Capítulo Vinte e Três

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Arden Kallis não se lembrava de uma única altura em que tivesse estado tão nervosa como naquela altura. Estava ainda no seu carro, estacionada em frente à casa de Theo – ou melhor, da casa dos seus pais. Oficialmente, a casa não pertencia a Theo porque ele não estava vivo. Mas não era por tudo isso que Arden estava nervosa, mas sim pelo facto de à sua volta estarem imensos outros carros, de todo o tipo de jornalistas. De um lado, estavam operadores de câmara a filmar repórteres em frente à mansão, de outro, jornalistas a falarem para os seus gravadores. Theo tinha-a preparado para a possibilidade de aquilo acontecer, mas ela tinha menosprezado os avisos por calcular que viessem da paranóia que ele sentia constantemente. Estava errada.

O dia do quinto aniversário da morte de Levi Saint tinha chegado finalmente. Era, simultaneamente, o dia do trigésimo aniversário de Theo e era por isso que ela lá estava. Os seus pais queriam finalmente conhecê-la e, por ser um marco tão importante na vida de Theo, organizaram um pequeno almoço de família. Arden nunca, em nenhum dos relacionamentos anteriores, passara pelo escrutínio de pais ou de outros membros da família. Nunca se aproximava o suficiente para o seu parceiro a querer apresentar sequer, mas ali estava ela, prestes a conhecer as únicas outras pessoas que sabiam do segredo de Theo.

Na teoria, o plano era simples. Arden sairia do carro normalmente e, se alguém lhe perguntasse porque é que ela se estava a atrever a bater à porta dos pais do falecido cantor num dia de tão grande luto, ela responderia simplesmente que eles tinham concordado com uma entrevista. Não era mentira, pois uma entrevista iria ocorrer, mas talvez não fosse Arden a entrevistar daquela vez. Na teoria, tudo lhe parecia fácil, acessível, mas ao ser confrontada com uma multidão de jornalistas a rodearem a mansão branca, Arden não sabia se conseguia seguir com o plano avante. Tu consegues, Arden. Pelo Theo.

Saiu do carro, trancou-o, e respirou fundo. Envergava um vestido de inverno, de malha, e um sobretudo castanho-escuro; embora um pouco mais arranjada, estava dentro do seu estilo normal. Ninguém olharia para ela e perceberia que ela estava a caminhar na direção de uma pequena festa de aniversário ao invés de para uma entrevista com pais em luto. Em frente a toda aquela confusão, Arden apanhou-se sem perceber como é que a família de Theo conseguira lidar com a situação. Todos os anos esperava-se que eles sentissem um luto que não sentiam verdadeiramente, todos os anos contavam a mesma história fictícia aos jornalistas que conseguiam falar com eles. Deveria ser exaustante.

- Arden Kallis? – ouviu um jornalista perguntar, alto demais. Arden suspirou, pois essa pergunta foi o suficiente para todos os que ocupavam a estrada se virassem para ela.

Arden Kallis nunca era avistada em casos como aqueles, por isso ela aceitou toda a atenção que recebeu naquele momento. Inicialmente, todos calcularam que ela iria parar, falar para um gravador, e ir embora; mas, quando ela continuou a caminhar na direção da porta da frente, pintada de um dourado que ela considerou bastante bonito, Arden quase ouviu as respirações a paralisarem simultaneamente. Quis rir, mas não o fez, precisava de se manter apática, passível, como a Arden Kallis que toda a gente conhecia. O dedo indicador adornado com uma unha perfeitamente pintada de verde-escuro de Arden clicou no botão da campainha uma única vez. Ela recusou-se a olhar para trás, não sabendo se se controlaria ao falar com qualquer uma das pessoas que estavam ainda na estrada.

Quando as primeiras perguntas surgiram, em timbres que a fizeram estremecer, a porta da frente abriu-se para mostrar uma senhora pequena, de cabelos totalmente brancos, e vestida de preto. Arden calculou que fosse a mãe de Theo pelas parecenças em certas feições. Antes que a jornalista pudesse dizer qualquer coisa, a senhora agarrou numa das suas mãos e puxou-a para dentro, não olhando sequer para todas as pessoas que decoravam a estrada em frente à casa. Num instante, a porta da frente estava fechada e Arden estava dentro do seu destino, a casa de Levi Saint, de Theo. A casa onde ele tinha tentado colocar um fim à sua vida.

Equilibrar a VerdadeWhere stories live. Discover now