Navegando e Afogando

537 4 4
                                    

 Segunda-feira, 2 de Abril de 2012 - faz calor e aqui dentro ainda mais!

Ando a duas semanas, seriamente viciada, neste site. Não posso, não posso, não posso. Começo por fechar a janela. Muito bem. Agora pesquisar algo interessante e educativo já que não quero desligar o computador. Já sei, algo de física já que é essa a disciplina em que tenho mais dificuldades. Começo a escrever na caixa de pesquisa do Google: campo eléctrico. Busco o site que mais interessante pareça e quando penso estar concentrada e estar a perceber o que acontece quando afasto o íman de uma espira, algo começa a piscar no canto inferior direito do ecrã. Tenho uma mensagem nova.

Logo vejo, agora tenho de terminar de perceber isto.

Fogo, não aguento, tenho de ler já, já, já! Abro e mais uma vez perco três horas seguidas a conversar com desconhecidos.

Os Chats nunca foram o meu género, mas desde que recebi aquele convite através do correio electrónico decidi dar uma oportunidade a este tipo de entretenimento através da internet.

 Não suportava mais estar pendente do meu passado, nem sei como fazer para viver o presente de modo a obter algo no futuro. Há oito meses que estou em Espanha e não tenho feito nada de interessante. Sinceramente, antes de cá chegar, mentalizei-me de que iria ter de odiar os espanhóis e assim é de momento. Odeio os espanhóis, odeio a escola com os espanhóis, odeio ter de falar espanhol, por isso enquanto aqui estiver não me vou envolver com nada que tenha a ver com espanhóis, seja para fazer amigos ou para o que quer que seja. Quero distância e que não me chamem de ingrata e infantil porque não estou neste país porque quero mas sim por obrigação. A minha irmã diz que eles não têm culpa e que eu estou a ser parva em tomar estas decisões visto que não só me estou a tornar numa “anti-pessoas” como também não vou desfrutar deste ano aqui.

Eu pergunto-me, o que é que posso desfrutar morando onde estou a morar? Estou num “pueblo” (como aqui costumam chamar) em Toledo, uma espécie de aldeia onde não há urgências, o centro de saúde é uma antiga escola em ruínas, a biblioteca é nessa mesma escola, mas numa outra divisão e apenas adopta o nome de biblioteca porque … sei lá. Nessa suposta biblioteca dão-se aulas aos adultos e a jovens que por algum motivo deixaram a escola, ao fundo da entrada há uma sala onde apenas há computadores para uso público, mas o que eu mais admiro numa biblioteca não há que são: um espaço onde eu possa estudar ou pensar quando não quero estar em casa; e os livros onde eu possa fazer os trabalhos da escola, visto que venho de outro país e as enciclopédias que tenho em casa são todas em português (o que não ajuda para o desenvolvimento da língua já que vou a escola). Isto é uma parte do que se pode encontrar na minha aldeiazita. Outro motivo que me faz ressaltar a ideia de que tenho de odiar os espanhóis é o facto de eu ter sido mal recebida aqui pelo facto de  ser a segunda família de negros  a vir habitá-la. Os vizinhos, sejam jovens, velhos ou adultos são todos uns antipáticos. Apenas se safam as criancinhas que como diz Jesus “são puras”. Mas deixa que estas estão a crescer e dentro de pouco tempo serão o futuro do presente que agora vivo. Não vou explicar esta minha ultima frase porque tenho a certeza que se percebe, mas se não, não se preocupem porque é apenas um desabafo. Enfim, este sítio onde estou é um inferno, já não basta ser pobre e não ter dinheiro para sair dele durante o dia. Por todos estes motivos comecei a deprimir. Não falo com ninguém sem ser na escola, concluindo, não tenho amigos com quem afogar as magoas, dar gargalhadas, contar as minhas piadas (ou não), chorar, gozar, pedir pastilhas e comida a hora do recreio, copiar os trabalhos de casa… enfim. Estou em baixo. Não tenho internet em minha casa, mas todos os dias depois das aulas passo a tarde na biblioteca onde mantenho contacto com os amigos de Portugal (os únicos que tenho) através do facebook. Mas chegou a altura em que já não há muito a dizer. Como aqui não se passa nada mais que ir e vir da escola, chegar e estudar, fazer testes e ter negativas, queixar-me do frio e que tenho sono, a vergonha veio até mim e deixei de ser capaz de meter conversa para não ter de inventar uma história sobre a minha vida neste inferno. Com os que pouco lhes importa a minha vida em Espanha conseguia conversar, mas ai, já estou farta desta vida sem emoção e sem graça. Estou tão agarrada a Portugal e aos meus amigos de lá quando agora estamos a ter vidas tão diferentes e ocupadas. Não pode ser como era, tenho de me mentalizar.

Comecei a tentar ser popular através do facebook, mas nem em redes sociais nem em vida real, que horror de pessoa sou eu. Será que é por ser feia? Não, o meu espelho e a minha auto estima dizem que sou linda, por isso, hipótese colocada fora de questão. Será que… Epá acorda para a vida! Não importa a popularidade, importa estar bem.

Deixei o facebook por uns dias. Deixei de ir a biblioteca com frequência. Agora vou para fazer trabalhos, baixar ficheiros que as professoras de física e filosofia me enviam e visualizar os e-mails que os sites onde estou subscrita me enviam sem a minha autorização só para encher a minha caixa de entrada (já que não sei desactivá-los). Hoje tem duzentas, mas vou ler algumas só para não ir já para casa. Já a meio hora a ler mensagens de histórias comoventes para reencaminhar, jogos e nada mais de jeito. Estou a preparar-me par encerrar uma quando vejo um convite para um site qualquer que me enviou um amigo e pela foto que ele tem de perfil (na pagina do site) parece que não foi propriamente ele quem me enviou o convite. Hum, um site de engate. Estou entretida a mover o rato para cima e para baixo quando dou conta do quadro grande que diz inscrever-se. Porque não? Estou sem nada para fazer e só para experimentar não deve fazer mal nenhum.

Terminei de preencher o formulário e agora pergunta se quero subir alguma fotografia minha. Cinco minutos depois de pensar decido subir uma na qual estou sentada num banco da rua, olhando o “horizonte”. Uma foto bonita e natural, quem a vir não vai insinuar nada, creio. Estou a vinte minutos a ver fotos de rapazes e a tentar perceber como funciona esta treta toda e dez rapazes meteram conversa comigo desde que criei o perfil. Respondo a todos, mas aos cinco minutos só estou a conversar com dois. A conversa não é nada de mais. Apresentações (apenas nome e idade e eu que fazia questão de me desculpar se desse erros ortográficos porque sou portuguesa), algumas curiosidades como qual a profissão e alguns elogios que me faziam como: “és muito gira” , “gosto do teu tom de pele”, “nunca estive com uma negra”.

Obrigada pelos elogios mas por hoje chega!

Breve continuação: Derreti-me toda quando disseram que eu era bonita mas senti-me uma prostituta quando falavam do meu tom de pele. Ser negra é como ser loira. Às mulheres assim, não sei desde quando, mas desde que me dou conta que vivo, sempre tenho ouvido os homens utilizarem-nas, as loiras como anedotas, e as negras como fetiches. Segundo as loiras sei que é mau e quanto as negras?

Será bom ou mau, continuo a frequentar o chat ou desfaço-me dele?

Já tenho um quebra-cabeças para esta noite.

Navegando e AfogandoWhere stories live. Discover now