Dirty Laundry ✅

By ohlulis

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Nina Houston-Löwe tinha uma grande meta para seu semestre na Oak: se tornar a melhor no seu curso e voltar pa... More

intro
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prólogo
1. there's a new girl in town
2. starboy
3. big three
4. cool kids
5. don't call me angel
6. so much that we could've said, so much that we never said
7. i guess i'm lying cause i wanna
8. i got issues, but you got 'em too
9. momma, I'm so sorry, I'm not sober anymore and daddy, please forgive me
10. make it two and we got a deal
11. i say don't let me go and you say why can't we be friends?
12. guess nothing in life's a mistake cause all wrong turns lead to you
13. it's just medicine
14. your right is wrong... but love never leaves a heart where it found it
15. another love
16. dry your smoke-stung eyes so you can see the light
17. if i knew how to hold you i would
18. i'm so into you i can barely breathe
19. are you scared of what's to come?
21. tell me I've been lied to, cryin' isn't like you pt. 2
22. it's like I'm fighting behind these walls and hiding through metaphors
23. are you going to age without mistakes?
24. don't you dare look out your window, darling, everything's on fire
25. where do we go? tell me my fortune, give me your hope
26. oh you're in my veins and i cannot get you out
27. and now, it's time to leave and turn to dust
epílogo

20. tell me I've been lied to, cryin' isn't like you pt. 1

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By ohlulis

— Certo, você venceu. Me mostre o que você tem aí.

Nina comemorou com um grito fino e palmas assim que Leo concluiu sua frase. O jogador tentou parecer bravo, mas não conseguiu evitar que um sorriso tomasse seus lábios quando percebeu — de canto de olho — a alegria desenhada no rosto de Nina pela sua mais nova conquista.

Nina Houston-Löwe ganhou o direito de sincronizar seu celular com o som do carro de Leo Hawkins. Depois de pouco mais de trinta e sete minutos de estrada, milhares de 'por favor' e biquinhos que ele simplesmente não conseguia resistir — mesmo que sua atenção estivesse toda na direção.

— Você nunca me deixou escolher a música antes — Nina percebeu a novidade, passando os olhos pelas músicas das suas playlists enquanto isso. — Tipo, nunca. E daquela vez que eu te disse que odiava 'All I Want For Christmas is You', você fez questão de colocá-la todo vez que me dava carona. E nem é natal!

Leo deu risada. Era verdade. Também achava a música enjoada — e realmente ainda não era natal —, mas era sua diversão ver Nina entrar no carro e rolar os olhos assim que os primeiros acordes chegavam ao seus ouvidos.

— Era divertido — Leo assumiu, sorrindo sem parar com a lembrança. Desviou o olhar rapidamente mais uma vez para a alemã sentada no banco do carona, procurando sua expressão. — Você só ganhou esse direito porque nos beijamos.

— Então você deixa toda garota que você beija sincronizar com seu som? Aposto que tem uma coletânea aí.

Não escondeu em momento algum que estava com ciúmes. Nem se tentasse muito conseguiria tirar o bico que invadiu seus lábios e fez Leo rir escandalosamente. Ela sabia — e até conhecia — algumas garotas da Oak que Leo Hawkins tinha beijado antes. Claire dizia que ele era mais discreto que Remi — e beijava menos bocas também —, mas isso não dizia muito. Sabia que tinha acontecido em um passado distante, mas agora que tinha descoberto como Leo era muito bom naquilo, invejava todo mundo que havia provado antes dela.

— Na verdade, você é a primeira — Leo respondeu com tranquilidade, voltando toda sua atenção para a pista. Quando Nina levou o olhar até ele, percebeu que Leo sorria. Ele conseguia ficar ainda mais bonito quando parecia concentrado na estrada à sua frente com apenas uma mão no volante. — A primeira que eu levo pra casa também, se você quer saber.

As bochechas da alemã coraram, mas ela não fugiu de Leo quando ele endereçou um olhar rápido em sua direção. Desconfiava disso desde quando contou para Liv e Claire sobre o convite e elas surtaram completamente com a ideia — com direto a áudios imensos que mereceram ser favoritados. Aparentemente, a família de Leo — seu pai — era um assunto sensível para ele e, por isso, evitado a todo custo.

Nina não só já tinha conversado com o jogador sobre isso como também estava a menos de cem quilômetros de distância de conhecer Sean Hawkins, o pai de Leo. Depois de pouco mais de três meses em Silvermount e três dias de ter beijado ele pela primeira vez. Não era uma visita tradicional, mas isso não impedia que ela sentisse seu estômago queimar com a ideia.

— Você disse ao seu pai que eu estou indo também? — questionou, curiosa e Leo assentiu, sem tirar os olhos da estrada. — O que você disse a ele?

'Pai, estou levando uma pessoa comigo' — Leo repetiu as exatas palavras que falou no telefone no dia anterior, dando de ombros. — Ele ficou surpreso. Nunca conheceu nenhum dos meus amigos da faculdade antes.

— Então eu serei 'sua amiga' para ele?

— Você vai ser o que se sentir confortável em ser, Nina — respondeu como se fosse óbvio, apoiando uma das suas mãos na coxa dela. — Se importa, eu não pretendia apresentar você como uma amiga. Mas a palavra final é sua. Se você preferir ser uma amiga, então tudo bem por mim.

— Eu não quero ser uma amiga.

— Então você não é uma amiga — Leo soprou, sentindo o canto dos seus lábios subirem em um sorriso discreto.

Era a primeira vez que ele se envolvia daquele jeito com alguém e era muito bom saber que estava na mesma página que Nina. Conseguia se lembrar de pelo menos três rolos mais sérios que tivera nos anos que estivera em Silvermount, mas nenhuma pessoa além de Nina aparecia em seus pensamentos quando ele pensava em sentimentos mais fortes. Como a vontade de falar o dia inteiro com ela. E a de vê-la a cada segundo do dia. Isso deveria significar alguma coisa.

Todos os outros se pareciam como gotas d'água se comparadas ao oceano que eram seus sentimentos por Nina. Com aquela maldita correnteza que parecia levá-lo cada vez mais para o fundo. Para perto dela.

A alemã desviou o olhar, mexendo-se desconfortavelmente no banco do carona. Era, quase, uma cena típica de filme, com direito a uma trilha sonora bonita. A janela dela abaixada, os braços apoiados na porta, a cabeça em cima deles e os cabelos esvoaçantes por todo lugar pela alta velocidade. Nina mantinha os olhos fechados e, quando resolvia abri-los, se deparava com a bela vista da costa que aquela viagem os privilegiava. Observava a água bater nas pedras com pressa, os poucos turistas que se aventuravam na praia de areia escura, a vegetação que começava a tomar as rochas à medida que o tempo avançava. E, quando desviava seu olhar para o outro lado, tinha a visão de Leo.

Tão despreocupado. Cantando baixinho a música, tamborilando os dedos no volante enquanto os olhos castanhos estavam firmes na estrada. Os cabelos escuros penteados para trás, a blusa branca folgada deixando pouco a vista de Nina e ao mesmo tempo marcando os músculos do seu braço. A alemã sorriu, sozinha, um pouco antes de voltar a olhar para a frente.

— Eu podia fazer isso um milhão de vezes — comentou, fechando os olhos mais uma vez.

— Uma viagem de carro? — Leo questionou, olhando-a de canto de olho. — Você não está totalmente entediada nessa altura?

Ela negou com a cabeça, mantendo o sorriso nos lábios rosados. Estava longe de estar entediada. Bem ao contrário disso, sentia que aquela era a primeira vez que ela sentia paz em muito tempo. Desde o acontecido do ano anterior, especificamente.

Não tinha tomado mais nenhum comprimido azul naquele dia. Não precisou. As milhares de coisas que costumavam estar na sua cabeça — lutando por espaço e atenção — pareciam estar dormentes, longe dali. Seus pensamentos não corriam a mil por hora, nem mesmo tentavam distorcer suas ideias. Ela se sentia tranquila. Como se nada além daquela música bonita e da companhia daquele homem bonito ao seu lado fosse importante. Gostava da maneira que seu coração batia daquela maneira — sem parecer que estava disputando uma corrida, como toda vez que usava o Adderall. Mas, ainda assim, forte o suficiente para ela saber que era culpa da presença inebriante de Leo Hawkins.

— Isso é exatamente o que eu precisava depois... Depois daquele dia.

Aquele dia. Era a única forma que Nina se sentia segura de mencionar a sua última crise, que terminou com um choro nada contido dela nos braços de Leo. Não tinham conversado ainda sobre aquele assunto e sempre que ele tentava chegar até lá, ela começava a falar sobre outra coisa.

— Fico feliz de ouvir isso — Leo murmurou, assentindo sozinho. — Como você está desde lá?

— Bem — Nina foi sincera, engolindo em seco. — Acontece... algumas vezes, Leo. É sempre como se o mundo fosse acabar, mas depois tudo volta ao normal. Até acontecer novamente.

— Quando foi a primeira vez?

Nina apertou os lábios em uma fina linha, engolindo em seco novamente. Era como se, subitamente, sua garganta tivesse ficado seca e um pigarro insistente estivesse parado ali. Odiava falar sobre aquele assunto, odiava se sentir tão vulnerável durantes seus ataques de pânico. As únicas pessoas que ela já tinha conversado sobre isso eram seu pai, sua psicóloga e, agora, Leo. Nem com sua mãe conseguia falar sobre, mesmo quando ela implorava por isso.

— Quando eu tinha dezesseis anos — contou, dando de ombros quando recebeu um olhar de surpresa de Leo. Sabia que ele estava pensando que ela era muito nova quando começou. — Na última semana de provas do ano. Eu estava sobrecarregada e aconteceu no meio de uma sala de aula lotada.

Aquelas lembranças não eram confortáveis de se compartilhar, mas guardar mais de um segredo de Leo era exaustante. Ela contou, mantendo alguns detalhes para si. Não queria se recordar como se sentiu com todos os olhares dos seus companheiros de sala focados nela, assustados. Não queria se lembrar como se parecia — exatamente como dias atrás — que havia alguma mão em seu pescoço impedindo-a de respirar. Foi a primeira e única vez que aconteceu antes do Adderall. Com o uso, a frequência aumentou. Aparentemente, era normal quando se utilizava o medicamento em altas doses. Ou era isso que as letrinhas pequenas da bula diziam.

— Foi a primeira vez em Silvermount? — seguiu com suas perguntas, encarando-a pelo espelho retrovisor. — Tem algum... Gatilho para isso? Desculpe, eu não sei se estou usando os termos certos, eu nunca tinha...

Nina assentiu, impedindo-o de finalizar sua frase. Sabia exatamente o que ele queria dizer. As pessoas tendiam a tratar esses assuntos — assuntos relacionados à saúde mental — com imensa sensibilidade. Até as palavras chaves — depressão, ataque de pânico, ansiedade — algumas vezes eram proferidas como termos incômodos. Mas precisavam falar sobre isso. Não apenas Nina e Leo. Todo mundo deveria falar sobre isso. Aquelas doenças eram tão reais quanto pés quebrados e hematomas espalhados por todo seu corpo.

— A primeira vez aqui, sim. E, depende, eu acho. Acontece quando eu tenho muitas coisas na cabeça.

Não era como se o mal-estar e aquela sensação de estar com a cabeça a mil por hora sumisse quando os compromissos não lutavam por espaço na sua agenda. O sentimento continuou ali quando anunciaram que Nina tinha conseguido a vaga no clube de patinação, quando ela já estava na casa de Leo sendo mimada com as melhores coisas que ele conseguia fazer na cozinha — panquecas e um chá comprado no supermercado. Era como se estivesse adormecido, mas ainda presente nas suas entranhas, pronto para ser acordado quando os pensamentos soassem altos demais.

— Existe alguma coisa que você pode fazer para impedir que isso aconteça? — Leo questionou, voltando a falar antes que ela pudesse puxar o ar para responder. — Algo que eu possa fazer para ajudar?

Nina sorriu. Às vezes achava que Leo era fruto da sua imaginação. Talvez aquele fosse o mínimo, estar com alguém que se preocupasse com você e tentasse te deixar confortável em todas as situações. Seu pai era assim com sua mãe e tinha dito a ela, em mais de uma ocasião, que Nina nunca deveria se contentar com menos. Mas sabia que aquela não era a realidade atual. Ela se assistiu, repetidamente, presa em alguns relacionamentos complicados de volta a Dortmund. O que a fez esconder cada vez mais esqueletos no armário, com medo de que seus erros fossem grandes demais para alguém ficar.

Soltou o ar lentamente dos pulmões, buscando a mão dele com a sua. Leo não parecia estar indo a lugar nenhum.

— Você faz muito, Leo — murmurou, soprando o ar na direção dele, assistindo-o oferecer um sorriso mínimo no canto dos seus lábios. — Mais do que eu achei que fosse possível.

