Um Beijo Sob O Visco - Contos...

By Isatin06

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Hey, amor, os sábios seguiram uma estrela Do jeito que eu segui o meu coração E isso me levou a um milagre Vo... More

Pretty Paper - Parte I
Noite Feliz
All I Want For Christmas Is You

Pretty Paper - Parte II

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By Isatin06

20 de dezembro de 2020 – Rafaella

Da janela do Uber eu conseguia ver os primeiros raios da manhã. Quase todas as casas ainda estavam com as luzes de Natal ligadas e eu sorria ao pensar o quão mágica era a minha época favorita do ano. O caminho que fiz da minha casa até o aeroporto foi um dos primeiros momentos mais tranquilos que tive durante a semana.

Desde que decidi ir na viagem com Bia tive que correr para deixar tudo relacionado ao trabalho pronto, já que os próximos quatro dias seriam de folga. Além disso, minha mente estava consumida pelo fato de que meu nome estava relacionado com o dela em praticamente todos os sites de notícia.

Bianca Andrade e Rafa Kalimann vencem premiação e ganham viagem para resort de luxo.

A primeira vez que li esse título, na manhã após a premiação, repensei se o melhor a se fazer era mesmo ir nessa viagem. Minha grande preocupação era com o que as pessoas poderiam pensar. Por um lado, eu sabia que isso seria uma boa deixa para desconstruir a imagem de rivalidade feminina que me associaram com Bia desde o BBB e deixaria parte do meu público feliz. No entanto, haveriam aqueles, talvez a maioria, que insistiriam em pensar que ainda seríamos incompatíveis, associando a viagem e toda a nossa relação como uma jogada de marketing.

Me prendi a esse pensamento por horas daquele dia, até se tornar insuportável e eu precisar desabafar com alguém. Achei que Manu era a melhor opção. Depois de falar sobre as minhas incertezas percebi que ela tinha razão ao dizer:

"Rafa se você for ficar pensando em tudo o que a mídia e o público vão falar, você não vai conseguir fazer mais nada. Tem que fazer o que você sente no coração e se tem vontade de ir e se acertar com a Bia, vai e foda-se o resto. Além disso, você seria muito burra de jogar fora uma viagem com tudo pago para um retiro espiritual de luxo."

Bom, talvez ela não fosse a melhor opção. Mas o fato é que estava certa, eu não poderia perder essa oportunidade.

Eram por volta de 6:30 quando cheguei ao aeroporto. O voo estava programado para daqui a duas horas. Eu tinha combinado de me encontrar com a Bia no café, mas ela ainda não estava lá.

Ok, não tem problema esperar um pouco.

Mas o problema é que mais de uma hora havia se passado e agora faltavam só quinze minutos para o embarque e ela ainda não tinha chegado. Droga aposto que ela desistiu e eu estou aqui fazendo papel de trouxa. Sabia que não devia ter vindo. Por que eu fui escutar a Maria Manoela?

Fui tirada dos meus pensamentos quando olhei para o lado e percebi uma movimentação incomum, me assustei ao notar que era Bia correndo em minha direção e tropeçando nas suas próprias malas.

Para impedir sua queda desastrosa ela se apoiou na mesa em que eu estava e sorriu divertida dizendo:

– Pronto, cheguei.

– Bia, faltam 15 minutos para o embarque! Vamos logo – falo já me levantando.

– Ai Rafa, na moral, me desculpa. É que eu estava quase chegando aqui, mas notei que tinha esquecido minha carteira com meus documentos e tudo em casa, tive que voltar – ela parecia se desesperar ao tentar se justificar, mas eu estava mais preocupada em chegar a tempo no portão de embarque, que ficava praticamente do outro lado do aeroporto. Por isso, eu dava passos largos e apressados, que faziam os dela parecerem curtos demais, a obrigando a praticamente correr atrás de mim.

– Tá tudo bem Bia, só se apressa ou nós vamos perder o avião.

Após muita correria para conseguirmos despachar as malas dela, embarcamos faltando poucos minutos para o portão fechar. Logo nos acomodamos em nossos assentos na classe executiva e o piloto começou a explicar as orientações de segurança. Em menos de cinco minutos nós já estávamos sobrevoando São Paulo.

Tudo seria tranquilo se não fosse pelo simples fato de que quase na chegada ao nosso destino outro aviso do piloto foi dado, dessa vez sobre uma turbulência. Olhei para Bia e percebi que ela ficou tensa.

Quando sentimos os primeiros movimentos bruscos da turbulência vi que ela fechou os olhos com força se agarrando aos braços da poltrona. Hesitei do meu primeiro pensamento, mas após 20 segundos de coragem adquirida decidi segurar a mão dela para passar um pouco de conforto. Ela, percebendo meu toque, abriu os olhos e encarou a minha mão sob a dela. Depois subiu o olhar e se encontrou com o meu, deu um sorriso doce de agradecimento e entrelaçou nossos dedos.

Mesmo depois da turbulência ter passado eu não soltei a sua mão até fim do voo.

Desembarcamos no aeroporto de Recife e gastamos mais quarenta minutos de carro até Porto de Galinhas, o nosso destino final. Parte do caminho até o resort nos concentramos em uma conversa com a simpática mulher que dirigia o Uber, mas, depois de um tempo, houve silêncio e eu acabei me distraindo com a paisagem tropical. Fui tirada do meu devaneio quando Bia começou a falar aleatoriamente, demonstrando empolgação na voz:

– Você sabia que Pernambuco foi um dos primeiros lugares ocupados pelos portugueses?

– Não sabia – respondi um pouco confusa pela fala repentina dela, mas tentando disfarçar um sorriso porque a animação dela me contagiou um pouco.

– E antes se chamava Porto Rico, por que era um dos locais de grande extração de Pau Brasil e exportação de açúcar. Só que mudaram o nome porque muitos escravos desembarcavam aqui de forma clandestina, vinham escondidos em engradados de galinhas d'angola. Usavam a senha "tem galinha nova no porto" e por isso mudou o nome para Porto de Galinhas - terminou expressando um pouco de lamentação. Eu mal conseguia acompanhar por ela falar tão rápido e tão entusiasmada. Mas eu achava fofo o fato de que ela provavelmente tinha pesquisado tudo aquilo para saber de forma tão decorada.

– Que horror – foi tudo o que eu soube comentar.

– Pois é – ela concordou depois deu um leve sorriso, parecendo estar orgulhosa de si mesma. – Eu vi umas praias maneira pra gente fazer uns passeios – continuou animada.

Sorri genuinamente para ela. Bia era como uma criança empolgada olhando tudo e comentando cada coisa diferente que passava pelo caminho. Essa essência dela era muito leve e uma das coisas que eu mais admirava nela. Acho que ia ser bom conhecer um pouco mais disso.

Em questão de mais alguns minutos chegamos ao resort e nos dirigimos até a recepção para fazer nosso check-in. A atendente foi muito atenciosa e nos entregou as chaves para o nosso quarto. Depois disso, um funcionário nos acompanhou, ajudando a carregar as malas até o quarto, no andar acima daquele.

A vista do lugar era linda e o resort estava todo decorado com enfeites de natal, transmitia paz e eu sentia que finalmente eu poderia descansar.

O funcionário que nos acompanhava fez a gentileza de abrir a porta do nosso quarto para entrarmos com as malas. No entanto, parei assim que percebi algo que não condizia com o que eu imaginava: só havia uma cama de casal na suíte. Acontece que eu e a Bia não somos um casal.

– Moço! – Chamei o homem que já estava quase se retirando do aposento. – Acho que este é o quarto errado, não deveria ser uma suíte para casal - expliquei

– Perdão, mas as chaves e o número do aposento estão corretos. As senhoritas querem ir até a recepção novamente? Posso acompanhá-las – ele disse gentil e formal.

– Tudo bem, Bia você vem? – Perguntei para ela que estava quieta apenas observando a minha conversa com o rapaz.

– Sim, vamos.

Fizemos o mesmo caminho de volta até a recepção para falar com a mulher que nos atendeu na chegada. O funcionário que nos acompanhava explicou toda a situação pacientemente, mas ainda assim eu estava aflita, por isso pensei em dizer com minhas próprias palavras.

