35. Temos que sair daqui!

3.5K 380 35
                                    

Dia 82

David acordara cedo, para sua surpresa. Depois do conflito da noite anterior, do colchão pouco confortável e do stress característico de uma viagem com destino incerto, fora impossível gozar de longas horas de sono. Não podia deixar de projetar o dia seguinte mentalmente, pensar que em poucas horas passaria a fronteira e se depararia com um país desconhecido. Não conseguia prever a situação no Canadá, mas era tarde demais para voltar atrás. Seria tudo ou nada. Chegaria ao Canadá, conseguiria um meio de transporte para regressar à Europa, talvez no dia seguinte estivesse em casa, a abraçar os pais, e não deitado ao lado de dois homens, num quarto de alojamento de beira de estrada.

Com pensamentos mais risonhos, foi até ao quarto de Rachel e Kim. Ao perceber que a morena deixara a cama há algum tempo, permitiu-se ocupar o lugar dela. Quase no mesmo instante Rachel aninhou-se nele em busca de calor. As últimas noites já deixavam notar o Outono que se avizinhava e ele não se podia queixar por isso. Fechou os olhos, abraçou-a e deslizou uma mão pela barriga dela. Brincou com o umbigo dela e apaixonou-se um pouco mais só pelo protesto ensonado da loira que se aconchegou ainda mais contra si. Ele sorriu e depositou-lhe beijos preguiçosos sobre a nuca e ombro descobertos durante tempo suficiente para ela murmurar, ensonada:

– Casa já comigo – O sorriso de David alargou-se imediatamente. – Las Vegas, amor, e casamos para eu poder dormir contigo e acordar assim para sempre. Legalmente. Com um certificado de exclusividade ou algo do género. De obrigatoriedade matrimonial enquanto despertador matinal perfeito... Para que é que interessa o termo?

Ele riu-se com os murmúrios disparatados da rapariga que, pelo seu tom de voz lento e sussurrante, indicavam que ainda não acordara.

– Não estás a dizer coisa com coisa, mas um dia será para sempre.

Ela sorriu deliciada e virou-se de forma a encontrar os olhos dele, pela primeira vez naquela manhã. Com uma lentidão digna de uma preguiça, deitou a cabeça na almofada dele e fechou os olhos à espera de um beijo de bom-dia, que não tardou a receber.

– Sabes o que me apetece? – quebrou o silêncio, roçando os lábios dele, numa carícia leve e ensonada. – Um pequeno-almoço assim... – Ao dar-se conta do que dissera desde que acordara, abriu os olhos e olhou para o namorado como se o visse pela primeira vez e a primeira impressão não fosse a mais risonha. – Oh, ainda aqui estamos enfiados, não é? – fez uma careta quando ele riu. – Odeio quando me acordas assim. É tudo tão cor-de-rosa que me esqueço das coisas. És horrível. – Tentou afastá-lo, num amuo fingido que só serviu para que ele se arrastasse vagarosamente para cima dela.

– És fantástica a mudar de ideias. Fui promovido a horrível em três segundos – comentou, divertido. – Volta ao mundo cor-de-rosa – pediu, roçando o nariz no maxilar dela.

– Esquece o cor-de-rosa. Que tom de voz é esse? – Mais depressa do que ele esperava, ela entreabriu as pernas, para que ele se pudesse encaixar perfeitamente entre elas, e puxou-o mais para si, num abraço apertado. Ele parecia extremamente atraente daquela perspetiva. O tom de voz ensonado, grave, arrastado; os pequenos pontos de barba que adornavam o rosto magro e perfeito; os lábios secos que pediam para ser beijados; os olhos inchados ou os cabelos castanhos revoltos e despenteados. Tudo nele parecia irresistível naquela manhã. Não resistiu passar os dedos esguios por entre o cabelo dele e puxá-lo para mais perto, perto o suficiente para lhe morder o lábio inferior em provocação. – Falava a sério quando disse que queria acordar assim para sempre.

David aceitou o beijo como se dependesse dele, mas a sua cabeça não pôde deixar de envolver-se de pensamentos fatalistas enquanto envolvia a sua língua na dela e a acariciava. A questão temporal era tão breve... Ela quase morrera e ele não conseguira fazer nada para a salvar. Ele poderia adoecer em breve e não haveria outro milagre para salvá-lo. No seu egoísmo natural, tal situação não o afligia. Pior seria se ela voltasse a adoecer, se ambos tivessem um fim inesperado e precoce por outro motivo qualquer.

UPRISINGWhere stories live. Discover now