Hawkins levou a mão dela para os lábios, deixando um beijo carinhoso no seu dorso. Tinha um pressentimento, no fundo do seu estômago, que aquele fim de semana mudaria tudo. 

Chegaram em Boston menos de três horas depois de terem saído de Silvermount, perto das duas da tarde. Era uma viagem tranquila com uma vista bonita e uma companhia agradável. Conversaram durante todo o trajeto, brigando por escolhas musicais e contando as cores dos carros que cruzavam seus caminhos. Leo arqueou as sobrancelhas em curiosidade quando as músicas alemãs tomaram seus alto-falantes. Nina dava risada, fazendo o máximo para traduzir os trechos para ele como se estivesse lendo um poema antigo. Leo sorria. Nina acariciava sua coxa enquanto os dois olhavam para frente. Ele desejava poder chegar em casa logo para dar a Nina sua atenção total.

A primeira parada foi no consultório médico grande e luxuoso que ficava no centro de Boston. Espelhos refletiam toda sua entrada e não demorou mais de vinte minutos para que Leo preenchesse as inúmeras fichas que entregaram em sua direção, com uma cópia de documentos que precisavam ser enviados para o seu plano de saúde. Cortesia do trabalho do seu pai.

Foi só quando chegou lá que Leo lembrou o quanto odiava consultórios médicos.

Talvez só não ganhava do seu ódio — e medo — de consultórios odontológicos. Aquele barulho fino, irritante e arrepiante das máquinas por trás das portas fechadas. O medo irracional que tinha quando era pequeno de alguém mexendo em seus dentes tinha o acompanhado até os vinte e dois anos. Foi fácil para seu pai ensiná-lo a escovar os dentes quando pequeno. Era só a menção de pequenos bichinhos e uma promessa de visita ao dentista que Leo já estava lá, escovando sua língua freneticamente.

Balançava a perna sem parar, com os cotovelos apoiados nas suas coxas e as mãos entrelaçadas enquanto estava sentado, esperando seu nome ser chamado. Relaxou no momento que, despretensiosamente, sentiu as unhas de Nina se afundarem nos seus cabelos escuros, fazendo um cafuné que o fez perder a linha do pensamento. Ainda não estava acostumado com os gestos de carinho.

— Você está muito impaciente — falou, evitando a palavra nervoso. Mas era exatamente assim que ele estava, se fosse ser sincera. — Não sofra por antecedência.

— Só quero acabar logo com isso — desconversou, levantando e deixando os ombros caírem. Buscou a mão de Nina, apoiada em cima da sua coxa, entrelaçando seus dedos antes de levar o olhar de volta ao rosto dela. — Obrigado por estar aqui.

Ela sorriu, terna. Não tinha nenhum outro lugar que precisava estar.

— Obrigada por deixar de ser cabeça dura e marcar uma consulta — ela murmurou baixinho, sorrindo sem mostrar os dentes quando o assistiu fazer o mesmo, esquecendo parcialmente onde estava e parando de mexer sua perna por um singelo instante. — Eu me preocupo com você, você sabe disso não é?

Nina fechou os olhos quando ele apoiou uma mão em seu rosto, acariciando sua bochecha com a ponta dos dedos antes de deixar um selinho demorado em seus lábios, causando uma sensação de formigamento que seguiu até o dedo mindinho dela. Leo mal tinha se afastado e ela já sentiu falta do toque, da sensação de ter a boca dele junto da sua. Teve que morder o lábio inferior com força para evitar de falar o quanto queria beijá-lo pelo resto do dia. Do fim-de-semana. Do mês.

— Leo Hawkins — a voz diferente chamando o nome conhecido foi o que fez com que voltasse à realidade, ficando de pé assim que o jogador fez o mesmo. — Consultório 12.

A consulta médica ocorreu como qualquer outra que Nina já frequentou. O médico — um homem de meia idade que carregava o nome de Dr. Andrew Pavish bordado no jaleco branco — perguntou a Leo o que o levou até ali. Leo falou, um pouco receoso sobre os machucados. Nina percebeu que, a todo tempo, ele repetia que 'não deveria ser nada'.

A primeira surpresa veio ainda no interrogatório sintomatológico: quando o médico perguntou desde quando Leo notou as manchas, ele respondeu sem pensar muito antes que desde que era criança. Nina se assustou com a confissão e, pela reação do médico, aquilo era algo importante. Depois, Dr. Pavish perguntou se os pais de Leo tinham manchas como as dele. Hawkins suspirou antes de responder que seu pai não, mas que não podia responder sobre sua mãe. Tomou uma lufada de ar antes de contar que ela tinha falecido ao dar a luz para ele.

Todos esses detalhes pareceram importantes para o Dr. Pavish, que anotou tudo sem parar. Nenhum diagnóstico foi posto na mesa ainda e, depois de quase quarenta minutos de consulta e um exame físico minucioso, Leo seguiu para o laboratório onde fez uma série de exames que ficariam prontos no dia seguinte. Não entendeu metade do que estava escrito na solicitação, mas acreditou quando o médico disse que eles eram necessários para eliminar algumas possibilidades.

Quando eles chegaram em casa, Leo tinha um dos braços por cima dos ombros de Nina e ria de algo que ela tinha comentado. A gargalhada ecoou por toda a casa de apenas dois quartos, chegando até a cozinha, onde Sean Hawkins lia o jornal enquanto esperava o jantar ficar pronto.

O mais velho arqueou as sobrancelhas em surpresa, deixando um sorriso tomar seu rosto. Há tanto tempo não escutava aquele som.

— Estamos em casa, pai! — Leo anunciou assim que entraram no corredor, ainda com o braço nos ombros de Nina.

— Na cozinha! — Sean gritou em resposta, levantando-se e arrumando a blusa de botão que vestia.

A casa era simples. Não só para Nina, que tinha morado a vida inteira em casarões de cinco quartos, piscinas olímpicas e mármore polido. Para qualquer pessoa que entrasse pela porta de madeira e visualizasse o lugar, apesar de ser extremamente arrumado e bem decorado. Cortinas nas janelas da sala, arranjos de flores em jarros de cerâmica. Quadros bonitos na parede, uma parte toda dedicada a inúmeros porta-retratos coloridos.

Quando percebeu que Nina encarava as fotos a distância, Leo a levou em direção ao lugar que chamava sua atenção. Permaneceu em silêncio enquanto a alemã olhava cada fotografia com atenção.

