31 de outubro de 1993

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— Sua poção está em cima do balcão, pode pegar — Amelia apontou, balançando a criança para cima e para baixo em uma velocidade reconfortante.

— Queria conversar contigo primeiro.

O sorriso de Amelia se desfez no mesmo instante. Conhecia o amigo muito bem para saber que, quando ele queria conversar logo antes de beber a poção, o assunto não seria bom ou alegre.

— Aconteceu alguma coisa? São os Villeré? Diga-me o que houve.

— Os Villeré estão bem, não se preocupe — ele lhe tranquilizou. — Se algo tivesse acontecido com eles, eu certamente não estaria aqui.

— Então o que é?

Jean suspirou e se aproximou de Amelia, prolongando o momento com uma mudança de assunto.

— Como convenceu Helena a trazer a criança aqui logo hoje? — perguntou assim que chegou perto das duas.

— Luna — ela falou, ignorando a pergunta dele para apresentá-lo à neta. Ergueu um pouco a criança para que Jean pudesse ver o rosto da pequena no meio das mantas que a esquentavam. Nem percebeu que Jean se afastou um pouco, com receio de chegar muito perto da criança. — Não é o bebê mais lindo que você já viu?

Não era. Jean já tinha visto bebês mais bonitos, menos enrugados depois de três meses de vida. Mesmo assim, ele não focou naquela questão. Sabia que aquela seria uma das poucas vezes, se não a última, que veria a criança, então quis observar seus traços com atenção.

— Tem mais cabelo do que pensei que teria — falou em vez de responder a pergunta de Amelia. — São negros como os da mãe.

— Sim. — Amelia sorria orgulhosa. — Felizmente, ela puxou quase tudo da mãe, então o nariz curto do pai não atrapalha sua beleza.

Jean nunca entendeu como alguém poderia enxergar tantas semelhanças entre os adultos e os bebês, mas não quis desmentir Amelia. Talvez ela estivesse certa, ele só não via nada daquilo. Aliás, ele queria que ela estivesse certa, pois a criança poderia se tornar uma mulher tão bonita quanto a mãe.

Ele ficou ali alguns minutos, observando a criança a uma distância que ele considerou segura. Era só uma criança, como muitas outras. Ele sabia que era a neta de Amelia e que seria muito amada pela bruxa, mas não sentiu a mesma emoção de quando viu Helena pela primeira vez. Talvez o fato de que ele também estivesse começando a temer as atitudes de Helena fosse o responsável por seu distanciamento da criança, emocional e fisicamente.

— Como conseguiu trazê-la aqui esta noite, Amelia? — ele perguntou de novo. Por mais que quisesse esquecer, não podia negar que estava preocupado pela amiga.

— Helena e Guilherme foram à festa de Halloween dos pais de Guilherme. Não era um evento adequado para um bebê tão jovem, então eles me pediram para cuidar dela. Acho que Helena nem se tocou que hoje era o dia que você viria à loja.

— Helena esqueceu que dia é hoje? — perguntou desconfiado.

— Não é um milagre?

Amelia estava feliz. Se era por causa da neta ou por poder apresentá-la ao amigo, Jean nunca saberia. Ele não queria, de modo algum, atrapalhar a felicidade da amiga, porém não era tolo.

Helena nunca, jamais, esqueceu do dia 31 de outubro. Quando tinha 15 anos, ela chegou a fugir da escola para ir vê-lo e poder ajudar a mãe a entregar-lhe a poção. Mesmo que ela estivesse irritada com ele e quisesse fingir que não sentia mais nada pelo fantasma, dificilmente ela se esqueceria daquela data.

Jean estava prestes a revelar seus pensamentos para Amelia quando a porta da loja se abriu. Ele só teve tempo de dar um passo para trás, afastando-se mais da senhora e da criança.

O véu que nos separa (Degustação)Where stories live. Discover now