19. Impotência

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Dia 65

– Um tratamento eficaz para começar. É o único médico que consegui contactar até agora!

– Sr. Brody, compreendo a sua urgência e preocupação, mas não posso ajudar.

David respirou fundo e fechou os olhos, contendo ao máximo a ânsia de responder sem elegância ou educação ao médico de voz calma e serena, como se estivesse a falar de uma compra de mercearia em vez da situação crítica da namorada! O que se passava com aquele país? Teria de recorrer ao truque mais baixo, mas infalível, para captar a atenção de um ser humano.

– Eu pago-lhe – ofereceu, ainda cordial. – Eu pago-lhe o que quiser, milhares se for preciso, e não duvide que posso fazê-lo, mas peço-lhe que a examine! Que lhe receite alguma coisa! Que faça o seu trabalho!

Sr. Brody... – David tinha a certeza de que se o médico se dirigisse a ele pelo apelido novamente, naquele tom, o homem iria arrepender-se de ter atendido aquela chamada. – O que está em causa não é o que eu não quero fazer e nem se trata de dinheiro. O problema, como já lhe expliquei, é que não posso fazer nada porque não há nenhuma vacina disponível para este novo vírus e medicamentos para o HIV não atuam na doença. Não há, simplesmente, cura para o que precisa. Dê-lhe o máximo de conforto que conseguir durante estes dias, antes... –

– Nem termine essa frase! – interrompeu o médico, e um rápido olhar para Jake, que assistia àquela conversa desde o início, assim como Kim, deu para perceber que ele estava exaltado e precisava de acalmar-se. Curiosamente, acalmar-se era a última coisa que faria. David recusava-se a ouvir aquelas palavras novamente. O médico já as tinha dito, já as repetira como se o seu discurso fosse dirigido a uma criança de quatro anos e mesmo assim não queria ouvi-lo reforçar aquela realidade.

– Doutor, lá porque deve estar munido de antibióticos e máscaras e fatos especiais e o caraças não pense que os outros têm a mesma sorte. Eu sei que há cura! Eu sei que o senhor se vai safar, por exemplo. Está doente, por acaso? Há pessoas a morrer! – O seu tom de voz modificou-se rapidamente e a cordialidade e educação foram esquecidas. 

Kim olhava para ele, surpresa. Já tinha visto David exaltado e zangado, mas nunca o tinha visto tão possesso como naquele momento. 

– Que cabrão teimoso! – murmurou o rapaz em gaélico para o irmão e para Kim, ocultando a injúria do médico.

Desculpe, Sr. Brody, mas não há ninguém que o consiga ajudar. Lamento imenso, mas espero que compreenda se o disser desta forma, já que ainda não quis compreender o que, de facto, se está a passar. – David esbugalhou os olhos ao ouvir o médico e só esperou ter confundido o seu sotaque exageradamente americano com indiferença e desdém. Ele não podia simplesmente ignorá-lo. Não era ético, não era... Não era típico de um médico.

– Raios o partam! – ofendeu, levantando-se do sofá e gesticulando para o vazio, ansiando que fosse o médico à sua frente para puder esganá-lo à vontade. – A minha namorada está doente há dias e ninguém se dispôs a ajudar. Vocês têm meios para isso e eu tenho outros meios para com que você faça isso. Tem de haver... – Os incessantes bips ao seu ouvido revelaram que nada havia a fazer. Por mais que falasse, por mais que implorasse. – Desligou – balbuciou, incrédulo a olhar para o telefone. Apertou o aparelho com força e lançou-o para cima do sofá, com força, pontapeando-o quase no mesmo instante.

– Tem calma... – pediu Jake, apesar de conhecer o irmão demasiado bem para saber que aquele pedido não teria grande efeito. David parecia cego e surdo, alheio a tudo o que lhe diziam. Tudo se tratava de Rachel, tudo se concentrava na doença de Rachel, e tudo o resto era esquecido.

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