Aquela parte da casa contava uma história. Começava com fotos de Sean e Emma, a mãe de Leo, quando eram jovens. Pareciam muitos novos quando se conheceram, Nina pensou, e sorriu sozinha quando viu uma foto dos dois em um campo de futebol americano. Harvard, quando os dois se conheceram. Depois, muitas fotos de viagens dos dois. Itália, França, Portugal, México... Alguns dos muitos destinos que eles tiveram juntos antes do casamento. Várias fotos desse dia específico também, com Emma em um belíssimo vestido que apesar de branco fugia muito do casual.

Logo depois, fotos de Emma grávida. Emma sorrindo para a câmera — descartável e de qualidade ruim, na época. Emma segurando a barriga com carinho. Emma pintando o quarto que ela imaginou ser de Leo. Então, uma lacuna no tempo. Quando as fotos voltavam, já mostraram um Leo sorridente com seus três ou quatro anos, brincando de bola. Leo com, o que parecia ser, seus avós. Leo com um cachorro que tinha quase seu tamanho. Leo se formando no colegial.

Ela não deixou de observar que, em algumas, Leo tinha os joelhos roxos. Em outras, manchas escuras entre tons de púrpura e verde preenchiam seus braços. Ele realmente não estava brincando quando disse que os hematomas sempre estiveram lá, por toda parte do seu corpo e por toda a sua vida.

— Ele voltou a pendurá-las agora — Leo murmurou baixo para Nina, apertando os lábios em uma fina linha. — Minha mãe que fazia isso antes.

A lacuna fez sentido para Nina. Talvez eles nem guardassem tantas fotos da reviravolta que devem ter sido os primeiros anos de vida de Leo.

— Você se parece muito com ela — Nina comentou, se aproximando ainda mais da foto para enxergar melhor. — Os olhos. São idênticos.

— Ela era linda — Leo sorriu, observando a fotografia. Adorava que seu pai tivesse mantido os porta-retratos. Era basicamente a única lembrança que Leo sempre teria de Emma. — Eu queria ter conhecido ela.

Leo sorriu sozinho e Nina também, tristemente, ao voltar o olhar para ele. Dava para ver que não doía mais. O buraco estava ali — estaria para sempre —, mas talvez por Leo não ter nenhuma lembrança de Emma, aquelas fotos não eram tão incômodas como poderiam ser. Hawkins só sentia saudades. Saudades de alguém que nunca conhecera.

— Estava esperando por vocês — a voz de Sean fez com que os dois olhassem para trás, deixando os porta-retratos pendurados na parede de lado ao caminharem em direção ao homem de meia idade que estava parado na porta da sala. — Como foi a viagem?

— Tranquila, só não chegamos antes porque passamos em outro lugar antes — Leo respondeu, abraçando rapidamente o pai. — Pai, essa é a Nina. Nina, Sean Hawkins.

A alemã se apressou para apertar a mão que Sean estendeu em direção a ela, sorrindo simpaticamente. Sean não tinha muito de Leo. Talvez a cor dos cabelos, as sobrancelhas bem escuras e as entradas precoces que Leo já apresentava. O biotipo, também, se ela tivesse que enumerar as semelhanças. Os olhos, porém, eram bem diferentes. Os de Sean eram azuis, como um oceano límpido que deixava a pupila em evidência. Os castanhos de Leo, ao contrário, quase a escondia.

— Muito prazer, Nina — Sean sorriu de volta. — Fico feliz que Leo tenha trazido alguém.

Os cantos dos lábios dela se levantaram em um sorriso e suas bochechas se tornaram um tom de vermelho. Nina também estava feliz de estar ali. Estava feliz de, entre tantas opções, ser a pessoa que Leo tinha convidado para estar com ele na visita ao médico. Sentia que ele confiava nela. Sentia, cada vez mais, que podia confiar nele de volta.

— Eu achei que vocês chegariam pro almoço e preparei algumas coisas, mas podemos deixar para o jantar — Sean comentou, checando o relógio de pulso. Já se passava das cinco horas e, em breve, Boston escureceria. — Coloco a mesa lá fora, Leo?

— Com certeza — Leo concordou, parecendo se lembrar de algum detalhe importante quando o pai mencionou o quintal. — Nós temos uma área externa enorme. Onde está ele, pai?

— Esperando por você — Sean respondeu, esfregando as mãos no avental antes de observar o filho seguir com Nina para a porta de vidro que dava acesso ao quintal daquela casa pacata de madeira.

Nina estava pronta para perguntar quem era ele quando, sem aviso prévio, um cachorro correu em direção ao pés de Leo. Era um amontoado de pelo, animação e saudade, indeciso entre cheirar o sapato de Hawkins ou pular em suas pernas, pedindo por um carinho que ele não tardou a dar.

— Calma, calma, garotão. Eu também estava com saudade de você! — comentou, se abaixando para acariciá-lo. O cachorro, que não se acalmou com a atenção, logo colocou os olhos curiosos em Nina. — Esse é o Mozart. Meu companheiro. Ele me espera voltar todas as férias.

— Mozart? — Nina questionou, curiosa. Um sorriso pairava nos seus lábios quando ela se abaixou para fazer carinho no pelo do animal também.

— Meu pai quis que eu aprendesse piano quando era pequeno — explicou, dando de ombros. — Tivemos Beethoven antes dele.

A alemã deu risada, anotando esse fato mentalmente. Não sabia que Leo tocava piano, mas subitamente sentiu-se ansiosa para ouvi-lo tocar. Hawkins, apesar de ter tido as primeiras aulas por pura obrigação, tomou muito gosto pela lição de aprender a lidar com aquelas teclas pesadas. Era um hábito que não colocava em prática em Silvermount, mas aproveitava o piano de cauda que outrora tinha sido da sua mãe para tocar sempre que estava de volta a Boston.

— Você vai tocar para mim? — Nina perguntou, assistindo-o assentir.

— É só você me falar o que quer ouvir.

Trocaram um sorriso amistoso antes que Sean se juntasse aos dois, extremamente solícito ao perguntar o que eles queriam beber. Leo aceitou uma cerveja, Nina disse que ficaria bem com uma água. Em algumas horas, o jantar fora posto da mesa da madeira da área externa que — como Leo tinha dito — era enorme. Havia uma grande área verde para Mozart correr e um espaço gourmet que pouco combinava com a simplicidade da parte de dentro. Hawkins explicaria, em algum momento, que aquela parte da casa sempre fora a favorita da sua mãe, então Sean tinha preservado ela como podia. As enormes árvores, que pareciam estar ali há anos, tinham a adoração da sua mãe. O jardim completo, na verdade.