– Acho que teve algum erro .. – comecei, mas fui interrompida pela recepcionista.

– Senhorita, a reserva está correta. Uma suíte de casal com vista para o mar – completou nos mostrando a tela de seu computador.

– Mas não tem outro quarto disponível? – Continuei o questionamento e depois, discretamente, olhei Bia quieta demais. Não tive espaço para raciocinar o que aquilo significava porque estava focada demais na mulher a minha frente.

– Infelizmente não, sinto muito. Estamos lotados por conta das festas de fim de ano. Talvez se tivermos alguma desistência...

Sem ver uma alternativa, respirei fundo e cedi.

– Tudo bem, muito obrigada - peguei novamente a chave as malas. – Vem, Bia.

No caminho de volta para o mesmo quarto de minutos atrás, notei algumas coisas. A primeira era que aquele funcionário já parecia impaciente de transitar conosco pra lá e pra cá. A segunda é que Bianca estava calada demais, parecia com medo de abrir a boca para dizer qualquer coisa, ou talvez, ela apenas estava desconfortável, sentindo a mesma terceira coisa que eu notei: como se não bastasse tudo estar tão embaraçoso desde o dia em que fomos indicadas naquela bendita premiação, dividir a mesma cama não ajudava em nada. Respirei fundo.

Tudo bem, acho que posso sobreviver a isso.

– Ao menos é uma cama grande – comentei em voz alta e depois voltei a notar Bia extremamente calada, parecendo perdida sobre o que fazer ou falar. – Tá tudo bem com você?

– Rafa, olha eu não me importo de deitar no chão – ela falava parecendo estar em uma tentativa desesperada de me convencer de algo, enquanto caminhava até o tapete para se deitar sob ele. – É macio e felpudo. Se eu colocar umas cobertas aqui vai parecer uma cama de verdade.

– O que?! – Meu tom de voz sai mais alto do que eu desejava, mas logo me recomponho. – Bia, tá doida? É claro que não! Tem bastante espaço pra gente.

– É sério, Rafa, eu tô de boa. Aqui é confortável – já deitada, coloca os braços atrás da cabeça como uma tentativa de provar o que dizia. Depois ergue o copo, se apoiando pelo cotovelo, para olhar para mim ao invés de para o teto. – Tudo o que eu menos quero é te deixar desconfortável. Então eu vou ficar aqui – afirmou.

– Ok... – eu respondi convicta da minha próxima atitude. Caminhei até a cama, peguei o cobertor e estiquei no tapete para me jogar deitada ao lado dela.

– O que está fazendo? – Bianca perguntou franzindo o cenho.

– Deitando no chão, uai.

– Rafa...

– Não Bia, não é justo. Eu não vou ficar com aquela cama só pra mim e deixar você dormir no chão. Se vai ficar aqui eu vou ficar também, mas acho um desperdício porque lá é bem mais confortável.

– Não vai ser estranho pra você dormir comigo? – Ela perguntou meio receosa.

– Não precisa ser. Se cada uma deitar de um lado... Além disso, lá no BBB eu sempre dividia com a Manu, a Gi, a Thelminha...

– Eram suas amigas.

– A gente ganhou juntas um prêmio de melhores amigas, lembra? Acho que obrigatoriamente somos amigas agora.

– Eu não quero que seja obrigatoriamente – ela diz tombando a cabeça para olhar nos meus olhos e mostrar o quão verdadeira estava sendo com aquela declaração.

– Eu também não – assim como ela, sou sincera ao dizer, exibindo um sorriso sereno nos lábios.

Poucos segundos se passam antes de ela erguer o corpo e se colocar de pé, dizendo animada:

– O dia tá lindo, a gente precisa ir pra água.

Seguiu para o banheiro e retornou poucos minutos depois, agora usando um conjunto de biquíni vermelho que... Uau! Meu Deus, como a Bia é linda. Tudo bem Rafaella, para de olhar agora.

Sai do meu transe, desviando o olhar antes que ela pudesse notar o quão boquiaberta eu estava a encarando e peguei as minhas coisas para também me trocar. Logo estávamos a caminho da praia que ficava em frente ao resort.

Decidimos sentar para comer em um restaurante por ali porque já se passavam das 15 horas e tudo o que tínhamos no estômago eram os lanches do avião. Depois disso, nos sentamos na areia e eu pude sentir a paz me invadir enquanto o vento leve batia no meu rosto e o aroma da água salgada se misturava com a minha respiração. Sentia que, depois de um ano tão corrido e maluco, eu finalmente podia relaxar por alguns dias.

– Eu tô me sentindo realizando o sonho do Luther em Um Natal muito, muito louco. Você acha que vai ficar bom se eu fizer um bronzeado maneirão igual ao dele?

O comentário de Bia me fez rir e isso se repetiu muitas vezes enquanto conversávamos sobre micos e perrengues em viagens. Ela parecia adorar me fazer dar risada e eu acabei por descobrir o quão divertida era sua companhia. Tanto que só notei as horas se passando quando, em algum momento, ela desviou o olhar de mim para o horizonte, dizendo:

– Olha esse pôr do sol, Rafa. Que coisa mais linda!

– É muito lindo mesmo - concordei apoiando a cabeça nos joelhos e olhando maravilhada para o espetáculo criado no céu.

Pelos minutos que durou, ficamos ali sentadas na areia olhando em silêncio. Eu pude jurar sentir os olhares de Bianca se alterarem do horizonte para mim, mas eu não tive coragem de olhar para checar.

Quando a noite chegou a praia já estava bem mais deserta e um vento mais forte começou a chegar, então decidimos voltar para o resort a fim de tomar um banho antes de sairmos outra vez.

Fomos até um restaurante não muito longe, muito bem recomendado por alguns dos funcionários. Apesar de bem discreto e não tão cheio quanto esperávamos, mesmo assim chamamos atenção de algumas pessoas que nos reconheceram. Alguns fãs até pediam para tirar fotos e, mesmo sabendo dos comentários que só iriam aumentar nos portais de notícias, não recusamos.

Depois de fazer os pedidos ficamos um tempo em silêncio, mas logo Bia voltou ao assunto sobre perrengues de viagens. Dessa vez uma que ela fez para a Disney no ano anterior.

– É sério Rafa, eu fiquei presa dentro do banheiro do avião quando estava tendo uma turbulência. Imagina só! Eu desesperada naquele lugar minúsculo balançando de um lado pro outro – ela contava e eu achava fofa a carinha de dó que ela fazia.

– E por isso você quebrou o trinco da porta? – Perguntei rindo. – Como?

– Eu não sei, acho que já estava meio quebrado. Agora pense, eu já tinha um pouco de medo de turbulência, depois disso só piorou – deu um gole do sake que havia pedido.

– Turbulência é bem desagradável mesmo, mas geralmente passa rápido. Acho que nunca peguei muita.

– Sorte a sua, viu? – Gargalhou de si mesma e eu sorri. Droga, eu gostava muito daquela risada.

O garçom trouxe nossos pedidos e jantamos conversando sobre os nossos trabalhos. Foi leve e eu senti que ela, assim como eu, parecia querer fazer dar certo e manter as coisas na paz como sempre deveria ter sido.

Depois do jantar voltamos para o resort e caminhamos um pouco para ver a decoração, agora toda iluminada por luzes de Natal. Outra vez senti a sensação e paz me invadir. A combinação da plenitude daquele lugar, a beleza da festa natalina e a companhia de Bia fazia tudo parecer mais... mágico.

Fui a primeira a usar o banheiro depois que voltamos para o quarto. Coloquei meu pijama e deitei do lado direito da cama, mais próxima da porta. Deixei que ela ficasse com o lado esquerdo, perto da varanda. Fechei os olhos por um momento, mas logo senti o perfume dela junto ao movimento do colchão atrás de mim.

– Boa noite, Rafa – ela disse junto a um bocejo.

– Boa noite, Bia – suspirei.

Meus olhos, agora abertos, se fixaram no teto. Não tardou para que eu ouvisse a respiração de Bia se tornar mais densa, o que significava que ela já estava dormindo. Não resisti em desviar meu olhar para ela e observar que o fino lençol com que se cobria marcava perfeitamente a silhueta de seu corpo, agora de costas pra mim.

