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Eu odeio viajar de ônibus.

Sério, odeio mesmo. Minha mãe brinca que é porque eu nasci com espírito de rica, e meu corpo foi programado para adorar viagens de avião, helicóptero, até mesmo a bordo de um transatlântico chique. Mas ônibus... isso não é pra mim, não!

Infelizmente, as opções para quem quer vir de Birigui, a cidadezinha no meio da bolha de calor do noroeste paulista, até São Paulo são poucas. Eu poderia ter dirigido até aqui, se tivesse um carro, mas, como todas as outras coisas de valor que eu tinha, vendi meu querido Fiesta 2008 para juntar dinheiro para um sonho maior. Poderia ter pegado um avião no aeroporto de Araçatuba, mas estou vivendo o momento mais pão-duro de toda a minha vida.

Logo, aqui estou eu, descendo de um ônibus.

Mal posso esperar para rir de tudo isso lá de Quebec.

São seis horas da manhã, e pelas poças d'água se acumulando no meio fio do Terminal Tietê, as águas de março atacaram novamente na capital. Estremeço com o ar gelado da manhã, e isso me dá um certo alívio; em Birigui, as temperaturas variam de amostra do inferno a centro da terra, muitas vezes sem nem um ventinho para ajudar a refrescar. Na minha lista de motivos para querer me mudar para o Canadá, o clima está no topo da lista. Mal posso esperar para nunca mais suar de novo.

Pego minha mala, desnecessariamente grande para apenas três noites, e saio em direção aos banheiros. Depois de finalmente colocar um rio inteiro de xixi para fora, aproveito para escovar os dentes, lavar o rosto e retomar um pouquinho de dignidade. Minha barriga ronca enquanto arrasto meu corpo e a mala em direção à saída que dá para o metrô, mas me recuso a parar para comer. Um café na rodoviária custa praticamente o preço de um dólar, e nesses últimos meses, cada dólar conta. Como quando chegar no meu destino.

Enquanto espero o metrô, reviso o endereço e as instruções para chegar lá. Fica há alguns quarteirões da estação Autódromo da CPTM, uns dez minutos de distância. Ele me disse pra pegar um Uber quando chegasse, se estivesse muito cansada, mas não vejo por quê. Sou do interior, faz uns três meses que não tenho carro, estou acostumada a andar para quase tudo que preciso fazer. Se os 40 graus de Birigui não me impedem, não vão ser as 6 horas de ônibus e uma noite sem dormir que vão me vencer.

~*~

Eu devia ter pegado um Uber.

O que o Google Maps não me adiantou quando vi o caminho é que os dez minutos incluíam uma ladeira ridícula que eu precisaria praticamente escalar arrastando a minha mala. Quando finalmente chego na porta da casa, estou ofegante, com sede e com os pés e pernas ardendo com o esforço. É exatamente o tipo de situação que meu pai chamaria de "economia porca". Eu preferia gastar 8 reais nessa corrida do que chegar aqui nesse estado. Vai ser uma péssima primeira impressão.

Mas cheguei, e toco a campainha enquanto respiro fundo, tentando me recuperar. O portão se abre tão rápido que parece que alguém estava logo atrás, apenas esperando que eu chamasse.

— Sabrina? — diz o cara que atende.

Eu o olho de cima abaixo, comparando mentalmente com as fotos que já vi. Ele é negro, com cabelos cacheados compridos e muito mais bem cuidados do que os meus, e os olhos por trás dos óculos retangulares são escuros e alertas. Ele é mais baixo e mais gordo do que achei que fosse pelas fotos, mas tão bonito quanto parecia na internet.

— Bruno? — devolvo a pergunta. Ele sorri.

— Fala, esposa! Seja bem-vinda! — ele diz, e abre espaço para eu passar.

~*~

A casa de Bruno é bem simples, e um tanto malcuidada. Poeira, folhetos de supermercado e folhas se acumulam na garagem, que parece não ser limpa há meses. A tinta está manchada e descascando tanto do lado de dentro quanto de fora. Quando entramos, me deparo com uma sala que parece montada a partir dos restos de outras casas: um sofá marrom antigo, um hack vagabundo branco, uma cristaleira com cara de relíquia que virou estante para jogos de videogame e DVDs antigos e uma persiana parcialmente detonada. Bruno me deixa entrar e, enquanto fecha a porta, diz:

De mala e cuiaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora