Parte VIII

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Parte VIII

Cereja. Ele sabia! Salizar sabia que eu tinha roubado a poção do amor, colocado na trufa e dado a Wes, e agora queria vingança. Eu havia escolhido um vestido vermelho, sim, mas Salizar poderia ter qualificado aquele tom com muitas outras palavras mais óbvias antes de "cereja".

– Tem certeza de que está bem? – o rapaz que me salvou perguntou, provavelmente notando meu rosto pálido.

– Preciso voltar agora. – Ao me remexer, o barco oscilou.

– Tudo bem, eu posso te deixar em casa – ele disse. Olhei-o com gratidão.

– Você é uma pessoa muito gentil. Pelo menos parece ser. Não sei mais em quem confiar. – Nem homens sob o efeito de poções do amor parecem ser dignos de expectativa, pensei, mas talvez Wes tivesse sim aparecido quando eu estava dentro da água e ido embora ao não me ver...

– Meu nome é Loran, sou marinheiro. Sei que isso não diz nada, mas é toda a garantia que posso te dar. – E sorriu.

Aquilo me fez sorrir um pouco também. Eu queria muito ir tirar satisfação com Salizar naquele exato momento, mas passar mais alguns minutos com Loran parecia uma opção razoável. Eu podia estar tomando mais uma decisão estúpida, no entanto algo me dizia que ele não ia me fazer nada de mal – talvez o fato de ter se incomodado em pular na água para me salvar, quando na verdade eu não estava nem precisando de ajuda.

Ou talvez estivesse. Só porque não precisava respirar não significava que eu não corria riscos lá embaixo. Pensei nos peixes e no coro estranho e senti um frio na espinha.

– Meu nome é Agnes – falei. – Sou apenas uma aldeã órfã.

– Eu sou quase – ele respondeu. – Quero dizer, órfão. Meu pai era bom em magia e decidiu partir para se juntar aos seus iguais. Eu nunca tive nenhum talento para isso e acabei indo embora da cidade também, depois que minha mãe morreu doente.

– Minha mãe também morreu doente – compartilhei aquilo com ele, sentindo uma forte empatia. – Faz apenas alguns dias...

– Oh. – Ele olhou para as próprias mãos, depois para os meus olhos. – Eu sinto muito.

– É duro, mas estou tentando refazer minha vida.

– Para mim foi difícil também. Decidi deixar meu povoado no norte e procurar o litoral sul, onde, ouvi, as pessoas não-mágicas achavam meios melhores de vida.

– Então você é do norte – comentei. – Bem que eu tinha visto que não parecia ser daqui.

– Estou aqui há vários anos já.

E a conversa se desenrolou por horas. Nós dois nos distraímos contando coisas um para o outro, achando coincidências e até rindo das nossas próprias desgraças. Não contei para ele, contudo, sobre meus atos recentes: o roubo e Wes.

No geral foi uma conversa muito agradável e eu gostava mais de Loran a cada palavra dita por ele. Era um rapaz esforçado, divertido e muito decente, do tipo que eu nunca via em Rasminn. Talvez eu devesse ficar mais tempo no mar, como ele sugeriu.

O tempo passou, já era o meio da madrugada e continuávamos navegando nas redondezas do píer. Loran se levantava às vezes, me mostrava o que normalmente fazia num barco e até me ensinou algumas coisas de navegação. As estrelas apareceram, ele deitou do meu lado e olhamos o céu juntos. Apontei as três constelações que sabia e ele me humilhou mostrando dezenas de outras.

Fizemos o jogo das respostas e consegui arrancar dele um monte de informações secretas. Eu era muito boa e ele só conseguiu fazer duas perguntas: qual era meu lugar preferido no mundo e se eu já tinha me apaixonado.

– O Pontal de Rascoll ao amanhecer é o lugar perfeito. E não, nunca me apaixonei. Passei a vida acreditando que sim. Mas acho que não deveria contar quando a gente admira uma pessoa de longe e nunca nem disse oi para ela.

– Eu também adoro o Pontal! – Ele exibiu seu sorriso bonito. – E sobre a paixão sem correspondência, concordo que não é real. É apenas uma ilusão para que a gente não admita a nós mesmos que nunca amamos.

– E porque será que precisamos disso pra nos auto-afirmarmos?

– Acho que não é nem por isso. É porque é a melhor coisa do mundo, e todos querem acreditar poder vivê-la.

– Como você pode saber que é a melhor coisa se nunca viveu?

– Porque se já é bom olhar para você, imagina como seria beijá-la?

E ele tocou o meu rosto lentamente e me beijou. Fui pega desprevenida, embora houvesse um evidente clima romântico desde que começamos a ir mais fundo na conversa.

Era mesmo um sentimento único e maravilhoso. Eu mal o conhecia, como numa paixão sem correspondência, mas era mil vezes mais incrível do que apenas imaginar como seria com uma pessoa que você idealizava. Era ser surpreendida com a beleza de uma paixão totalmente inesperada.

Sob a luz do luar, nos beijamos, abraçamos, rimos e conversamos por mais várias horas. Era como se o tempo não existe, nem as preocupações. Nem Wes.

Continua...

Nota da Autora: Muito obrigada por ler, e não se esqueça de adicionar à sua biblioteca! Se gostou, não deixe de escrever um comentário e apertar a estrelinha no topo para dar suporte à história e sua autora. Sinta-se livre também para divulgar a seus amigos e especular... 

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