Respirei fundo antes de apagar a luz do abajur e me ajeitar para dormir também.

Seria mais fácil se ela não fosse tão linda.

21 de dezembro de 2020 – Bianca

Acordei sentindo a claridade invadir meu rosto, tentei abrir meus olhos, mas precisei fechar novamente, para reabrir só depois de alguns minutinhos de preguiça. Alonguei meu corpo e olhei para o lado. Rafa ainda dormia tranquilamente, a mão apoiando o rosto no travesseiro. Me permiti admirar por um breve momento.

Linda até dormindo, como pode?

Devagar me levantei e fui até o banheiro, retornando depois de alguns minutos e encontrando Rafa sentada na cama, se acostumando com o dia.

– Bom dia. Dormiu bem ou eu te chutei muito? – Perguntei divertida, caminhando até minha mala.

– Bom dia – sua voz ainda estava rouca de sono, o que me fez derreter um pouco por dentro. – Chutou só um pouquinho – respondeu à brincadeira com um sorriso que fez seus olhos se estreitarem ainda mais. Depois, aos poucos, foi se levantando para ir até o banheiro.

Aproveitei para pegar meu celular e checar com Miguel se tudo estava em ordem para o marketing e a exibição do último episódio de Boca a Boca. 

– Não, não. Sem trabalho por hoje – Rafa puxou minha atenção assim que saiu do banheiro e notou que eu estava concentrada demais no telefone. Eu ri concordando e assim deixei o aparelho de lado.

Saímos do quarto seguindo para o restaurante do resort, onde servia o café da manhã. Naquele dia decidimos turistar por algumas praias, então nos apressamos para terminar de comer e pegar o barco que estava à espera dos turistas.

Descobri que a primeira praia que conhecemos se chamava Enseadinha de Serrambi, um lugar bem calmo com águas cristalinas e uma paisagem linda, onde eu e Rafa aproveitamos para tirar várias fotos, algumas até juntas. Eu sentia que o clima entre nós estava melhor do que eu jamais imaginei, ela estava leve e bem mais solta comigo e isso me deixava bastante feliz.

– Olha Bia, uma tartaruga – ela sorria apontando para um movimentação na água, perto de onde eu estava tirando fotos.

– Ah que linda, tudinho pra mim esses bichinhos – imitei a voz que usava para Luete e me aproximei um pouco, tomando cuidado para não assustar a pequena tartaruga.

– Não aguento quando faz essa voz – falou dando um leve sorriso.

– É que são tão fofinhos os bichinhos, não consigo controlar. Sabia que eu já tive um cágado quando era criança?

– Um cágado? – Me olhou confusa.

– É, tipo uma tartaruga, só que diferente. A tartaruga é aquática e o cágado é semiaquático.

– E o que aconteceu com o... – Começou a pergunta, se mostrando interessada.

– José. Bom, um dia choveu muito e ele desapareceu no quintal. Eu e o meu irmão choramos bastante – fiz um bico triste, me lembrando do dia.

– Eu sinto muito pelo José – sorriu solidária e olhou para a tartaruga que agora se afastava.

– Eu também, mas ele era um rebelde e queria ser livre, deve ter tido uma vida feliz.

Ouvi ela gargalhar e não pude evitar de rir também. Seguimos o passeio conversando sobre nossa infância e alguns animais de estimação que tivemos. Ela me contou sobre a recuperação de Alfredo e fiquei feliz por saber que ele estava bem.

A próxima praia era a de Maracaípe. Pegamos uma mesa em um dos quiosques e aproveitamos para pedir nosso almoço, que não demorou a ficar pronto. Depois de comermos, decidimos andar um pouco e conhecer alguns pontos. Mais algumas pessoas nos reconheceram e pediram por fotos e nós aceitamos, sempre tratando todos com muito carinho.

Em um certo momento, eu ouvi uma garota falar com a amiga em um tom que eu imaginava que ela queria que fosse mais baixo, mas mesmo assim eu escutei:

– Cara, Rabia é muito real.

Acho que Rafa tinha ouvido também.

Caminhamos até um mini feirinha e até aproveitamos para comprar alguns artesanatos. Eu queria levar alguns presentes de Natal diferentes para minha família. O dia estava muito agradável, não faltava assunto entre nós e eu estava conseguindo tirar várias risadas dela.

Mas nem tudo são flores.

Passamos em frente a um quiosque quando já estávamos voltando para o porto – onde o barco que nos trouxe estava ancorado – e aproveitamos para comprar água de coco. Sentamos em um banco para esperar e percebi que uma mulher ficou nos olhando de longe. Achei que pudesse se tratar de outra fã, mas percebi Rafa parecer incomodada e

notei que ela estava mais quieta do que o padrão que estávamos mantendo. Logo vejo a mulher loira, alta e de corpo bem definido se aproximar de onde estávamos.

– Bianca? Boca Rosa?

– Sou eu – sorri gentil.

– Nossa, você é ainda mais bonita pessoalmente – disse já se sentando ao meu lado no banco e propositalmente ignorando a presença da Rafa.

– Hum... obrigada – respondi ainda tentando ser gentil, mas um pouco constrangida com a situação.

– Prazer, Fernanda – estendeu a mão e eu não pude deixar de apertar.

– Prazer, você conhece a Rafa, né? – Perguntei em uma tentativa quase desesperada de incluí-la ao notar sua expressão fechada.

Mas parece ter sido em vão quando Fernanda simplesmente disse:

– Lembro dela sim – achei ter entendido um tom de desprezo em sua voz, mas talvez fosse coisa da minha cabeça assim como deveria ser uma troca de olhares estranha entre elas. Ela virou-se para mim logo, dizendo: – Tira uma foto comigo?

– Claro – aceitei imaginado que Rafa também estaria incluída, mas a foto foi tirada apenas comigo.

– Então Bia, você vai ficar aqui por esses dias? – A mulher voltou a olhar apenas para mim.

– Vamos ficar até depois de amanhã.

– Se você quiser fazer algo divertido, eu sou sócia de um pub aqui perto, posso te levar com passe-livre, se quiser – disse sugestiva.

– Hum... – eu tentei começar a explicar que não seria possível, mas Rafa me cortou, dizendo ríspida.

– Nós temos algumas coisas para fazer, mas obrigada. Vem Bia, já está na hora do barco sair – se levantou e começou a caminhar a passos pesados.

– Hum... – eu estava meio perdida com a situação. – Obrigada Fernanda, bom te conhecer – me apressei para despedir e correr atrás de Rafa que estava andando bem mais rápido que o normal.

O caminho de volta até o resort foi em completo silêncio, Rafa ficou mexendo no celular e ignorando minha presença. Eu sentia que naquele momento parecia que tínhamos voltado ao Big Brother. Ela sequer olhava para mim e tudo o que eu perguntava, na intenção de puxar um assunto, ela respondia seca, com poucas palavras. Fiquei revisando os últimos acontecimentos, me perguntando se eu tinha culpa de alguma coisa, mas não encontrei uma resposta. O que eu podia fazer se a moça não quis tirar foto com ela?

Voltamos ao quarto e eu estava me sentindo péssima, era como se tudo o que a gente construiu ontem e hoje fosse um sonho e nada daquilo era real. Deixei minhas coisas ao lado da mala e suspirei frustrada. Ela passou direto para o banheiro e se trancou lá por longos minutos. Quando saiu, se sentou na beirada da cama para mexer no celular e continuar me ignorando.

– Rafa, o que eu te fiz agora? – Perguntei já não aguentando mais a situação e sentindo meu coração ficar apertado.

– Nada Bia, você não fez nada – respondeu ríspida, o tom contrariando as palavras e não conseguia me olhar.

– Então por que você nem olha pra mim? Foi por causa da moça da praia? Eu achei que ela ia tirar foto com você também – tentei me explicar em um tom apelativo.

Finalmente ela ergueu a cabeça, soltando uma risada irônica.

jura que acha que é por isso?

– E não é? – Perguntei confusa.

– Aquela mulher é uma interesseira Bia! – Disparou nervosa. – Além de ficar dando em cima de você na cara dura.

– Rafa... – tentei começar a questionar, mas ela me interrompeu.