Assistiram o sol ir embora enquanto conversavam, alheios dos ponteiros marcados pelo relógio. Nina se divertia, acariciando Mozart vez ou outra sempre que ele vinha até seus pés e escutava com atenção a conversa dos dois. Em algum momento, ficou frio. Leo correu para pegar um moletom para ele e para Nina, que ficou sozinha com Sean durante esse tempo.

Pelo o que Leo falou, ela esperava que o pai dele fosse mais frio. Bem diferente disso, ele o perguntara sobre a Oak e, ao descobrir que ela viera da Alemanha, contara animado sobre quando ele e Emma foram até lá. Depois perguntou se ela gostava de Silvermount e ouviu atentamente quando ela começou a falar sobre a rotina dos dois. Parecia, indiretamente, que ele queria saber do próprio filho. Rodeando o assunto, buscando tirar dela as informações que não tinha coragem de perguntar. Era uma relação complicada, mas Sean parecia estar se esforçando. Como se, mais que tudo no mundo, quisesse vê-lo bem.

— Obrigada, Leo — agradeceu assim que vestiu o casaco dele, sentindo o cheiro agradável e nato a Leo invadir seu olfato. Era como se ele passasse perfume em toda roupa que voltasse da lavanderia.

Ele sorriu, depositando um beijo no topo dos cabelos dela quando a tela do celular da alemã acendeu em cima da mesa. A foto do seu pai apareceu na tela e Nina pediu licença antes de se afastar pelo gramado, com Mozart seguindo seus calcanhares enquanto ela andava.

Quando ficaram sozinhos, Sean não parava de olhar para Leo. Era como se ele quisesse falar alguma coisa. Como se tivesse, na ponta da língua, algo que precisasse confessar.

— Ela é uma boa garota — Sean comentou, seguindo o olhar de Leo para Nina. O jogador não tirava os olhos dela e deixou o mais velho se perguntando se naquela altura ele já tinha alguma noção do quanto estava enrolado em seus dedos.

O comentário surpreendeu Leo. Era a primeira vez que Sean falava alguma coisa do tipo, a primeira vez que ele parecia se importar com algo que não fosse suas notas e o seu futuro no direito. Sorriu, ao voltar os olhos para o pai.

— Ela é — concordou, tomando mais um gole da sua cerveja. Até seu pai conseguia ver isso, como ele podia não ter se apaixonado por ela? — Eu sinto que é real dessa vez.

Sean concordou, em silêncio. Conhecia bem o sentimento, tinha tido a mesma sensação quando conheceu Emma. No fundo, sempre soube que Leo tinha algo em comum com ele. Dentre todas as coisas no mundo, seus genes tinham resultado a seu filho a mesma forma de amar. Era bonito e trágico ao mesmo tempo.

Não demorou muito depois que Nina desligou a ligação da família para que eles voltassem para dentro de casa, recolhendo os pratos e deixando o lugar em ordem. Sean se despediu dos dois depois de terminar a louça, seguindo para seu quarto no mesmo momento que eles dois entraram no de Leo, que ficava no final do corredor do primeiro andar da casa.

Nina já estava vestida e deitada na cama quando Leo terminou seu banho, quase trinta minutos depois. Ela sorriu assim que Hawkins entrou em cena, vestindo apenas uma calça de moletom gasta e deixando o elástico da cueca de marca apontar pelo tecido.

Enquanto ficou sozinha, observou o quarto dele com mais atenção que mais cedo. Era como se Sean tivesse mantido tudo intacto durante os anos que se passaram: a coleção de bolinhas dentro de frascos de vidro, as miniaturas de aviões expostas nas prateleiras, as fotografias que datavam muitos anos antes. Tudo ali tinha a cara de Leo. Desde esses pequenos detalhes até a colcha que cheirava a amaciante e cobria sua cama. Equipamentos de hóquei no canto do quarto, alguns troféus e medalhas penduradas no canto. Um mapa mundi pendurado em uma das suas paredes, post-its coloridos desgastados presos nele com anotações aleatórias.

Era como se ela estivesse sendo convidada a participar do mundo dele. Do mundo Leo Hawkins, com todos os ônus e bônus que viessem disso. Como se, só de observar aquele espaço, pudesse conhecê-lo. As fotos dos seus times de hóquei pendurados no mural de ímãs. Uma foto dos seus pais em um porta-retrato em cima da escrivaninha. Livros de poesias nas estantes — ela nem sabia até aquela alta que ele gostava de poesia. Uma coleção de CDs antigos empilhados por cor.

Se perguntou se era assim que ele se sentiria quando estivesse no seu quarto também, em Dortmund. Se ele iria gostar, como ela, do que via.

— Desculpe, eu demorei? — Leo quis saber assim que fechou a porta do banheiro, percebendo que a atenção dela estava em todo lugar. Nina negou, sufocando todos seus pensamentos. Aquela pergunta ficaria para outra hora.

Hawkins apagou a luz antes de se deitar, se enfiando embaixo dos cobertores bem ao lado de Nina. Ela aproveitou a proximidade para se aconchegar ainda mais a ele, deitando a cabeça em seu ombro e passando uma mão pelo seu tórax desnudo.

Era a primeira vez dos dois assim, tão próximos com tão pouca roupa. Mesmo assim, estavam tão confortáveis com a presença um do outro que era como se estivessem, desde cedo, ansiando por esse momento. O silêncio. O escuro. A respiração calma de Leo contra os cabelos de Nina. A mão dela posicionada bem onde o coração dele se chocava com sua parede torácica.

— Você tem estrelas brilhantes no seu teto — ela comentou baixinho, com os olhos abertos vidrados nas estrelas que emitiam uma luz verde no escuro. Leo sorriu, olhando para cima.

— Eu tinha medo de escuro quando era pequeno.

— Eu não posso acreditar nisso — Nina reprimiu uma risada com as mãos, mordendo o lábio inferior para evitar um sorriso maior. — O todo poderoso Leo Hawkins, grande estrela dos lobos da Oak, tem medo de escuro.

Tinha, Houston! — ele a corrigiu com impaciência, mas um sorriso pairava nos seus lábios também. — Eu não deveria ter te dito isso.

— Eu adivinharia de qualquer forma, Hawkins! Você tem estrelas neon no seu teto!

Leo realmente tinha estrelas que brilhavam no escuro no teto do seu quarto. Não só estrelas, mas planetas também que tornavam tudo mais divertido de se observar de baixo.

