Tempo de impedimento

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Todos estavam de olho no Homem-Café. Era talvez, a única esperança para muitos. Mas o Brasil era tão grande e tão cheio de mazelas... 

Os criminosos comuns lotavam os presídios e mesmo de lá, conseguiam com subornos e ameaças, dirigir o trabalho de organizações criminosas do lado de fora. Em cada um dos municípios mais remotos, em especial no norte, nordeste e centro-oeste, prefeitos, secretários, vereadores sugavam os recursos públicos para obter benefício próprio. Nas capitais, deputados possuíam redes de captação de dinheiro que abastecia os prefeitos no interior com propina a fim de conseguir os votos necessários para sua reeleição. Dinheiro de drogas, desvios de verba pública, sofisticados esquemas de corrupção nas estatais, vantagens para as grandes empresas e chantagem fiscal, tudo isso movia muito dinheiro que se misturava e invariavelmente ia alimentar os infames fundos partidários extra-oficiais, também conhecidos como caixa dois.

O ministério público federal e também os estaduais recebiam mais denúncias que podiam apurar, e mesmo quando um político era "enquadrado", sempre podia molhar a mão do juiz para escapulir ileso. E quanto era condenado, cumpria seis meses, ou no máximo um ano de prisão domiciliar e, a despeito das leis de ficha suja, sem demora conseguiam cargos na máquina, ou uma brecha para nova eleição. Um dia vendo TV, o Homem-Café achou curiosa uma placa numa manifestação em frente à Assembléia de São Paulo. Dizia o seguinte: "SOCORRO! Tem tanta roubalheira aí que nem precisa mandar a polícia para investigar, se mandarem dois escoteiros dá para autuar mais de oitenta deputados e fechar a casa". Conter a corrupção parecia algo impossível. Ainda assim, o Homem-Café tinha que tentar.

Depois que retornou ao Brasil, passou a atuar junto ao governo no infame serviço obrigatório para os super poderosos. E ele logo aprendeu o que aquilo significava. Conseguiu, depois de muita discussão e brigas, atuar na luta contra as drogas. Mas via, a contragosto, sua imagem e o resultado de suas ações associados à imagem de um governador maligno, ou mesmo do presidente. Continuava pensando em ingressar na política e sondou esse assunto aqui e acolá. 

Viu-se preso à necessidade de ter que se filiar a um partido. Aquilo provou-se um problema. Encontrava entranhado, em todos os partidos que estudava, pessoas corruptas e terríveis esquemas fisiológicos de troca de poder. Era impossível encontrar um partido no qual se filiar. Foi quando encontrou-se com alguns políticos dissidentes, teoricamente honestos que abandonavam seus partidos, dizendo-se traídos e enganados quando a imprensa revelava a podridão em que estavam envolvidos. Reunindo a alguns idealistas e outros iniciantes em política, decidiram fundar um novo partido. PES, Partido da Esperança.

Não era fácil fundar um partido, era preciso obter muitas assinaturas. Mas tendo o Homem-Café como garoto propaganda, as assinaturas vieram e vieram rápido. O problema é que não foi só isso que veio. Vendo grande oportunidade na nova legenda, duzias de antigos políticos sujos e burros que haviam perdido a capacidade de se reeleger, começaram a se filiar. Filhos e netos de políticos da pior estirpe, também entraram na onda. As discussões inicias, cheias de idealismo, aos poucos foram trocadas por conversa típica de velha política.

Quem vai ficar com qual cargo?

Os idealistas que estavam engajados no início da formação do partido, tornaram-se minoria, alguns desistiram, outros lutavam, tentando, em vão, impugnar as filiações dos caras mais sujos, e conseguiram sim, evitar quem umas dúzias sujeitos de ficha sujíssima se filiassem. O problema é que sempre haviam os laranjas, pessoas compradas para se filiar, fazer volume entre os membros do partido. Parasitas que não conseguiam viver por esforço próprio e dependiam de conchavos políticos para arranjar emprego. Não só cargos comissionados em alguma repartição ou empresa pública, mas também empregos comuns de recepcionistas, seguranças, técnicos de informática, qualquer um contratado através terceirização suja, cujos nomes iam para listas e eram loteados entre os políticos que estavam no poder. Assim, estes laranjas votavam em candidatos que representavam os sujos. Quando o PES nasceu, a maioria de seus candidatos a vereador, prefeito, governador, infelizmente, eram mais do mesmo. A despeito disso, O Homem-Café não deu para trás e soube identificar entre alguns idealistas, pessoas que julgava realmente honestas e que seriam seus aliados na sua carreira política.

E as eleições vieram mais rápido do que se pensava. A luta pelo poder estava acirrada, o país em crise moral e econômica. O polêmico processo de impeachment do presidente Roseberg foi bem sucedido. Em seguida, veio uma incrível sucessão de eventos que só poderiam ser explicados por teorias conspiratórias. 

A vice, Mikaela Tênia, também foi afastada, o presidente da Câmara, José da Alcunha, morreu engasgado com uma azeitona, o do senado, Ronã Adamas, foi preso por envolvimento no escândalo do Receitão, o do Supremo, Ricardoviski Levado, renunciou ante a ideia de tornar-se presidente. Seguindo seu exemplo, todos os outros também. Temporariamente o deputado mais votado, o comediante, Retadinho, assumiu enquanto novas eleições foram convocadas.

Devido à sua fama, apostaram no Homem-Café como nome para a corrida presidencial. Café pensava em limpar o Brasil de cima para baixo. Isto não seria uma tarefa fácil, nem simples. Ele fez questão de que o PES não fizesse aliança com nenhum partido. Com isto, ele tinha apenas vinte segundos no programa de TV. Muitos acreditavam que isso iria acabar com suas chances. Mas nas redes sociais, Café dispunha de todo tempo para que ele e sua equipe montassem vídeos que eram intensamente compartilhados. 

O slogan de sua campanha era: Homem-Café, o candidato da esperança.

Todos seus vídeos eram feitos com pouco orçamento. Sua mensagem na TV era curta, mas também fazia sucesso. Os especialistas diziam que sem fazer acordos políticos, se eleito, ele não teria condições de governar. Esse era um exemplo do que ele conseguia dizer no seu tempo de TV:

"Eu simbolizo a esperança. Já lutei nas rua. Agora vou lutá em Brasília. Vote ni mim, vamo mudá o Brasil."

As pesquisas do Bibope, Gálope, Dataenvelope, etecetrope, já apontavam o Homem-Café com mais de quarenta e um por cento das intenções de votos mesmo antes dos debates. Em segundo lugar, com 36% vinha o ex-presidente, Polvo Marusco, do PO, Partido dos Operários, em terceiro, com 9%, Laércio Médici, PSDT, Partido da Social Democracia Tupiniquim e por fim, Florinda Sílvia, do PLANET, Network de Pessoas para Salvar o Planeta, com 5% das intenções de voto. 

A disputa seria acirrada. Adiante, veremos como se saiu o Homem-Café.







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