31 de outubro de 1993

308 59 303
                                    

O tempo tinha escondido muitas coisas nesse ano. Infelizmente, não do jeito que Jean ou Amelia esperavam.

Depois de casar-se com Guilherme, Helena fizera questão de cumprir a promessa que tinha feito a Amelia, negando-se a ver a mãe depois que esta tentou chamar Jean para jantar em sua casa em uma noite que Helena e Guilherme foram visitá-la. Quando a criança nasceu, a filha de Amelia não deixou que a senhora visse a neta até que Amelia prometesse nunca mais chamar Jean para sua casa, principalmente quando o casal estivesse lá.

Foram os meses mais difíceis para Jean. Estar tão perto de sua amiga e praticamente não poder vê-la era um martírio. Ele tinha voltado para Nova Orleans por causa de Amelia, porque queria passar mais tempo em sua companhia, mas era impedido por outra promessa inusitada, porém importante.

Amelia tentou descumprir sua palavra, chamando Jean para visitá-la quando Helena não estava por perto. No entanto, Jean aprendeu, tanto em vida quanto em morte, que a palavra de uma pessoa era um dos bens mais preciosos que ela tinha. Seus estudos, seus princípios e sua palavra jamais deveriam ser desprezados ou traídos. Jean nunca deixaria que Amelia fizesse tal coisa, principalmente por causa dele.

Então, os meses foram passando sem que Jean pudesse ver Helena e sua criança, sem que Jean pudesse jogar cartas ou conversar com Amelia durante um jantar em sua casa ou na dela.

Ele apenas podia ver a amiga quando esta estava trabalhando ou quando marcavam de se encontrar em algum lugar da cidade. No primeiro caso, Amelia quase não tinha tempo para conversar com ele, pois precisava atender os clientes. No segundo caso, os encontros eram constantemente interrompidos por pedidos de socorro de Helena ou pelo tempo que Amelia dedicava a cuidar da neta quando os pais da menina iam a alguma festa.

Nos momentos em que podiam se encontrar, Amelia olhava constantemente ao redor, com medo de que Helena pudesse vê-los juntos. A jovem não tinha proibido que eles se vissem, até porque provavelmente não conseguiria tal promessa da mãe, mas Amelia não queria ter mais problemas ou brigas com a filha, pois tinha medo de perder a neta que aprendera a amar em tão pouco tempo.

Jean entendia os sentimentos da amiga e, por conta disso, quando chegou à loja de Amelia na noite de Halloween, tinha tomado uma decisão que o deixava muito triste. Ele sabia que se arrependeria do que tinha decidido, mas também sabia que o arrependimento duraria pouco tempo, pois estava acostumado a viver o presente e esconder o passado em algum recanto obscuro de sua mente.

Abriu a porta da loja Glamour House e entrou com o queixo erguido e respiração presa. Assim que deu dois passos, porém, soltou a respiração e abriu a boca em surpresa.

Amelia estava parada na frente do balcão, segurando um embrulho de mantas nos braços firmes. Ela balbuciava em direção ao embrulho e fazia caretas divertidas.

Jean ficou parado observando-a por alguns minutos, encantado com a beleza da cena. Uma avó brincando com sua neta, com tanto amor e carinho transbordando em seus olhos e sorrisos que ele jamais diria que aquela Amelia era a mesma que jantara com ele há algumas noites.

Sua amiga estava feliz ali, com aquela criança. Jean a tinha visto daquele jeito apenas quando Helena nasceu e ficou extasiado por saber que Amelia podia sentir-se tão bem novamente. Mais do que nunca, ele entendeu que a decisão que tinha tomado era a certa para todos. Nem mesmo o arrependimento tardio viria, agora que ele sabia como Amelia estaria sem sua presença.

— Ele vai ficar ali parado a noite toda se não falarmos com ele — Amelia falou para a criança, alto o bastante para que Jean ouvisse e entendesse.

Ele riu com a alfinetada, mesmo sabendo que era verdade.

Quando Amelia finalmente levantou o rosto para observá-lo, ele não se impediu de suspirar por ver o sorriso estampado em seu rosto. Como ele sentiria falta daquela visão.

O véu que nos separa (Degustação)حيث تعيش القصص. اكتشف الآن