da rua, e os olhos pararam quase em câmera lenta na figura de um velho senhor.

O quê?

Sentado no banco, a cores fechadas da manhã o circundavam, como se o velho fosse um borrão no caos da cidade grande.

A respiração de Marcos descompassou; mal notou que deu três passos para frente, encarando o senhor que não olhava em sua direção.

Os ossos gelaram.

Pai?

Foi o som da buzina que o despertou.

Marcos correu para a calçada, o coração aos pulos. Olhou para o outro lado da rua. O velho no ponto de ônibus tinha um semblante amigável. Nada de maxilar endurecido. Nada de punhos fechados. Nada que pudesse evocar a imagem de seu pai.

Seria impossível.

Agitando a cabeça, comprimiu a pasta nas mãos e avançou para dentro da empresa, os passos ritmados, o queixo erguido.

— Bom dia, senhor Assis.

—Bom dia. — Acenou de volta.

Marcos se dirigiu para o elevador, mantendo o semblante impassível, lutando contra a sensação de ter garras invisíveis comprimindo sua garganta.

Odiava aquela maldita sensação de vulnerabilidade, a força opressiva que a imagem daquele homem repugnante ainda causava em seus sentidos.

— Bom dia, senhor Assis.

— Olá, senhor Assis.

—Bom dia — respondeu. — Bom dia.

As pessoas o cumprimentavam e o admiravam; ele sabia que tinha um estilo de vida elevado, até mesmo invejável, e uma história de ascensão que já fora matéria em várias revistas.

Mas, enquanto as portas do elevador se fechavam e o coração palpitava nos ouvidos, tudo o que enxergava era o moleque que um dia fora, o irmão caçula, a mãe e o pai.

O velho estava bêbado naquela noite. Totalmente bêbado depois de ficar sóbrio por alguns meses. E a recaída era sempre pior.

Se Marcos fechasse os olhos, poderia voltar para aquela casa, para aquele bairro pobre. Era como se o cheiro de cachaça, suor e fumaça estivesse impregnado nas paredes, por mais que sua mãe limpasse os cômodos todos os dias.

Paraíso Profano | DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora