DOCUMENTO 005: LONGE DA SALVAÇÃO ESTÃO OS MEUS RUGIDOS

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Estávamos caminhando sobre o Gagultha, enquanto os soldados romanos começavam a amarrar os condenados ao patíbulo.

         Embora estivéssemos proibidos de descer de nossa base, nossa tecnologia nos permitiu estar conectados ao que se desenrolava lá embaixo. Sobre nossas cabeças pousavam transparentes capacetes com uma minúscula teia conectada à nossa rede neural, e de olhos abertos nossos pés sequer tocavam o chão, flutuando e caminhando sobre aquele monte rochoso que se projetava no interior de nossas Mentes. As imagens que eram repassadas aos nossos cérebros vinham das projeções dos Kohros, que percorriam a colina como se fossem insetos, ora espantados pelos sacerdotes judeus e a população que se acomodava pelas encostas que davam até o pico. Em nossa máquina, nos movíamos dentro das imagens, caminhando no mesmo lugar, indo em direção às projeções que invadiam nossas Mentes.

         Os postes verticais já se encontravam fincados no chão de calcário, enquanto nós percorríamos cada centímetro daquele lugar que seria o último que Yehoshua viria em vida. Os Doze Sumos Sacerdotes da Ordem tiveram o privilégio de adentrar no maquinário de projeção neural, enquanto nossas imagens eram transmitidas às telas de toda base, enquanto nosso centro de operações se deslocava acima da atmosfera de Yuransha. Nenhum registro daqueles últimos momentos poderia ser perdido.

         Uma série de gritos chamou a atenção de todos, enquanto um dos criminosos políticos de Yerushalayim era pregado pelos pulsos ao madeiro. Este, pela dor, não demorou a desmaiar. Seu companheiro, teve mais sorte, pois em meio à histeria, buscando fugir daquele suplício foi golpeado na cabeça pela barra da lança de um dos soldados, antes de ser fixado ao patíbulo. Içados paralelamente, estes deixaram um poste ao centro, escolhidos por zombaria pelos soldados romanos para colocar o Soberano.

         Após quase não chegar ao seu destino, Yehoshua fora violentamente despido de suas vestes, lesando ainda mais as feridas dos açoites. Sem oferecer resistência, diferente dos outros condenados, foi rapidamente preso à grande tora de pinho. Cruzei meus braços, como se tentasse proteger meus sentidos daquele espetáculo de sofrimento que iria atingir seu auge. Sem perder tempo, o martelo desceu sobre férrea cabeça do cravo, rasgando a pele, a carne e os tendões do pulso esquerdo, formando uma lenta, mas considerável poça de sangue, que escorrida pelo madeiro, pingando nas alvas pedras.

Em conversas posteriores com os médicos que acompanhavam os dados obtidos pelos scanners dos Hohros, pude compreender que aquela reação era tão inimaginável quanto a dor, onde o Mestre, ao invés de gritar ou gemer, apenas abriu sua boca, buscando inalar o máximo de ar possível, talvez tentando suportar aquela agonia. Mas aquela tortura foi só o início.

         Ao tentarem pregar o pulso direito, o cravo topou em um nó da madeira, sendo preciso retirar o cravo de dentro do pulso, entretanto, sem causar uma nova tortura daquele grande prego que havia emperrado entre os nervos e os ossos do punho do Soberano. Após abrirem o nó da madeira, os soldados desceram o braço sobre o patíbulo, penetrando o pinho com o novo cravo, sem mais impedimentos. Aquela exaustiva tortura contra a estrutura muscular do pulso de Yehoshua, causou repulsa a todos nós. Enquanto alguns dos Sumos Sacerdotes se afastaram da cena, eu e alguns outros nos colocávamos nas posições dos soldados como verdadeiros fantasmas testemunhando a cena. Enquanto não tiravam os olhos das feridas abertas no patíbulo, eu encarava, assombrado a tamanha serenidade no rosto do Mestre, que, mesmo em face do indescritível sofrimento, ainda mantinha a consciência e não praguejava, ao contrário dos outros dois crucificados que agonizavam na vertical.

         A tora com o corpo de braços abertos foi içada por uma grossa corda que passava pela ranhura do poste vertical. Com fortes rajadas de vento que espalhavam o pó da colina, o Mestre foi erguido com muita dificuldade. E em uma daquelas pausas, uma poderosa voz brotou de seus pulmões.

Os Contos Perdidos de Yuransha: A Hora das TrevasWhere stories live. Discover now