Eram praticamente tudo o que podiam enxergar no breu da noite em Boston. Todas as luzes da casa estavam apagadas, Sean tinha ido dormir muito antes. Nina e Leo — em seus respectivos pijamas — continuavam deitados de barriga para cima, observando aqueles objetos infantis que continuavam ali, iluminados precariamente pela luz da lua que escapava da janela meio aberta.

O silêncio sobressaiu por um tempo. Ombro colado com ombro, eles mal aproveitavam o espaço da cama de cama. Queriam ficar juntos, o mais próximo que era possível.

— Você está nervoso com os exames? — Nina perguntou após um tempo quieta. Precisariam conversar sobre isso alguma hora.

— Um pouco — Leo assumiu, colocando uma das mãos atrás da cabeça, sem desviar o olhar do teto. — Um pouco nervoso, com um pouco de medo.

— Eu gostaria de poder dizer que tudo vai ficar bem...

— Eu gostaria de saber isso também — Leo concordou, deixando que um sorriso atravessasse seus lábios. Não queria pensar nisso. Queria jogar a ansiedade e a antecipação para baixo da cama, só por aquela noite. Queria aproveitar a companhia de Nina, o bom humor do seu pai e as novidades boas da semana, mas algumas coisas não sumiam da sua cabeça. — Ei, Nina, você me disse na quarta-feira que havia algumas coisas não bonitas em sua vida, mas eu gosto de ouvir você falar sobre elas, sabe? Como aquela noite na minha casa ou hoje mais cedo.

Nina se apoiou em apenas um braço para que pudesse encarar os olhos de Leo. Era curioso como, mesmo no quase breu total do quarto, ela ainda conseguisse ver aquela imensidão cor de uísque brilhar.

— Torna você mais real. Mais carne e osso — ele brincou, descendo uma das mãos para apertar a cintura dela por baixo da camiseta larga. Esbarrou na ponta da sua crista ilíaca e o fez se questionar em silêncio se Nina sempre fora magra assim. Esqueceu do pensamento, porém, assim que ela tocou seu rosto carinhosamente com a ponta dos dedos, tateando os sinais que ali estavam espalhados.

Leo fechou os olhos no momento em que Nina depositou um beijo carinhoso e delicado no seu queixo. O contato colocou seu corpo em chamas, mas ele se esforçou para manter a postura quando ela começou a distribuir uma trilha de beijos por todo lugar que estava em seu alcance. Desenhou a mandíbula dele com os beijos, seguindo para sua testa e terminando, com um sorriso, na ponta do seu nariz. Quando Leo abriu os olhos castanhos, com as mãos ainda agarrando a cintura dela como se estivesse preso a um bote salva-vidas, ele teve a visão mais real de Nina desde que tinha a conhecido.

Seus lábios, rosados, estavam entreabertos. Os olhos claros, cristalinos, como se ele pudesse ver tudo que estava por trás de todas as máscaras, aparências e altas paredes que ela erguia ao redor de si mesma. Tinha o semblante relaxado, como se tivesse mais certa do que nunca de que não deveria estar em nenhum outro lugar.

Quando Nina sorriu em sua direção — um segundo antes de se aproximar dele e juntar seus lábios —, Leo soube. Soube que estava completamente rendido por ela. Não havia outro momento da sua vida que se sentiu tão feliz na companhia de alguém. Não havia outra pessoa que causava aquela combustão nele como Nina. Instintivamente, soube, que nunca mais seria o mesmo depois de conhecê-la.

Embolaram-se nas próprias roupas. Ela, com dedos ágeis para retirar a calça de moletom dele. Ele, um pouco mais trêmulo, mas certo do que fazia quando jogou a blusa larga dela para longe. Leo beijou cada centímetro do corpo dela e deixou suas digitais em cada ponto sensível dela. Nina se obrigou a manter os olhos abertos, fixos no dele, para que pudesse ver a expressão em seu rosto quando os dois chegassem ao ápice antes de sorrirem juntos e se beijarem mais uma vez, exaustos.

Quando ela se aninhou novamente ao corpo dele, suada e cansada dessa vez, caiu em um sono pesado, com não fazia em algum tempo. Ninada pela respiração agitada de Leo, observando as estrelas que brilhavam no teto, arrepiando toda vez que ele passava os dedos pelos seus fios de cabelo e proferia seu nome baixinho, como se precisasse disso para ter certeza que ela estava ali.

A última coisa que Nina pensou — antes de cair no sono, com um singelo sorriso no rosto — era que se aquilo tivesse sido um sonho, não queria acordar. 

Demorou para Nina Houston-Löwe perceber que já era de manhã.

As cortinas foram esquecidas abertas, mas suas pálpebras pareciam muito pesadas para que ela pudesse abri-las. Se mexeu na cama, sentindo um calor preencher todo seu corpo ao perceber que ainda continuava presa nos braços de Leo.

— Bom dia, dorminhoca.

A voz dele foi o que fez com que a alemã abrisse os olhos, encontrando seu rosto a uma mínima distância do dela. Leo sorriu, deixando um beijo demorado no topo dos seus cabelos loiros, espalhados por toda parte.

O jogador tinha acordado algum tempo antes, quando seu celular não parou de vibrar esquecido na sua mesa de cabeceira. Fez o máximo para não acordar Nina e suspirou aliviado quando, após desligar a ligação, ela ainda parecia estar em um sono profundo ininterrupto. Passou o resto do tempo variando a atenção entre o sono tranquilo dela e as estrelas presas no teto, revirando as memórias da noite passada na sua cabeça.

— Você acordou faz tempo? — Nina perguntou, fechando novamente os olhos ao se aconchegar ainda mais ao corpo de Leo, sem absolutamente nada entre os dois. — Não podemos ficar aqui pelo resto do dia?

— Esse seria meu desejo — respondeu, desenhando círculos invisíveis na cintura desnuda dela. Suspirou, mantendo seu tom de voz baixo, sem querer fazer alarde. — Mas a secretária do consultório me ligou mais cedo. O Dr. Pavish pediu que eu voltasse lá.

Nina abriu os olhos, levantando sua cabeça para que pudesse encará-lo. Tentou não pensar no pior, mas a urgência da consulta fez seu coração acelerar. Não pareciam ser boas notícias. Ela sentia isso.

— Ela disse mais alguma coisa?

— Só isso — Leo respondeu, desviando o olhar para o teto. Estava tão preocupado quanto ela. — Eu só quero que isso acabe de uma vez.

