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Sentei-me em alguns degraus de água, por onde passeavam besourinhos pretos, comuns em Veneza, pois vinham dos canais, e suspirei exausto. Minha roupa estava suja, e agora os fundilhos de minhas calças também, já que a escada estava encharcada. Mas não me importei. Olhei com ódio para o gato que escapara por entre meus dedos e conseguira escalar uma das casas e agora me olhava do telhado, como se zombasse de mim. Mostrei a língua para ele e cruzei os braços sobre o peito, emburrado.

O sol já estava quase se pondo e eu não conseguira capturar gato algum. Eles eram rápidos, ágeis e escorregadios, além de agressivos. Meus braços estavam cheio de arranhões, e partes de minhas roupas, rasgadas. Ouvi uma risadinha atrás de mim.

"Está no seu quarto dia e só conseguiu capturar um mísero gato, e isso porque o coitado errou um pulo e deu de boca no chão." Implicou Seamus, e eu rangi os dentes, mirando-o de esguelha com ódio.

"Ninguém lhe perguntou! Recolha-se à sua insignificância." Falei mordaz, arrancando de Seamus uma carranca que fez com que eu me sentisse ligeiramente mais animado para continuar a caçada. Levantei-me e limpei as vestes, mesmo que soubesse que isso não mudaria meu estado lastimável. Meus cabelos também estavam uma completa bagunça.

"Se fosse eu tentando capturar os gatos, tenho certeza de que eu não decepcionaria o Sr. Potter." Ouvi Seamus falar em um tom pomposo, e inflamei de raiva. Saí correndo atrás de um gato que acabara de surgir no meu campo de visão. Seamus bufou e correu atrás de mim, mas me esforcei para mantê-lo longe. Ele poderia falar o quanto quisesse, mas eu corria muito mais do que ele.

Desviei das pessoas pelas ruas estreitas e desci aos pulos uma escada curta. Os mais bem-vestidos, principalmente as mulheres, com vestidos de cetim, corpetes apertados e saias de tafetá, fugiam de meu caminho como se eu possuísse alguma doença contagiosa. Quando eu estava bem arrumado, elas costumavam se aproximar e apertar minhas bochechas, encher-me de elogios e mimos. Eu me senti menos sufocado, e mais livre sem todo aquele excesso de atenção. Os homens, com suas suntuosas capas escarlates e douradas, andavam como se não me vissem, e eu precisava desviar-me deles antes que acabasse atropelado por suas pernas longas.

Não sei quantas ruas dobrei atrás do gato. Eu cheguei a uma feira aberta da cidade, repleta de bancas, onde se vendiam todos os tipos de artefatos: tecidos, tapetes, quadros, broches, livros usados e novos, leques, medalhões, anéis e especiarias vindas do Oriente nos grandes navios. Os comerciantes gritavam e incitavam as pessoas a comprarem seus produtos, outros discutiam entre si, debatendo preços e assegurando que a qualidade deles era muito melhor e garantida. Eu geralmente me divertia quando parava para escutar alguma das discussões, mas hoje não parei para ouvi-los.

Em alguns momentos perdi o gato de vista. Ele quase foi pisoteado várias vezes, o que diminuía sua velocidade, mas ainda assim, ele era irritantemente veloz. Eu acabei tombando com um rapaz. Tinha cabelos escuros e curtos e uma cicatriz profunda no rosto que lhe deixava com um aspecto cruel. Ele me encarou de cima, com o rosto fechado numa máscara gelada, e eu estremeci de medo. Mas então olhei por entre as pernas das pessoas e vi o gato dobrar em uma esquina no final da feira. Levantei e corri, entrando numa transversal que cortaria caminho até onde o gato estava indo.

Dobrei duas esquinas e acabei de frente para o gato. Antes que ele sequer pudesse pensar no que fazer, eu me abaixei e fechei minhas mãos ao redor de seu corpo esguio.

"Isso!" Exclamei exultante, erguendo-o no ar, tão eufórico que mal senti as unhadas raivosas que ele deu em meu braço. Suspirei, aliviado e completamente cansado. Um a menos. Faltavam três, e eu tinha apenas três dias. Um por dia. Eu podia fazer isso.

Era uma vez em veneza Where stories live. Discover now