– Eu sei que não é da minha conta com quem você se relaciona, mas poxa Bia, abre o olho! – À medida que falava, seu tom de voz aumentava, mostrando estar cada vez mais brava. – Às vezes, parece que você se faz de boba! Não viu que ela só queria você por interesse pra promover aquela porcaria de pub? É esse o tipo de relacionamento que você quer? Devia ficar com alguém que gosta de você de verdade e não pra ganhar fama em cima de você.

Foi a minha vez de rir irônica, sendo tomada pela mesma fúria dela.

– Nossa, como se o seu namoradinho não fizesse isso também, né? Acho que você é quem devia abrir o olho pra perceber as coisas que ele exibe para conseguir fama nas suas costas. E se quer saber, eu não sou o tipo de pessoa que fica com alguém por marketing, quando eu tô é porque eu gosto de verdade. Mas você não entende isso, né? Devia seguir seu próprio conselho – por estar nervosa, soltei tudo sem pensar e me arrependi assim que terminei de falar, mas era tarde para voltar atrás.

Eu não conseguia decifrar a forma como ela me olhou, parecia ter perdido as palavras. Por isso, um silêncio tomou conta do quarto. Eu pensei em tentar dizer alguma coisa, mas achei que, naquele momento, qualquer coisa dita poderia piorar a situação. Portanto, cheguei à conclusão de que era melhor eu esfriar a cabeça antes que tudo se tornasse um caos.

– Eu vou... dar uma volta – ela não respondeu nada, então eu apenas saí, deixando-a sozinha no quarto.

Caminhei um pouco sozinha pela praia até encontrar um lugar na areia que eu quisesse me sentar. Me condenei pelos últimos acontecimentos, desde o encontro com Fernanda, mas principalmente pela fala.

Qual é, Bianca? Você é burra? Podia simplesmente ter ficado calada! Mas não! Precisou abrir o bocão e falar da droga do namorado dela! Não é porque você é a BOCA Rosa que precisa usar a boca pra tudo... Mas também, sei lá se aquilo é um namoro mesmo. Será que eu tô tão errada? Só não precisa falar daquele jeito, né? Burra, Bianca Andrade, burra! Tudo tava indo tão bem. Por que aquela Fernanda teve que aparecer? E qual é a da Rafa ficar tão brava por ela me dar tanta atenção?... Ciúmes Bianca? A Rafaella com ciúmes de você? Tá ficando doida?

Não é como se fosse algo que eu não queria que acontecesse.

Certo, eu precisava pedir desculpas a ela. Não que eu pensasse que eu estava errada, mas a forma como eu falei, com certeza foi muito ruim. E eu só queria voltar a estar em um clima bom com ela.

A noite já tinha chegado quando resolvi voltar para o resort. No caminho eu ensaiava todo um roteiro do que eu queria falar e como me desculpar. Havia uma trilha de flores pequenas amarelas que lembravam girassóis, lindas. Achei que ajudaria se eu levasse um agrado para ela.

Entrei no quarto e encontrei Rafa esparramada na cama. Ela parecia estar em um universo paralelo, enquanto encarava o teto e segurava o celular. Lentamente, deixei a chave na mesa e caminhei para me sentar na beirada do colchão. Ela virou o rosto para o lado oposto ao que eu estava, tentando disfarçar as lágrimas, mas eu pude ver e me odiei por ter sido a causadora disso.

– Rafa, posso falar com você um pouquinho? – Perguntei em um tom baixo, com medo de cada palavra machucá-la ainda mais. No entanto, ela assentiu, ainda sem olhar para mim. Antes de começar eu analisei a florzinha na minha mão, a girava entre meus dedos enquanto pensava se eu deveria mesmo dar para Rafa. Será que ela ia achar uma afronta? Ergui meu olhos e continuei – Olha, me desculpa pelo que eu disse. Do fundo do meu coração. Eu não sei porque falei aquelas coisas daquele jeito. É o seu namorado, eu não...

– Eu terminei com ele – mas repentinamente ela me interrompeu, soltando sua grande, impactante e até um pouco esperançosa verdade.

– O que? –  Perguntei assustada, mas minha voz era baixa, perplexa. Ela tinha terminado com o Caon... por minha causa? –  Não, Rafa, não. Olha... eu não... eu não queria... – eu não conseguia concentrar no que dizer por estar tão atônita. – Eu não queria atrapalhar seu relacionamento, eu juro que respeito você e...

– Você estava certa Bia, era marketing – sentou, se encostando na cabeceira da cama.

– Como assim, Rafa? –  Perguntei ainda perplexa com tudo aquilo.

– Eu e o Caon somos só bons amigos. Ele precisava de engajamento na carreira e eu precisava que meu nome parasse de ser relacionado com qualquer homem... ou mulher que surgisse – seu olhar parecia triste enquanto explicava. – Foi ideia da minha equipe.

– Eu entendo... Sinto muito, Rafa – percebi o quanto ela estava abalada e segurei sua mão.

– Só que estava ficando insuportável, sabe? Eu não quero mais me enganar com tudo isso e quando você falou, eu sabia que estava certa. Você foi a coragem que eu precisava para terminar tudo isso. Conversei com ele e com a minha equipe e acabei com tudo. É aliviante – deixou algumas lágrimas caírem para expressar o tal alívio.

Eu sabia que ela estava vulnerável e tudo o que eu queria era poder cuidar dela, fazê-la se sentir melhor de alguma forma como na noite da premiação. Acho que foi pensando nisso é que eu me atrevi a segurar seu rosto e, com o polegar, secar suas lágrimas que teimavam em sair. Depois disso, ergui a florzinha amarela na minha mão, oferecendo a ela.

– Espero que isso faça você se sentir um pouquinho melhor – dei um sorriso solidário pra ela.

– É linda, Bia – ela suspirou.

– E como eles reagiram? Quero dizer, o Caon e a sua assessoria.

– O Caon aceitou bem. Acho que, na verdade, ele também se sentia sufocado com tudo isso. Ele já gosta de outra pessoa, então estava difícil pra ele, assim como estava pra mim. A minha equipe protestou um pouco, mas entendeu. Vamos ter que trabalhar em qual a melhor forma de anunciar isso.

– Não se preocupe tanto com essa parte, Rafa – minha mão agora segurava a dela. – Se preocupe em ser você mesma, porque você é uma mulher incrível. Vai ficar tudo bem, você fez a coisa certa.

– Bia?

– Hum?

– Você me perdoa? Por tudo? Desde as coisas que aconteceram entre nós lá na casa até... até agora. Às vezes eu não sei como agir – falava enquanto ainda chorava, apertando a minha mão. – Às vezes parece que eu tô perdida, que eu não sei lidar comigo mesma, com tudo isso, principalmente com esses malditos cancelamentos que têm me perseguido ultimamente. Como você lidou com eles? Você parece tão bem agora.

– Eu tenho os meus momentos também. Eu sei, essa coisa de cancelamento não é fácil inicialmente, mas, sabe, se você pensar bem não é tão ruim. A gente aprende com cada um deles, muda, amadurece e começa a entender como lidar. Veja o meu exemplo, tudo o que eu venho fazendo, não foi nem um pouco fácil, chorei muito e tive dias que eu não queria nem sair da cama, mas fui forte, levantei e ressignifiquei tudo. E sei que ainda vou passar por muitos baques e vou ter muito mais pra aprender. E isso é ótimo, Rafa – finalizei sorrindo gentil.

Ela agora sorria ternamente no meio das lágrimas e fazia carinho com o polegar nas costas da minha mão.

– Você é muito inteligente, forte e é uma pessoa incrível Bia. Você sabe que eu te admiro muito, né?

– Eu também te admiro muito, Rafa. De verdade. Te acho muito maneira, com um coração lindo, além de também ser forte e inteligente. Vai saber como lidar com tudo e, agora que nós somos amigas, eu quero estar sempre pra cuidar de você.

– Você cuida, Bi?

Meu coração se derreteu ao ouvir o pedido dela e a redução do meu apelido de uma forma tão íntima e carinhosa.

– Cuido sim – lhe dei outro sorriso reconfortante e outra vez passei meu dedo em seu rosto para limpar mais lágrimas.

Ela assentiu e eu a puxei para um abraço, um abraço composto de muitos significados. Ela ainda chorava em meu ombro e tê-la em meus braços fazia com que eu desejasse que ela se sentisse segura ali. Queria confortá-la e voltar a ver seu sorriso. Seu perfume invadiu meus sentidos junto dos carinhos que ela ainda fazia na minha mão e pude sentir, agora, meu coração acelerar.

Em silêncio, ficamos um tempo naquele abraço até ela se sentir melhor e se desvincular do meu corpo. Eu senti a abstinência. Aproveitei para entrar no banheiro e tomar um banho. Era o último episódio do Boca a Boca, então eu precisava vestir algo melhor para gravar alguns storys.

– Rafa o que você acha de pedir a comida e você assiste comigo o último episódio do meu programa ? – Perguntei animada.

– Perfeito, eu não estava mesmo com vontade de sair hoje – ela prendeu o cabelo e me lançou um sorriso, me fazendo sentir um pouco perdida porque até as pequenas coisas daquela mulher mexiam comigo.

– Ok, eu... vou gravar alguns storys. Se você quiser, já pode pedir a comida.

Depois de falar com o meu público e conectar o YouTube na televisão, me sentei para esperar enquanto Rafa pedia pizzas.

Em poucos minutos o programa começou quase junto com a chegada da pizza. Enquanto assistiamos, eu sorria feliz , sentindo tanto orgulho do meu projeto e de mim mesma, do quanto eu tinha crescido levando informação importante de um jeito tão diferente e divertido para o meu público.

Ao mesmo tempo em que eu assistia, também conferia os comentários animados dos fãs nas redes sociais e falava com a minha equipe, da qual eu estava exatamente orgulhosa.

Abri o Instagram para gravar mais um storys e posicionei o celular de forma que Rafa também estivesse incluída na tela e ela não reclamou. Brincamos de fazer careta segurando as nossas pizzas e depois mostrei que víamos à TV.

– Posso postar, Rafa?

– Se você quiser matar nossas Rabias... – deu uma gargalhada que me contagiou, em seguida mordendo a pizza.

– Meu celular vai explodir – eu disse rindo, segundos depois que postei e as notificações começaram a aparecer de forma incessável.

Quando o programa acabou, cheio de agradecimentos, eu chorei emocionada. Estava feliz por concluir um projeto, uma etapa da minha vida. O Boca a Boca tinha sido muito especial para mim. Rafa pegou a minha mão sorrindo solidária e até parecendo também estar orgulhosa de mim. Ainda com lágrimas nos olhos, peguei meu celular para gravar mais um story.

– Oii goxtosess e aí vocês gostaram? Quero muito agradecer a toda a minha equipe que sempre topa as loucuras comigo, quero agradecer também a cada um que assistiu e que me acompanha e, claro, meus patrocinadores, sem eles isso não seria possível. A todos os convidados, sou muito grata mesmo. Eu estou muito emocionada, porque esse projeto foi tão importante e tão lindo nessa minha volta para o YouTube eu só tenho a agradecer muito, eu estou muito feliz. Hoje não assisti com a minha equipe, mas estou aqui no resort com a Rafa – virei um pouco o celular para que ela se encaixasse na tela – aproveitando o prêmio que vocês nos deram, vocês têm sido incríveis com a gente... obrigada por isso também."

– Gente, o programa tava incrível, não tem condição não. Foi lindo Bia, você e sua equipe arrasaram – ela disse ao meu lado, me deixando até um pouco surpresa.

– Ah, obrigada Rafa – eu disse sorrindo. – É isso meu povo, muito obrigada por vocês serem tão incríveis comigo. A gente vai voltar pra nossa pizza agora – ergui uma fatia, que ainda estava intacta na caixa, para mostrar e assim finalizei o vídeo.

Quando recebi uma chamada da minha mãe me desejando parabéns, chorei mais do que já estava, depois liguei para o pessoal da equipe e agradeci cada um pelo trabalho e dedicação que eles tiveram. Só então eu pude dar total atenção para Rafa, que não parava de sorrir orgulhosa para mim.

– Parabéns Bia, você é a mulher mais incrível que eu pude conhecer e merece todo o reconhecimento do mundo – ela me abraçou por longos segundos, fazendo com que eu me sentisse cada vez mais feliz.

– Obrigada Rafa, obrigada de verdade. Você não sabe o quanto significa você ter assistido comigo hoje – nos afastamos para eu olhei em seus olhos.

– Imagina Bia, eu sempre assisti.

– Sério? – Perguntei surpresa. Eu realmente não esperava que ela sequer tivesse tempo pra isso. – Qual foi seu favorito?

– O último da primeira temporada. Quando você disse: "inclusive, Rafa Kalimann, um beijo especial pra você" e isso virou a bio de todas as Rabias.

Nós rimos juntas outra vez, até eu parar e refletir um pouco sobre tudo aquilo. Sobre eu estar com Rafa ali, sobre tudo estar indo tão bem em um ano totalmente insano.

– Uau... – comecei perplexa. – Parece que foi ontem que tudo começou, que eu fui pro BBB, que eu fiz o primeiro Boca a Boca. E agora eu finalizei tudo isso.

– Então vamos comemorar, vou pedir uma champanhe – ela se levantou para pegar o telefone e ligar para o serviço de quarto.

Ficamos conversando e decidimos colocar um filme para assistir. Entregaram a champanhe e nós bebemos quase toda a garrafa em um clima descontraído, assistindo o filme e comentando algumas cenas.

Eu estava sentada encostada na cabeceira da cama quando percebi Rafa deitar e puxar o travesseiro para mais perto de mim. Hesitei um pouco, mas não consegui controlar a vontade de fazer carinho nela. Já nem prestava mais atenção no filme, só conseguia pensar na minha mão deslizando sobre seu cabelo fazendo um cafuné.

Não entendia o por que dela provocar tantas coisas diferentes em mim, mas eu não conseguia ficar longe. Ficamos um tempo assim até que percebi que ela já tinha caído no sono. Desliguei a tv e apaguei a luz, deitei devagar para ela não acordar. Seu travesseiro estava bem próximo ao meu, pude observar seu rosto tão próximo e afastei uma mecha de cabelo que insistia em cair.

– Boa noite Rafa – falei baixinho e deixei que o sono viesse.

22 de dezembro de 2020 – Rafaella

Acordei com o barulho da chuva que caía forte.

Droga, isso ia acabar com o nosso dia.

Depois de analisar os detalhes do cenário, percebi que estava com o braço por cima do abdômen de Bia, ainda tranquilamente adormecida, e meu travesseiro estava bem mais perto do dela do que eu me lembrava.

Por que é que eu abracei ela? E quando? Será que ela percebeu?

Tirei meu braço com cuidado e fui até o banheiro, para um banho precisava colocar minha cabeça no lugar. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, minha mente turbilhava de pensamentos. Ela me bagunçava de um jeito que ninguém nunca conseguiu e eu já tinha começado a achar isso bom.

O que eu estava fazendo? Por que estava agindo assim com ela? Eu perco o controle das coisas que faço e do que falo quando estou com ela. Como ontem, por exemplo. Eu sabia que parte do nosso desentendimento tinha a ver com um incômodo sem explicação por aquela mulher estar se oferecendo para ela de forma tão inconveniente e abusada e que ela não havia feito nada para se afastar. Mas qual o problema, afinal? Eu não devia ter me sentido tão incomodada, a não ser que... É claro que não Rafaella, é claro que você não está com ciúmes.

Terminei meu banho e voltei para o quarto. Bia já estava acordada e ria de alguma coisa no celular.

– Bom dia – eu disse com um sorriso contagiado pelo dela e reforçado pelo fato de que era extremamente fofo vê-la com os olhos pequenos de sono e o cabelo bagunçado.

– Bom dia, Rafa. Você já mexeu no seu celular hoje?

– Não, mas imagino como tudo deve estar – sorri para ela.

– Uma verdadeira algazarra Rafa. Você, não imagina – falou rindo e já caminhando na direção do banheiro .

Observei a chuva que caía cada vez mais forte, admirando  a paisagem que ainda assim era linda, afinal era uma graça de Deus. Foi com esse pensamento que eu concluí que, apesar de perder um dia de praia, talvez não fosse tão ruim assim. Poderíamos arrumar algo para fazer.

– É bom pra ficar de preguicinha vendo filme – Bia falou repentinamente, eu quase não notei que ela tinha saído do banheiro. – Você quer, Rafa?

– Perfeito, eu quase nunca tenho a chance de ficar assim, sem fazer nada.

– Então tá, o combinado é preguiça, roupas leves e sem tênis, filmes clichês de Natal e café na cama – falou animada e eu sorri junto.

O serviço de quarto chegou quando estávamos no meio de uma discussão sobre qual filme escolher.

– A Princesa e a Plebeia primeiro, Rafa, por favorzinho – fez uma carinha fofa, que não me deixou outra escolha, a não ser ceder.

– Tudo bem, mas o próximo eu escolho.

– Combinado! – Ela deu pulinhos sentada, expressando animação, enquanto pegava o controle para ligar a TV. – Eu amo esse filme, é um dos meus favoritos.

Depois que os créditos iniciais começaram, Bia se jogou para trás na cama, apoiando a cabeça no travesseiro. Mas ela não encontrou aquela como uma posição confortável, tentando trocar algumas vezes. Antes dos primeiros quinze minutos do filme, eu a puxei para deitar a cabeça no meu colo e fazer um cafuné. Foi aí que ela ficou. Às vezes se virava para fazer um comentário divertido e eu sorria, me sentindo em um tipo de felicidade acolhedora por tê-la ali. Odiei quando o filme acabou e ela se levantou para pegar o controle.

–Tá, é a sua vez – ela entregou o objeto para mim, se jogando de volta no meu colo e quase respirei aliviada. – O que vai escolher?

– Já assistiu Uma Segunda Chance Para Amar? É lindo.

– Tá brincando? Eu amo esse filme! E amo a música! Você sabe cantar?

Sem que eu respondesse, nós duas começamos a cantoria a plenos pulmões. Eu usava o controle como microfone e às vezes apontava para ela.

Eis aqui meu segredo

Que te conto assim sem medo e que você precisa saber

Essa é a hora, é tão simples minha história

Quem sabe possa te convencer?


Você diz que o frio que sente é maior que esse mundo

Onde não há lugar pra quem tem coração

Cuide bem de você e procure entender

Que você é capaz de ser feliz


É só me dizer

O que devo fazer

Pra curar essa dor

Deixo tudo pra trás

Se você me chamar

Sabe que vou estar

Perto de você

Longe nunca mais

Terminamos em meio a gargalhadas, era gostoso ouvir as dela.

– Você não existe, Bi.

Depois disso nos concentramos no filme. Em um certo momento, senti ela se mexer no meu colo e eu sabia que estava olhando para cima, para mim. Hesitei em olhar de volta, mas não resisti. Quando baixei a cabeça, a expressão dela era indecifrável.

– O que foi? – Perguntei dando um meio sorriso.

– Tô só te olhando – falava serenamente.

– Você olha assim para todo mundo?

– Não, só pra você.

Eu suspirei, sem ter medo de que ela estivesse vendo. Com os dedos, empurrei sua cabeça de volta para olhar para a TV.

– Presta atenção no filme, Bia.

Só que eu não consegui prestar mais.

Já se passavam das 15 horas, quando o filme acabou. Ela se espreguiçou e perguntou com a voz arrastada:

– O que quer fazer agora? Que não seja sair da cama, por favor – o que consequentemente era não sair do meu colo e pra mim estava perfeito.

– Você quer jogar alguma coisa? – Sugeri.

– O que exatamente?

– Algum jogo de perguntas... tipo uma tag. Eu... queria te conhecer melhor. Nós somos amigas agora, então... – falei meio receosa com as minhas palavras. Mas antes que perdesse a coragem, lancei uma primeira pergunta aleatória – Qual sua cor favorita?

– Deixa eu pensar... Rosa? – Ela brincou e nós duas rimos.

– Tudo bem, faz sentido. Sua vez.

– Tá... – ela pensou um pouco. – Qual a maior loucura que você já fez?

– Entrar no Big Brother.

– Faz sentido – outra vez rimos quando ela repetiu a minha fala. – Tudo bem, vamos brincar sério disso... – Ela parecia considerar alguma questão que queria fazer e depois de segundos teve coragem. – Você já ficou com mulher alguma vez? – Dessa vez, evitava me encarar, os olhos fixos em algum ponto do teto.

– Nunca.

– E nunca sentiu vontade ou curiosidade? – Ela parecia verdadeiramente interessada, enquanto inquieta mexia as pernas, arrastando-as no colchão.

– Não sei, talvez. Mas teria que ser a mulher certa – de forma involuntária e automática, em algum lugar do fundo da minha mente, surgiu a palavra você.

O que tá acontecendo, Rafaella?

– Faz outra pergunta – pedi, na intenção de me distrair daquilo. Mas ela não ajudou.

– Você se considera uma pessoa romântica, Rafa?

A pergunta me pegou de surpresa e cheguei a pensar se não era só coisa da minha cabeça que havia um interesse por trás disso. Respondi sem hesitar:

– Nossa, muito. Eu gosto de levar café na cama, fazer surpresa fofa, gosto muito de demonstrar quando estou gostando de alguém. E você? – Nossos olhos se encontraram e isso me fez acreditar ainda mais que meu pensamento estava correto.

– Pode não parecer, mas eu também sou, quando eu gosto da pessoa eu demonstro, dou presentinho fofo e gosto de ficar junto, aproveitando a companhia, sabe? Talvez vendo um filme, trocando carinho...

Acho que meu coração falhou uma batida quando notei que ela tinha praticamente descrito o nosso dia. E percebi que ela também só se deu conta de suas palavras quando olhou pra mim.

– Hum... minha vez – eu disse, agora querendo arrancar mais informações dela. – Quando foi a última vez que você se apaixonou?

– Recentemente – respondeu de forma vaga.

– Foi o Fred, né?

– Não. A gente tem uma troca maneira, mas descobrimos que funcionamos melhor como amigos. Foi depois dele.

– Então, foi nos últimos meses – conclui tentando saber mais.

– Foi nos últimos dias.

Naquele momento, nossos olhares se cruzaram e eu congelei. Não podia ser coisa da minha cabeça, podia?... É claro que podia, ela conviveu com muita gente antes de vir pra cá, podia ser qualquer um.

Quando viu o silêncio tomar conta do ambiente por causa da minha óbvia imersão em pensamentos, Bia se levantou do meu colo, dizendo:

– Olha só, a chuva parou. O que acha da gente jantar em algum lugar? – Antes que eu pudesse responder, ela já estava de pé, parecia com pressa de se afastar para não me encarar. – Eu vou tomar banho, ok? – Eu apenas balancei a cabeça antes dela entrar no banheiro.

Depois foi a minha vez. Tomei um banho rápido e saí do banheiro já pronta. Instintivamente, Bia parou a maquiagem que fazia e olhou para mim. Parecia atônita.

– O que foi? – Perguntei sorrindo tímida.

– É... – ela demorou a escolher o que dizer, como se tivesse perdido as palavras. – É ByRK?

Baixei a cabeça para olhar o meu próprio corpo. Eu vestia um conjunto branco de calça, corselet e um blazer por cima.

– É sim – respondi e voltei os olhos pra ela. – É Boca Rosa Beauty?

– É sim – ela deu uma gargalhada gostosa que me contagiou. E em um segundo me fez ficar tímida de novo, quando disse: – Você tá linda. Quer dizer, você é linda, Rafa. Mas... – suspirou, deixando a frase no ar. Queria muito que ela tivesse completado. – Eu tô pronta, podemos ir?

– Podemos sim.

Fomos o caminho conversando sobre a decoração de Natal e o quanto gostávamos dessa época. Ela me contou rindo de como eram suas reuniões de família nessa data e eu contei sobre a ceia na casa da minha mãe, em Goiânia.

O restaurante estava quase vazio quando chegamos, devia ser por causa da chuva. Depois de escolhermos uma mesa e fazermos os pedidos, voltamos a conversar. A todo momento ela me fazia rir, contando de quando, anos atrás, ganhou de presente do tio um shampoo de presente de uma tal marca Trá Lá Lá – ela enfatizava o nome como se fosse a coisa mais absurda do mundo – e que tinha um cheiro de pêssego horrivelmente enjoativo.

