03 │ Transmissão Merecida

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Sentadas numa das mesas do refeitório da empresa, discutíamos sobre o que tínhamos ouvido no noticiário. Aylin foi a primeira a ficar ansiosa pela situação.

— Por que você não está animada? — ela perguntou.

— Só não quero criar expectativas — respondi.

A televisão ainda estava ligada no canal de notícias. Durante a tarde inteira, dezenas de cientistas haviam dado entrevistas para a emissora, e a Purificadora Collick havia recebido infinitas propostas de financiamento que, como esperado, foram recusadas.

— Pode ser que mais pessoas fiquem animadas se a empresa aceitar o financiamento — Aylin disse. — Faz tempo que não recebemos um carregamento desse tamanho.

— O carregamento pode ter o tamanho que for — eu disse —, mas, enquanto a Collick for a única com a autorização do governo, eles não vão repartir o lucro.

— Mas também ganharíamos mais. Não faz sentido.

— É uma questão de poder, Aylin. A Collick quer poder total sobre os carregamentos, e poder vale mais que dinheiro.

Desviei o olhar à televisão e continuei comendo, mas Aylin insistiu:

— O carregamento é grande demais. Não vamos dar conta de purificar tanta coisa.

— Pena que nem todos percebem o problema.

— Então só resta esperar — Aylin disse. — Só a Collick tem a autorização de purificação, e isso aconteceu por algum motivo.

— Você confia no Governo Central? — perguntei.

— Eu, sim. E você?

— Se você confia, eu confio.


♦♦♦♦♦


Seja lá qual foi o aroma que passaram na minha tenda, eu adorei. Nunca perguntei ao pessoal da limpeza, mas eu sabia que era uma mistura de alguma fragrância amadeirada — até lembrava terra molhada — e um leve toque de fruta, provavelmente tangerina. Todo o ambiente fora bem limpo e organizado. Minha mesa estava quase vazia, apenas com um computador e uma luminária de cor quente, um pedido meu. Ainda que as tendas não fossem tão claras, ter uma iluminação de outra cor ajudava a combater o estresse de ver tanto branco lá fora.

Mesmo com o pedido de uma tenda maior, o colchão no canto ainda era pequeno. Estava tudo vazio, já que eu não tinha muito para preencher o espaço; mas isso era bom. Ter um espaço maior já é algo bom demais; dá até para andar enquanto fico pensando. A única coisa que não gostei foi a porta extra paralela à entrada principal. Era inútil para mim, mas devia ser boa para os cientistas, que entravam e saíam direto das tendas.

Na tela do terminal, um círculo azul cintilante girava devagar, esperando que alguém se conectasse à central de dados. Minhas credenciais davam acesso a um dos maiores níveis de informação e até me permitiam editar, diretamente, alguns dados de outros planetas já explorados. Por aquela central, o almirante me passava algumas instruções e pedia, todo dia, um relatório sobre o progresso dos serviços. Era a melhor maneira que ele havia encontrado para nos monitorar.

Infelizmente, dali de baixo, no planeta, o computador só conseguia se conectar à rede da Longevidade, e o sinal ainda não era um dos mais fortes. Nesse tipo de ligação, para ir do solo de um planeta até a distante nave mãe, as transmissões precisam de mais ou menos quarenta segundos, o que acaba inutilizando um pouco as conversas em tempo real.

O QUE CAIU NO ESQUECIMENTOWhere stories live. Discover now