16.

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O diário escorregou até a beirada do colchão e pendeu por três segundos, hesitando entre a cama e o chão. Caiu de lado, algumas folhas amassaram e a capa esborrachou, mas não tive tempo para socorrê-lo. Bati a porta com força e saí pelo corredor como se estivesse prestes a impedir uma ameaça nuclear.

A diferença é que minha bomba já explodira há meses. Anita estava morta... Assassinada! E eu precisava saber quem havia feito isso contra ela. Eram três partes de mim que me incentivavam a buscar essa resposta: uma parte sádica e curiosa, que estava interessada de maneira estranha pelo crime. Outra, queria fazer justiça pela garota que nunca foi amada de verdade. E a terceira, a mais egoísta possível, queria entender qual era a minha conexão com aquela garota que me visitava desde a minha infância.

— Rose — ela ficou tensa assim que encostei nos ombros dela, correndo em passos curtos pelo corredor da secretaria — Preciso usar o telefone.

— Desculpe, Bernardo, nós só permitimos ligações para os familiares com aviso prévio. Máximo de dois dias de antecedência, e o pedido deve ser aprovado pela diretoria. — assim que terminou de recitar as instruções, estampou um largo sorriso no rosto, orgulhosa de si mesma por ser uma funcionária tão exemplar. — Vai ligar para o seu pai, Bernardo?

— Preciso falar com Maia. Por sinal, vou precisar que você me passe o telefone dela. — sorri com o canto da boca, já imaginando que meu pedido seria negado.

— Quem é Ma... Aquela menina louca que quase causou um incêndio neste colégio? De jeito nenhum. — o corpo redondo de Rose virou de costas para mim. Continuei seguindo-a pelo corredor, nossos passos sonoros contra o piso de madeira.

— É muito importan...

Nananinanão.

— Por favor...

— Só estou seguindo ordens. — Rose atravessou uma porta de vidro e a fechou antes que eu pudesse entrar. — Não adianta ficar aí. Se quiser ligar para o seu pai, preencha o formulário que está na recepção. Bernardo, eu não vou ficar com dó. Meu terapeuta, Jesus, disse que preciso ser mais firme ao lidar com vocês, mocinhos.

— Posso, ao menos, falar com a diretora Flora?

Estou aqui. — a freira apareceu no fim do corredor, de braços cruzados, como uma sombra que estava nos perseguindo durante toda a conversa. — Você precisa falar com seu pai, Bernardo?

— Nã... Sim. — talvez meu pai fosse a melhor desculpa para que eu conseguisse chegar ao telefone.

— O seu timing não poderia ter sido melhor. — a freira abriu um sorriso de orelha à orelha. Em seguida, ela descruzou os braços e apontou para a janela. Caminhei até lá, apoiando minhas mãos no parapeito e observando o que acontecia lá embaixo.

O primeiro a descer do carro preto foi o motorista Walter, a cabeça pendendo para a frente por causa da coluna mais torta do que antes. Andou em passos cansados até as portas traseiras, abrindo-as e ajudando Catarina e meu pai a descer. O que diabos eles estão fazendo aqui?!, pensei. Como se escutasse meus pensamentos, Flora pousou a mão sobre meu ombro e adiantou: "Acho melhor o seu pai te contar a novidade".

* * *

— O seu cabelo cresceu. Deveria penteá-lo para baixo, para tampar essa cicatriz horrível. — ele disse, com a cabeça levemente inclinada para baixo e a boca curvada com desgosto, como se a cicatriz estivesse jorrando sangue por meu rosto. Talvez ele ainda a enxergasse dessa maneira.

O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei, desviando a cabeça para o lado — Achei que tivessem me matriculado aqui para que eu caísse no esquecimento.

A Última Gravata VermelhaWhere stories live. Discover now