10. Minha colega

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Cheguei no Rio sem trabalho, mas pelo menos tinha um pouco de grana. Aluguei um lugar perto da rodoviária. Era horrível o buraco que me enfiei, mas pelo menos era barato e faria meu dinheiro render mais, assim que conseguisse ganhar mais eu iria querer arrumar um apartamento do meu gosto. Eu sentia falta do conforto e de ter o meu canto arrumado do jeito que eu gostava.

Foi logo na rodoviária que conheci um cara que fazia documentos falsos. Perfeito. Ganhei um RG, um CPF, e uma Carteira de Trabalho. Ficou bem mais caro, mas fiz questão de arrumar um diploma de enfermeiro. Eu tinha saudades da vida no hospital e, muito mais que isso, depois de tudo o que eu vivi eu teria ainda mais dedicação no meu trabalho. Se meu Deus me deu amor no coração para eu cuidar dos esquecidos do hospital psiquiátrico, daqueles que o mundo preferia que não existisse, eu teria também muito amor para cuidar de todos os frágeis e doentes do hospital que me empregasse.

Eu agora era Lucas Ribeiro, enfermeiro da USP, pelo menos a faculdade eu consegui manter a mesma. Fui nos principais hospitais do Rio em busca de emprego e para minha alegria estavam precisando de gente no Copa D'Or. Contei toda minha experiência em São Paulo, mostrei que tinha experiência e fui contratado.

Estava conseguindo recomeçar com o pé direito. Eram muitas bênçãos que recebia do meu Pai. Depois de ter conseguido emprego, eu aluguei um apartamento em Copacabana perto do hospital. Ali eu construí meu canto do jeito que eu gostava. Comprei tudo a prestação, mas deixei a minha nova casa linda.

De manhã, eu agradecia tanto a Deus e me sentia tão feliz que eu sentia lágrimas de alegria deslizando pelo meu rosto. Eu era abençoado demais.

No trabalho logo perceberam a minha seriedade e dedicação, por isso não demorou muito para confiarem no meu trabalho. De um fugitivo do hospital psiquiátrico eu me transformei em um respeitado enfermeiro do Copa D'Or. A vida tem mesmo dessas coisas que é para nos ensinar que tudo pode mudar e nos ensinar humildade e capacidade de adaptação.

Eu a conheci na hora do almoço. Tinha descido até uma loja do hospital para comprar um expresso e me deparei com ela, Clotilde. Sem querer eu esbarrei nela, ela me deu um daqueles sorrisos que fazia meu joelho falsear e eu sentir que um buraco no chão poderia se abrir.

— Como se chama — perguntei assim que me recuperei.

— Clotilde — ela respondeu gentil. — E você?

— Lucas Ribeiro, sou novo aqui.

— Eu sei — ela disse sem graça de reconhecer que já tinha reparado em mim.

— Você é de que setor?

— Pediatria — ela contou orgulhosa.

— E você? Acabei de ir para UTI.

— Ah — ela constatou preocupada. UTI mesmo não é para qualquer um.

— Foi bom te conhecer. Vamos nos ver bastante — comentei.

— Com certeza — ela disse acanhada.

Podia ser impressão minha, mas eu acho que a Clotilde tinha me achado atraente.

— Por que não toma um café comigo?

Ela sorriu satisfeita e acho que até corou.

— Claro — ela aceitou.

— Vamos sentar naquela mesa — eu apontei para uma mesa vazia.

O café foi pouco tempo, mas pelo menos descobri um pouco mais sobre a Clô, que era como os amigos a chamavam. Ela me contou que adorava trabalhar com bebês, que era divino vê-los nascendo e que a cada parto tinha certeza que Deus existia. Eu também contei que acreditava em Deus e a minha fé era mais forte toda vez que reconhecia seus sinais. Contei, por exemplo, da minha bela adormecida, não sei se você se lembra dela, mas eu tinha certeza que ela ficaria boa, e, de verdade, ela ficou, foi só depois que ela se foi. Lembrei, intimamente, como a vida da minha bela adormecida tinha transformado a vida de Anderson e renovado a minha fé. A amizade e a afinidade com Clô foram instantâneas. Fiquei imensamente feliz por entrar mais um coração puro na minha vida.

MORRA POR MIMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora