Capítulo 96 - Rumo ao Norte

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Beth e Aurelio se levantaram e partiram rumo ao norte usando estradas vicinais para evitar contato com brancos.

- Au, tire as suas roupas de branco que eu te dei para vestir. 

- Mas está muito frio.

- É melhor não chamarmos atenção. Uma branca e um escravo vestido com roupas de branco solto nos ermos não pode dar certo...

- Tudo bem. Eu tiro...

- Fique com as botas e as ceroulas... Vou ter que te prender nas algemas.

- Nem deveria ter me soltado. Sou um escravo. Não sou livre... Não quero me esquecer de quem eu sou.

- Eu não vou te soltar mais, se faz tanta questão de ficar preso, não vou te deixar esquecer.

- Nao faz assim. Não é isso. Aperta mais...

- Tudo para não esquecer e não chamar atenção...

- Sim, Beth.

- Pode me chamar de Senhorita Beth.

- Sim, Sinhá Beth.

- Esse é o mundo que vivemos, Au...

- O seu mundo é assim, não o meu.

- O seu mundo é esse agora. O seu está acabando, corrompido pela força da maldade dos brancos. Importa que fique preso e leve os fardos pesados daqui em diante. Será o nosso disfarce, mas sabemos que na verdade, não faz diferença para você.

- Não são fardos tão pesados assim. Posso aguentar. Aperte mais as faixas... Prenda o trenó. A viagem é longa. Estala o chicote. É assim que vocês fazem...

- Os fardos estão leves para sermos ligeiros. Espero voltar com muito ouro.

- Sim, Sinhá.

- Preciso te contar uma coisa sobre os outros escravos.

- O quê?

- Todos que são levados para as minas de sal são castrados ao chegar. Muitos vão morrer hoje... Você escapou de um destino cruel.

- Pobres garotos.

- Acho que teve sorte, afinal.

- Obrigado. Você me deu sorte.

- Só quero meu ouro.

- Só isso?

- Eu tenho dó de todos vocês. Mas sou só uma garota branca, órfã e preciso viver...

- Então vamos em frente. Estala o chicote e eu obedeço.

Caminhamos sem parar por dois dias até as árvores, mas elas não estavam mais lá... Os brancos puseram fogo em tudo. Queimaram a floresta. O fogo destruiu tudo e matou os animais. Só sobraram as pedras chamuscadas e o lago.

- Vamos Au, não pare. Não chore... Você encontrará outra floresta para se esconder.

- E o meu assentamento?

- Suponho que todos tenham sido levados.

- Eu quero ir até lá.

- Mas não pode. Eu não vou te deixar ir. Além disso, de que adiantaria sofrer? Ver um monte de corpos...

- Mas meus pais?

- Não há nada que possa fazer. Eles matam os velhos...

- Nina? Nina...

- Quem é a Nina?

- Ela foi a minha prometida, filha do xamã. Eu me uniria em casamento com ela.  Mas me emboscaram, levaram e sodomizaram. Pela nossa lei eu não posso mais ter nada com ela. Mas quero saber se escapou, se está viva.

- Duvido. Ninguém escapa dos salteadores. Eles cercam os assentamentos e atacam à noite. Levam tudo, saqueiam, queimam, quem sobrevive, se torna escravo. Se tiver sorte, ela está acorrentada como você. Faça um favor a si mesmo. Não procure a morte, fuja, esquece a vingança, ignore a dor, vá para o nordeste. Encontre abrigo, desapareça e reze para não encontrar outros brancos.

Caminhamos mais três dias pelas cinzas até encontrar a primeira árvore viva. Era um pinheiro... Beth aliviou meus fardos. Bebemos água e nos preparamos para a noite que caía. Descansamos ao lado do fogo...

- Beth. Seus cabelos são de ouro?

- Não...

- Mas tem a mesma cor.

- Pode tocar neles. Você quer?

- Quero! Posso?

- Sim...

- Por que seus olhos são da cor do céu?

- Porque são azuis.

- Quem fez essa cicatriz no teu rosto.

- Foi meu pai.

- Ele fez isso?

- Ele me estuprava todas as noites. Ele fez isso quando eu o matei.

- Seu povo é sanguinário, depois nós somos selvagens.

- Fecha os teus olhos...

- É uma ordem?

- Sim, da sua Dona.

- Pronto... Hum... O que é isso? O que você fez.

- Não abre... Foi só um beijo.

- Beijo? Beijo é bom.

- Muito bom...

- Vocês não beijam?

- Não... Mas provamos... Certos lugares...

- Fecha os olhos...

- Hum... O mundo não é tão ruim... Eu provo o teu gosto e você prova o meu. Faz de novo?

- Sim...

- De novo...

- Hum...

- O mundo ficou melhor. Posso abrir os olhos?

- Pode... Está vendo esse céu?

- Sim. Está escuro...

- Cada estrela é um branco chegando nessas terras... Só vai piorar... Eles vão levar o ouro. As madeiras... A caça... Os peixes... Até às pedras... Tudo... Você precisa ir embora, sumir ou vai parar em uma gaiola ou em uma mina de sal.

- Não vamos falar nisso agora.

- Não... Claro que não.

- Me beija mais uma vez?

- Sim...

- O sol já vai nascer. Está vendo aquela montanha nevada?

- a mais alta?

- O rio corre naquele vale. Estamos perto.

- O rio?

- Sim... O rio das pedras... Fica para aquele lado. Basta subir até a sua nascente. Vai encontrar o ouro que tanto busca.

- Vamos... Vamos desmontar o acampamento. Vou botar os teus fardos. Falta pouco.

- As algemas...

- Não vamos precisar. Não quero que use mais. Além disso, não tem ninguém aqui para disfarçarmos.

- Eu não quero mais disfarçar. Quero ser teu escravo o resto da vida. Se sou teu não preciso mais fugir...

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