– Acho que foi nesse dia que eu jurei que ia criar uma marca de produto pra cabelo que prestasse. Vou contar essa história no próximo lançamento de Boca Rosa Hair – ela falava em tom de brincadeira.

Depois foi a minha vez de contar a fatídica história do meu presente errado. A vez que ganhei um quadro com a foto do meu colega e a menina que ele gostava que, por acaso, também se chamava Rafaella e por isso a confusão se fez. No fim, fiquei uma camiseta rídicula de unicórnio com o meu nome grafado que era pra ser dela também, mas não acharam justo eu ficar sem presente.

– Ok, o meu shampoo Trá Lá Lá parece até legal agora – ela comentou rindo após o fim da minha história. – E que garoto mané! Quem confunde Rafa Kalimann?

– Eu não era Rafa Kalimann na época. Era só Rafaella Freitas.

– Mesmo assim, você é única, Rafa, é inconfundível – ela esticou a mão por cima da mesa para pegar a minha e eu não hesitei. Foi preciso só um segundo para que eu me perdesse nos olhos castanhos dela, que estavam presos aos meus também.

Mas nosso momento foi interrompido pelo garçom, que se aproximou perguntando.

– As senhoritas desejam mais alguma coisa?

Rapidamente, Bia largou a minha mão, bufando antes de tornar a resposta calma.

– Não, só a conta por favor.

Depois que dividimos o pagamento, decidimos ir dar uma volta na praia, que estava calma àquela hora. Era a primeira vez que víamos as luzes e a decoração de Natal que haviam colocado ali em um deque de madeira.

– Tá tudo tão lindo – ela comentava maravilhada, olhando tudo em volta. – Rafa, fica aí, eu vou tirar uma foto sua.

Eu brinquei de fazer poses e depois foi a vez dela. Por fim, tiramos juntas.

– Me deixa ver, ficaram boas? – Perguntei me aproximando dela e analisando a fotografia na tela do celular.

– Ficaram ótimas – ela respondeu enquanto eu já notava alguma coisa diferente na foto. Desviei o olhar da tela para o que estava acima de nós.

– Bi, olha – apontei para ela seguir a direção do que eu estava vendo. – Um visco.

Como na noite do hotel, a planta estava ali amarrada propositalmente, mas dessa vez em um fio das luzinhas que decoravam o deque.

– Um visco – ela repetiu ainda olhando para ele. – Como o daquela noite.

– Eu... – precisei de coragem para dizer as próximas palavras. – Achei que ia me beijar naquela noite.

– Não foi por falta de vontade... – me respondeu depois de um tempo me olhando e adquirindo a sua própria coragem. – Mas eu tava respeitando seu relacionamento e o fato de que a gente tinha acabado de se entender. Por isso eu me impedi.

Ficamos em silêncio nessa troca de olhar e eu senti meu coração acelerar. Meu corpo se arrepiou e minhas mãos começaram a suar. Respirei fundo para conseguir ainda mais a tal coragem que precisava para responder o que eu mais queria naquele momento:

– Não tem nada que te impedindo agora.

Ela se aproximou de mim e eu pude sentir sua respiração descompassada próxima e se misturando com a minha. O toque firme e ao mesmo tempo suave de suas mãos em minha cintura foi o que me levou para mais perto dela. Não consegui desviar meus olhos dos seus até que ela desceu o olhar para meus lábios e eu não consegui evitar de fazer o mesmo.

Não aguentando mais aquela minúscula distância coloquei minhas mãos em seu pescoço, entrelaçando com os fios de seu cabelo e colei nossos lábios em um beijo calmo. Sua boca era tão macia que me causava arrepios pelo corpo, senti seu coração tão acelerado quanto o meu e arranhei a sua nuca.

Ela aprofundou o beijo pedindo passagem para a língua e deslizando as mãos pela lateral do meu corpo. Sentia como se tudo estivesse muito quente enquanto ela explorava cada canto na minha boca.

Quando o ar se fez necessário ela chupou meu lábio inferior e deixou uma mordida antes de finalizar com alguns selinhos. Continuou com os beijos pelo meu maxilar até chegar ao lóbulo da minha orelha e sussurrar:

– Eu sempre quis saber como era seu beijo, Rafa – terminou dando uma leve mordida e me apertando em seus braços.

– E eu supri suas expectativas? – perguntei fechando meus olhos e aproveitando as sensações que ela estava causando em meu corpo.

– Muito melhor do que eu esperava – me deu mais um selinho e me olhou intensamente. – Vamos para o quarto, Rafa – sua voz era rouca, me fazendo refém de resistir a qualquer coisa que ela dissesse.

Seguimos de volta para o hotel e entramos na suíte com uma certa pressa. O nosso beijo, dessa vez, se tornou mais urgente e desesperado. Ela me imprensou contra a porta e, enquanto nossos lábios não se desgrudavam, ela puxava o meu blazer para tirá-lo e deixá-lo no chão.

– Bi... – eu falei no meio do beijo, assim que tive consciência do que estávamos fazendo. Não que eu não quisesse sentir cada parte dela em mim, eu só precisava de tempo. – Bi, eu não acho que tô pronta. A gente pode ir devagar?

– Claro que sim, me desculpa Rafa, eu... – ela falou rápido, ainda tentando regular a respiração.

– Você não fez nada de errado. Pelo contrário, fez certo até demais. É só que... é tudo novo pra mim.

– Eu sei, eu sei, tem razão – disse fazendo um carinho no meu rosto e me deixando mais um beijo. – Vamos dormir que amanhã é o nosso último dia. Quero aproveitar com você.

Depois de trocarmos de roupa e usarmos o banheiro, nos deitamos na cama. Ela por cima do meu corpo, sorrindo como boba para mim, enquanto tirava uma mecha de cabelo que caia no meu rosto. Depois de deixar outro beijo casto nos meus lábios, disse:

– Você é tão linda Rafa, sabia disso? É provavelmente a mulher mais linda que eu já vi – disse olhando em meus olhos.

Puxei ela para mais um beijo sentindo meu coração acelerar a cada toque dela em meu corpo. Nunca tive essa sensação antes, um frio na barriga e um arrepio ao mesmo tempo. Acho que é uma sequência dos melhores beijos da minha vida.

Depois de um tempo trocando vários deles ela se aninhou ao meu corpo. Pude sentir o coração dela acelerado como o meu, enquanto eu fazia carinho em suas costas.

– Boa noite, Rafa – falou, puxando a minha mão por cima de seu corpo para deixar um beijo.

– Boa noite, Bia – beijei sua têmpora e deixei o sono vir.

23 de dezembro de 2020 – Bianca

Nosso último dia de viagem não podia ter começado melhor. Acordei um pouco antes de Rafa e percebi que eu estava abraçando seu corpo em uma conchinha. Me aproximei mais dela e distribuí vários beijos em seu ombro. Senti ela resmungar um pouco e virar de frente para mim, ainda de olhos fechados.

Meu Deus, Bianca! Será que foi tudo um sonho e ela vai acordar comigo agarrada a ela e  pensar que eu sou uma tarada pervertida? Mas pareceu tão real.. será que foi só sonho? Talvez seja melhor eu me afastar um pouco.

Tirei minhas mãos dela e devagar me afastei, mas continuei observando seu rosto que franziu ao notar que o contato entre nós havia diminuído. Ela abriu os olhos com um pouco de dificuldade por conta da claridade e se aproximou de mim escondendo o rosto no meu pescoço.

Meu Deus não foi sonho! Crise, surto, crise... Eu beijei a Rafa. Eu. Beijei. A Rafa.

Estava perplexa, com os olhos arregalados e um sorriso bobo quando fui tirada dos meus pensamentos por alguns beijos no meu pescoço, o que fez meu corpo se arrepiar.

– Bom dia – ela se afastou para olhar em meus olhos.

– Bom dia – respondi ainda um pouco sem reação.

– O que foi? O que tanto está passando por essa cabecinha? – Perguntou fazendo um carinho nas minhas costas.

– Eu achei que tinha sonhado.

– Então estamos no mesmo sonho ou em algum universo paralelo – falou divertida.

– Se for um sonho eu espero que não me acordem - me aproximei deixando alguns beijos em sua bochecha até tentar chegar em sua boca, mas ela se afastou.