— Vai acabar — prometeu, oferecendo um sorriso de consolação mesmo que suas sobrancelhas continuassem juntas, em posição de receio. Queria poder dizer que tudo ficaria bem e desmanchar com os dedos as rugas que se formavam na testa dele. — Eu estarei lá com você.

Seguiram diretamente para o consultório médico do dia anterior assim que terminaram de engolir o café da manhã reforçado. Leo podia dizer que estava muito feliz naquela manhã, apesar do receio crescente no seu coração. Era no mínimo interessante ver o quanto seu pai — sempre tão calado — procurava assunto para conversar com Nina e o perguntava, mais de uma vez, sobre as coisas em Silvermount. Não se recordava de ter acordado tão bem outro dia como acordara naquela manhã, na companhia de Nina.

Ficaria mal acostumado daquela forma. Nenhuma cama seria a mesma sem ela. Nenhuma noite seria boa se não terminasse daquela forma.

— Seus exames acabaram de chegar — o médico o cumprimentou com um aperto de mãos, repetindo o mesmo com Nina antes que todos se sentassem. — Preferi encaixar sua consulta no primeiro horário da manhã.

Aquelas não pareciam palavras de quem tinha recebido resultados dentro da normalidade, Leo pensou. Nina parecia achar o mesmo, já que buscou sua mão e a apertou bem forte entre seus dedos para dizer — em todas as linguagens possíveis — que estava ali por ele.

— Obrigado, doutor — agradeceu, engolindo em seco. — Isso quer dizer que o senhor tem um diagnóstico?

Um momento de silêncio e tensão se estabeleceram antes do Dr. Pravish assentir. Sério e preocupado, como a linha que marcava a sua testa mostrava.

— Eu tinha algumas suspeitas, Leo. Mas eram sinais e sintomas muito gerais, precisei pedir exames específicos para minhas suspeitas mais altas — começou, colocando uma pilha de papéis na frente dos dois. Os resultados dos exames, grifados em vermelho para mostrar que alguns deles estavam longe dos valores de referência. — Descartamos lúpus, neoplasias e não encontrei nenhuma alteração no seus exames da série branca. Isso é bom, deixamos algumas doenças sérias para trás.

Nina engoliu em seco, sentindo-se parcialmente aliviada. Só o nome daquelas doenças já a arrepiaram. Mas sabia que havia um 'mas...' implícito na fala do médico. Um mas que não parecia ser nada agradável.

— O que você tem, Leo, é uma doença chamada hemofilia — o médico começou, mas o nome não era conhecido para Hawkins ou para Nina. — O que significa que seu corpo não produz fatores de coagulação como um corpo normal e, por isso, ele não se recupera da forma que deveria. Qualquer pequeno trauma pode gerar um sangramento e é isso que explica todos seus hematomas. Os problemas que você tem após os jogos muito provavelmente são hemorragias musculares ou sangramentos intra-articulares. É uma doença genética, ligada ao cromossomo X.

Dr. Pravish ficou em silêncio, mas não esperava que Leo entendesse o que ele queria dizer. As aulas de biologia certamente eram a única coisa que não estava passando pela cabeça em Hawkins enquanto ele lidava com aquele diagnóstico.

— Você ter, significa que sua mãe te passou esse gene. Você não mencionou antes então eu suponho que você não saiba, mas ela ou era hemofílica ou era apenas portadora do gene — explicou, encarando Leo por trás dos óculos de grau que estavam pendurados no seu nariz. — Seu caso é moderado a grave da Hemofilia A e os exames detectaram que você tem menos de 6% do valor normal do fator VIII de coagulação no seu corpo. Eu sei que são muitos nomes novos, mas eu preciso te passar a situação completa.

A menção de Emma fez as sobrancelhas de Leo se arquearem. Se esforçou para prestar atenção nas outras informações que se seguiram, mas aquela primeira ainda ressoava na sua cabeça em um loop eterno.

Então não tinha sido só os olhos escuros que ele tinha herdado da mãe.

— É grave? — Nina se apressou ao perceber que Leo continuaria calado, encarando o médico a sua frente com seus dois olhos bem abertos.

— Leo pode ter uma vida completamente normal, nós só precisamos fazer a reposição desses fatores periodicamente ou após algum trauma — o médico explicou, fazendo Nina soltar o ar que nem sabia que estava prendendo. — Só... Existem algumas coisas que precisamos discutir.

Os olhos de Leo, que pareciam completamente opacos enquanto ele aparentava estar bem longe dali, se focaram no médico novamente, esperando o que estava por vir. Ele tinha um pressentimento, no fundo do seu coração, que o que viria a seguir acabaria com ele.

— Você mencionou que pratica hóquei e esse é um esporte de contato. Uma pancada normal para qualquer outra pessoa pode ser fatal para você, Leo — Dr. Pravish falou, apertando os lábios em uma fina linha antes de continuar. — É realmente impressionante que nada sério tenha acontecido até agora, mas você precisa evitar isso a qualquer custo.

— O senhor quer dizer que... — deixou as palavras morrerem, assim como sua voz.

— Quero dizer que desaconselho que você volte para o gelo, Leo. Hematomas musculares, hemorragias intracranianas... Você pode não aguentar chegar até um hospital se isso acontecer.

A fala do médico fez o coração de Nina se apertar como se tivesse sido espremido para caber em uma caixinha de fósforos. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela evitou — a todo custo — piscar. Não parava de pensar no que podia ter acontecido com Leo. Não parava de pensar no que poderia acontecer com Leo.

Hawkins continuava parado, sem reação. Parecia uma reação ilógica, se observada de longe, mas ele estava em choque. Apático, assentindo a medida que o médico continuava a explicar sobre aquela doença de nome incomum que ele tinha. Aquela doença que Emma tinha.

— Foi por isso que... que minha mãe faleceu? — Leo questionou, os olhos completamente marejados. O médico parou na metade de uma frase, suspirando antes de oferecer um sorriso consolador para ele. — Quando eu nasci?

— Não posso falar com certeza Leo, inúmeras são as possibilidades no pós parto — o doutor respondeu, terno. — Mas se você quer saber se é possível que a hemofilia tenha algum papel nisso, então sim. Mulheres hemofílicas tem maior chance em desenvolver sangramentos uterinos e coagulação intravascular disseminada o que além de grave pode resultar em...

Não escutava mais nada. As palavras médicas não faziam sentido para Leo. Só conseguia pensar em sua mãe. Ela sabia? Seu pai sabia? Eles sabiam que aquela gravidez era de risco? Eles tinham resolvido seguir em frente mesmo assim?

