II

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As colunas da aparelhagem na sala da Mansão de Diabolus Venator vibravam com as músicas de natal que tocavam em alto e bom som. E, apesar dos outros caçadores me terem dito que era raro nevar tão perto da costa, não parava de olhar esperançosamente de meia em meia hora pela janela. Tinha uma esperança infantil que a chuva e o nevoeiro que se acumulara do outro lado se transformasse de repente em neve. Sempre sonhara com um natal branco. Algo que nunca tivera ocasião de ver em Lisboa ou Londres, onde passara alguns natais uma vez que o meu pai era inglês e a minha mãe portuguesa.

Dentro da mansão, todos pareciam achar normal o facto de Zhao ladrar ordens a toda a hora. Com a estatura de uma adolescente de 15 anos, mas a autoridade de um general, ninguém a questionou ou protestou quando Zhao ordenou a Gabriel que desfizesse os nós das luzes de Natal ou que Ada fosse enviada para a rua para colocar coroas de azevinho nas portas.

– Então, explica lá como funciona a tradição de natal em Venator – pedi. Estava sentada com Marion a fazer – e comer – grinaldas de pipocas. Ela atirou uma pipoca no ar e tentou apanhá-la, mas esta caiu-lhe no rosto e por conseguinte no sofá. Sem demoras, Marion apanhou-a e comeu-a. Os seus olhos verdes cintilavam de alegria.

– É simples – disse. – Todos os anos, Zhao obriga-nos a pôr músicas de Natal e a decorar a casa inteira todos juntos.

– Todos? Até mesmo Liam?

Liam Kestner era um dos venatori, caçadores pertencentes a Diabolus Venator, mais antigos da mansão, mas também dos mais reclusos. Preferia viver afastado dos outros, num celeiro no jardim, e só aparecia para alguns treinos em conjunto e quando era obrigado a partir em missão. Nolan, o líder de Venator, nunca nos deixava caçar sobrenaturais sozinhos.

– Até mesmo Electra, se tiver o infortúnio de estar presente. Mas todos menos o Kestner. Zhao pode ser persuasivamente assustadora, mas ela ainda tem mais medo dele que ele dela.

Acredito que sim, pensei. Liam conseguia ser bastante intimidante quando queria.

Richard entrou na sala a carregar uma caixa de ornamentos. O seu cabelo castanho até aos ombros estava coberto por um chapéu de duende e cantarolava, entredentes, We Wish You A Merry Christmas.

Zhao não nos vai obrigar todos a usar aquilo!

Marion abanou a cabeça quando Richard se aproximou e tirou uma mão cheia de pipocas da taça. Colocou as pipocas todas de uma vez na boca e piscou-lhe o olho.

– O único que parece não se importar com o espírito natalício que se apodera de Zhao nesta altura é o Richard, que criou a tradição dos presentes.

Olhei chocada para Marion.

– Presentes? – Não me tinha preparado para isto. – Peço desculpa, mas não devíamos estar antes preocupados com as criaturas que nos querem arrancar a cabeça?

Ela riu-se largamente e as rugas de expressão em volta dos olhos sulcaram a sua pele castanha.

– Ainda és nova neste tipo de trabalho. Em breve começarás a apreciar quando conseguimos ter pequenos momentos como este.

Marion apontou com a cabeça na direção de Electra que entrava na sala com um tabuleiro cheio de eggnogs. Richard atirou as mãos no ar ao avistá-la e beijou-lhe a testa quando retirou o seu copo. A cor marfim do rosto de Electra subiu dois tons no espetro de vermelho.

Um Natal AssombradoWhere stories live. Discover now