– Não Bia, ainda não escovei o dente – desviou mas eu apertei ela nos meus braços.

– Quando drama, aposto dois Toddynhos que você não tem bafinho de manhã

– Não quero apostar – beijou minha bochecha e logo se levantou para ir ao banheiro.

Depois de longos minutos ela saiu já com o cabelo molhado e foi até sua mala. Peguei minhas coisas e também fui para o banheiro tomar o meu banho.

Quando sai notei que ela já estava organizando algumas coisas, pois era o nosso último dia. Abracei seu corpo por trás e deixei um beijo em seu ombro. Ela se virou, ficando de frente para mim e passou os braços sobre meu ombro.

– Será que agora eu posso ganhar um beijo? - Perguntei divertida.

– Pode ganhar vários - respondeu já aproximando seu rosto do meu.

O beijo começou calmo e sensual, mas logo se tornou urgente. Aproximei mais nossos corpos e pedi passagem com a língua, apertei sua cintura e senti ela arfar. Ela finalizou o beijo com alguns selinhos e deixou uma mordida no meu lábio inferior.

– Ainda não, lembra? Vamos descer antes que a gente se atrase – me deu mais um selinho e se afastou.

– Por mim, nem sair desse quarto eu quero mais.

– Pode parar, porque temos mais um passeio de graça para fazer.

Tomamos nosso café da manhã e seguimos para mais um passeio, dessa vez em um shopping, onde resolvi comprar uma pulseira para dar de presente para ela, claro, em um momento que ela estava distraída.

Voltamos para o resort no final da tarde para terminar de arrumar nossas coisas e seguir para o aeroporto.

Esperei ela tomar banho enquanto organizava minha mala. Peguei minha mochila para guardar algumas coisas. Percebi que meu caderno ainda estava ali, o mesmo caderno que emprestei para ela na noite da premiação. Me lembrei daquele dia e o quanto ela estava nervosa antes de escrever, parei para pensar que ela não tirou a folha do caderno, o que significava que suas anotações ainda estavam ali comigo.

Fiquei pensando se seria certo ler, mas a curiosidade foi maior. Me sentei na beirada da cama e comecei a procurar o que ela tinha escrito. Senti meu coração acelerar quando encontrei sua letra redondinha em uma das folhas. Respirei fundo antes de começar a ler.

"Eu não aguento mais tudo isso, toda essa situação com ela. Não entendo o porquê dela me causar tantas sensações ao mesmo tempo. Quero ficar perto e ao mesmo tempo longe, me sinto vulnerável perto de Bia, como se perdesse todo o controle. Não entendo, é tudo tão confuso...

Mas ao mesmo tempo é tudo tão claro, eu desejo tanto ficar bem com ela e sentir esse peso sair do meu peito toda vez que falam dela, ou que eu vejo ela sorrir.

E todas as vezes que sinto seu abraço parece que encontro meu ponto de paz contra todos os conflitos e dúvidas. Eu posso jurar que aquele abraço é capaz de me confortar de qualquer crise.

Eu quero tentar, quero fazer dar certo e ter uma boa convivência, não quero mais ignorar ela, não quero mais evitar e quero mais de seus abraços.

Preciso disso, preciso tentar fazer de tudo para conseguir superar tudo isso com ela."

Terminei de ler um pouco em choque e notei que ela já tinha saído do banheiro e me olhava um pouco assustada. Desviou o olhar para o caderno e colocou as mãos no rosto. Me apressei em levantar e deixar o caderno de lado.

Envolvi meus braços em sua cintura e deixei alguns beijos em suas mãos que ainda estavam cobrindo seu rosto.

– Rafa eu também me sentia assim, você conseguiu descrever tudo o que eu vinha sentindo há muito tempo. Não sei que tipo de energia rola entre a gente, mas acho que esses últimos dias deu para entender um pouco de onde vem esses sentimentos confusos e conflitantes.

– Você também sentia? – Perguntou tirando as mãos do rosto, ainda um pouco envergonhada.

– Sim, mas da mesma forma que você, eu quero fazer dar certo, não quero mais essa situação. Quero ficar perto e com você e também vou lutar por isso – vi um sorriso surgir em seu rosto e continuei, brincando com o meu sotaque carioca. – Afinal tu é exquisita, mas eu gosto dos seus abraços e agora gosto mais ainda dos seus beijos.

Acabei com a distância e iniciei um beijo cheio de sentimentos novos. Depois, acariciei seu rosto e deixei alguns selinhos antes de me afastar e colar nossas testas.

– Tenho um presente para você – me afastei e fui até minha mochila, peguei o embrulho e voltei para perto dela. – É uma coisa bem simples, mas é para você lembrar dessa viagem com muito carinho.

Entreguei para ela e a vi abrir o embrulho com um sorriso lindo. Ela olhou para a pulseira um pouco surpresa e seu sorriso ficou ainda maior.

– É um girassol e me lembrei de você quando vi essa pulseira, lembrei que você falou que é sua flor preferida e também lembrei do segundo dia, quando entreguei uma florzinha parecida para você. Naquele momento eu senti realmente uma vontade enorme de cuidar de você e te ver bem. Então, quando você olhar, quero que se lembre o quanto você é forte.

– Eu adorei Bi, acho que com certeza é um dos presentes mais lindos e significativos que já ganhei – me beijou e fez um carinho em minha nuca, antes de ir até sua bolsa. – Mas eu também tenho um presentinho para você.

Ela me entregou uma caixinha, abri e vi que também era uma pulseira delicada com um pingente de uma tartaruga, sorri ao ver o presente e olhei para ela.

– Quando eu vi achei que deveria dar alguma coisa para você se lembrar do José e também do nosso dia que foi muito especial. No passeio e nas conversas foi que eu pude perceber o quanto você tem um essência pura e leve como quando fala da sua infância. É lindo isso, Bi e eu não quero que perca nunca, mesmo você sendo essa mulher empoderada, continue com a sua essência.

– Nossa Rafa é lindo, eu amei muito por ser um presente seu, por eu me lembrar do José e de saber que você me vê assim de coração – puxei ela para um abraço sentindo algumas lágrimas em meu rosto. Eu não queria que esses dias acabassem.

Ficamos mais um tempo trocando carinhos e alguns beijos mais urgentes, mas logo fomos terminar de arrumar nossas malas e trocar de roupa.

A viagem até o aeroporto foi tranquila e dessa vez sem atrasos. Não estava tão cheio quanto achei que fosse estar por conta das festas de fim de ano, então logo embarcamos. Não pegamos tanta turbulência, mas nos poucos momentos que teve ela não soltou a minha mão.

Já passava das 4:00 da manhã quando desembarcamos no aeroporto de Guarulhos. Caminhamos até a esteira e pegamos nossas malas. Encontrei Miguel e Venturotti me esperando. Do outro lado, um pouco distante reconheci ser Flavina e Renato que já aguardavam a chegada de Rafa.

– Eu.. acho que preciso ir – comecei tentando achar as melhores palavras, com receio daquele momento, mas ela me abraçou e escondeu o rosto no meu pescoço.

Estranhei ela fazer isso na frente de várias pessoas, mas me entreguei ao contato envolvendo sua cintura em meus braços. Mas me lembrei das palavras que eu disse a ela sobre não ter medo de ser ela mesma. Acho que estava começando a aplicar isso.

– Não quero me afastar de você, Bi.

– Eu também não quero e não vou fazer isso, vamos conversando e quando acabar as festas vamos nos encontrar, tá bom? – Fiz um carinho em suas costas. – Quero ser seu primeiro beijo depois do ano novo.

– Vou esperar ansiosa por isso. Talvez você seja o único beijo que eu quero ter pra sempre – encostou os lábios no meu pescoço, fazendo meu corpo arrepiar.

– O meu também.

Percebi ela hesitar um pouco, mas não controlou a vontade que tinha de selar nossos lábios em um último beijo apaixonado, antes de nos despedirmos. Teríamos muito o que explicar para nossa família e amigos, que estavam ali esperando. E, assim como eu, ela não parecia se importar nenhum pouco. Sorrimos antes de nos afastarmos e eu disse:

– Feliz Natal, Rafa.

– Feliz Natal, Bia.

Fim

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