Depois disso, agiu completamente no automático. Agradeceu o médico, pegou todas as guias de requisição que tinham sido entregues na sua mão e assentiu quando ele pediu uma visita na próxima vez que estivesse na cidade. Recomendou um outro médico para acompanhá-lo em Silvermount, o desejou sorte e apertou a mão dos dois antes que eles deixassem o consultório.

Leo não proferiu uma palavra até eles saírem do prédio. Nina o seguia em silêncio esforçando-se para acompanhá-lo. Sua mente trabalhava sem parar, sem saber o que fazer. Era o sonho da vida de Leo ali. O que ele queria fazer — e fazia tão bem — desde que era pequeno.

Mas também era sua vida em jogo. Sua saúde. Ele não poderia voltar ao gelo sabendo que era como brincar de roleta russa. Um movimento errado, uma jogada mais violenta e ele poderia não estar no jogo seguinte. Ele poderia não acordar no dia seguinte.

— Leo — tentou chamá-lo, mas ele continuava a pisar fundo para longe dela, alheio ao som da sua voz. Conhecia aquele comportamento. Aquela armadura pesada, aquela bomba relógio ativada. Seu pai era igual quando via um sonho escorrer das suas mãos. Ela própria era assim. — Leo, por favor.

Nina segurou seu pulso no meio do estacionamento lotado, impedindo-o de continuar andando. Leo parou, contra sua vontade, mas demorou um tempo até que finalmente ficasse de frente a alemã, permitindo-a que visse seus olhos marejados.

Não queria chorar. Não na frente dela, não na frente de qualquer outra pessoa. Tinha tanta coisa naquele momento rodeando sua mente que só queria que tudo desaparecesse e só restasse o silêncio. O que ele faria pelo resto da sua vida? O que ele faria ao voltar para Silvermount?

Sua mãe. O que realmente tinha acontecido com sua mãe? Se ele tinha herdado aquele gene de Emma, Sean deveria saber. Por que ele tinha escondido? Era por isso que ele não queria que ele estivesse no gelo?

Eram muitas perguntas, muito barulho. Leo queria o silêncio de volta, queria a paz com que dormiu no dia seguinte e que acordara, com Nina em seus braços. Queria voltar para aquele momento, voltar para quando a maré estava baixa e ele não se sentia à deriva. Voltar para quando ele alcançava o chão — a areia — do mar que era a sua vida. Não agora, quando ele só parecia estar sendo jogado de um lado para o outro, sem ter onde se apoiar.

Quando Nina o abraçou pelo pescoço, segurando-o como se ele pudesse escapar pelos seus braços, ele reparou que estava chorando.

Não falou uma palavra, apenas a abraçou de volta com toda a força que tinha quando ela passou os braços pelo seu ombros. E, na sequência, chorou como fez quando tinha quatro anos ralou o joelho em uma brincadeira com os amigos. Chorou como quando tinha doze anos e alguns alunos maldosos o perguntaram repetidas vezes sobre onde estava sua mãe. Chorou como quando tinha quinze anos e seu primeiro cachorro — e companheiro —, um border collie que tinha quase sua altura, não levantou da sua cama no meio de um dia de verão. Lembrava-se, inconscientemente, de todas as vezes que tinha chorado daquela maneira. Com soluços, lágrimas sem controle e a ponta do nariz vermelha como ficava quando estava frio.

Sempre estava sozinho, trancado em seu quarto com o rosto afundado no travesseiro para que seu pai não escutasse, do andar inferior. Desejando, em todos aqueles momentos, que tivesse alguém ao seu lado para dizer que tudo ficaria bem. Desejando que sua mãe passasse as mãos pelos seus cabelos escuros e deixasse um beijo no seu joelho machucado com a promessa de que a dor passaria. Ou que Sean aparecesse na sua porta e falasse que ele entendia que ninguém nunca seria como Beethoven, mas que eles poderiam ter um novo cachorro. Alguém que o dissesse que tudo ficaria bem.

Daquela vez, tinha Nina. Ela chorava, assim como ele, mas suas lágrimas caiam em silêncio enquanto ela o abraçava forte pelo pescoço, garantindo que ele ainda estava em seus braços. Murmurando inúmeras palavras de carinho que ele não conseguia assimilar, mas que invadiam seu subconsciente sem pedir permissão.

Não podia prometê-lo que tudo ficaria bem.

Mas, mesmo assim, não parava de repetir palavras que, para Leo, faziam toda a diferença. Uma lembrança física e vocal de que daquela vez era diferente. Daquela vez, ele não estava sozinho, nem precisava esconder as lágrimas em um travesseiro.

— Eu estou aqui, Leo. Eu estou aqui com você.

Antes que vocês queiram me matar: esse sempre foi o plot de Dirty Laundry. Na verdade, a ideia meio que surgiu quando eu estava pagando Hematologia, estudei hemofilia e fiquei obcecada em saber mais dessa doença. Li diversos artigos, reportagens e um tanto de coisa e pensei 'eu quero escrever sobre um jogador de hóquei que descubra que tenha essa doença'. Depois, nas minhas pesquisas, até encontrei um jogador real que descobriu que tinha essa doença na universidade, um pouco antes de se profissionalizar. Essas últimas cenas foram de partir o coração (eu escrevi muito muito muito emocionada), mas minhas histórias sempre relatam um pequeno pedaço da vida. E as vezes a vida acontece assim, tirando a gente do eixo e obrigando a gente a rever tudo o que acreditávamos. 
(p.s: espero que a explicação da doença tenha ficado clara! mas não se preocupem, eu espero trazer um pouco mais de detalhes no próximo capítulo!!!)
Apesar da situação, espero que vocês tenham gostado desse capítulo. Foi bem difícil escrever ele e acho que temos várias coisas importantes: a menção a saúde mental da Nina, o avanço do relacionamento dos dois, a descoberta do Leo...
Espero conseguir postar o outro mais rápido! Estou devendo também responder os comentários (vou fazer isso esse final de semana) mas quero que vocês saibam que eles são MUITO importantes pra mim e eu leio cada um deles. Estava com a tendinite atacada esses últimos dias ai não conseguia ficar no computador por muito tempo :(
Obrigada pelo apoio. Obrigada por chegarem até aqui. Obrigada por embarcarem em mais uma aventura com minhas histórias.
Sou muito grata a todo o carinho que Dirty Laundry, Leo e Nina estão recebendo ❤ Vocês fazem tuuuudo!
Até a próxima!
(twitter: ohlulis | instagram: lulisescreve)

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