21. Não queria que te doesse

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Dia 66

A manhã poderia ter sido menos surpreendente para Jake. Mais banal, rotineira, com um acordar arrastado e cansado como se não tivesse dormido o suficiente – para ele, dormir nunca era suficiente – mas não foi assim. A sonolência habitual que o atingia todas as manhãs dissipou-se rapidamente ao perceber que estava de volta ao pesadelo por mais um dia, e por ter uma rapariga aninhada no puf ao seu lado, numa posição desconfortável.

Conseguiu então esquecer por momentos a tensão dramática que encontraria fora daquele quarto e ergueu o tronco despido de forma rápida, verdadeiramente surpreso com a presença da morena. Se havia algo que o irritava era quando desrespeitavam a sua privacidade e Kim deveria ser a última pessoa a fazê-lo. Uns dias de cumplicidade e um bom relacionamento com uma rapariga não lhe davam acesso direto à sua cama. Pelo menos não daquela maneira.

Coçou o couro cabeludo preguiçosamente e bocejou, reunindo coragem para acordá-la. Na verdade, não estava zangado. Kim não era tão forte como tentava demonstrar nos últimos dias, e não tinha a intenção de se enfiar em sua cama. Ela era frágil e vivia assustada. Talvez aquela situação não fosse justa para ela, mas certamente não era justa para Rachel e para todos os que amavam e compartilhavam o seu sofrimento diário. Kim precisava entender isso.

Sentado na cama, olhando para ela fixamente, Jake chamou por Kim, mas não obteve resposta. Levantou-se e agachou-se perto dela, tocando-lhe no ombro para acordá-la.

– Kim – ele abanou-a novamente e ela acordou, sobressaltada, apertando-lhe o punho com uma força e rapidez que o surpreendeu. – Sou só eu, calma. – Era por isso que ele não estava zangado por ela ter invadido o seu quarto daquela maneira.

– Jake? – ela indagou, sonolenta, piscando os olhos para conseguir perceber as suas formas na ténue iluminação do quarto.  – Jake! Oh, desculpa – ela se desculpou, erguendo-se rapidamente e alisando os cabelos.

– O que estás a fazer aqui? Dormiste aqui?

Kim encolheu-se o suficiente para que ele se arrependesse da questão.

– Sim. Não. Eu não me enganei no quarto nem nada, e não queria dormir aqui, mas tu é que estavas a dormir – ela apontou para o rapaz, defendendo-se. – Eu queria falar contigo, então resolvi esperar... 

Jake poderia ter rido, mas não o fez. Não queria falar com ela naquele momento. Talvez não quisesse falar com ninguém. Ele tinha discutido com o irmão, não sabia se Rachel ainda resistia, não era possível voltar para a Europa, e talvez arranjasse outro problema grave durante o dia para adicionar a todos aqueles. Falar com Kim era a última coisa que ele queria fazer.

– Não sou a melhor companhia neste momento, Kim. E não quero que durmas aqui sem me avisares. É um bocado estranho.

– Porque é que dói? – ela perguntou, de repente. Ele franziu a testa, sem compreender, e ela apressou-se a explicar da melhor maneira possível:

– Aqui – apontou para ambas as têmporas – e aqui – bateu no próprio peito, mantendo o olhar fixo nele, à procura de respostas. – Por que é que dói? Eu pensava que o medo fosse o pior, mas antes não doía tanto quando me assustava. 

Jake passou as mãos pelo cabelo rebelde, virando as costas e sentando-se novamente na cama. 

– Também dói para ti? – Era uma pergunta direta, pensou ele. Kim deveria ser a última pessoa a tocar nesse assunto. Ele não estava disposto a falar sobre o que sentia, e ela parecia não estar disposta a aceitar mentiras como resposta. Era impossível negar.

– Talvez.

– É por isso que estás com essa cara de quem só come lasanha vegetariana?

Jake fez um esforço para sorrir, mas desistiu. Kim suspirou e sentou-se na cama dele, como fazia inúmeras vezes para que pudessem conversar.

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