Já havia quase um mês que Jiang Cheng estava no recife leste. Então já havia quase um mês que ele havia ganhado um filho e um bom motivo para ficar ali. Assistir Lan Baizhu crescer durante todas aquelas semanas o havia inspirado a fazer várias coisas, e hoje em dia sua caverna era cheia de pequenas decorações, alguns baús e várias coisas para o pequeno.
Hoje, em sua comemoração de um mês de vida, Lan Baizhu ia receber sua marca como um Lan. E por mais que Jiang Cheng gostaria que tivesse sido ele que tivesse feito os enfeites na fita de seu filho, havia muito mais na produção da fita e de seus enfeites do que ele conhecia, ou poderia conhecer. Ninguém sabia de onde os Lan tiravam a seda para fazer suas fitas, e isso era um segredo do clã. Jiang Cheng tinha um palpite de que eles produziam a seda na superfície. Era a única forma de se produzir seda. Ali no fundo do oceano, eles só tinham algas, pedras e o couro e outros restos de animais para produzir qualquer coisa.
Felizmente, ele pode integrar uma parte de sua família na tradição. Ele se dedicou durante o mês para fazer um chocalho Jiang para Baizhu. O chocalho de sua família era produzido com uma variedade de pequenos ossos de peixes e conchinhas, todos presos com cordas finas de fibra de alga e depois firmemente com uma corda de couro. As cordas eram decoradas e cada osso e conchinha também. Ele era preso a um bracelete, também de couro decorado, que envolvia um dos braços de quem usava.
Tradicionalmente, os pais começam a fazer o chocalho bem antes do bebê nascer, e o de A-Yuan e A-Ling já estavam prontos quando eles nasceram. Como Baizhu foi uma surpresa, Jiang Cheng estava trabalhando a todo o vapor para que ele recebesse os dois presentes no seu aniversário de um mês.
Quando Jiang Cheng contou sobre o chocalho para Xichen, ele gostou da ideia de presentear o pequeno com algo Jiang também. Por isso, Jiang Cheng trabalhou ainda mais empenhado. Era muito importante que Lan Xichen fizesse parte das escolhas sobre o pequeno Lan Baizhu, e como ele até ficou interessado em como eram feitos os chocalhos, Jiang Cheng achou que fosse uma boa ideia incluí-lo na fabricação.
Ele mostrou a Lan Xichen como eles faziam os pequenos detalhes nas conchas, e Xichen aparecia algumas vezes na semana na caverna que Jiang Cheng havia se instalado com o pequeno para ajudar a decorá-las. Jiang Cheng não se importou quando viu os desenhos que Xichen estava fazendo nas conchas, pequenas ondas[1], e em uma ele esculpiu um pequeno agulhão.
O chocalho estava pronto para a comemoração de um mês, e eles estavam reunidos para presentear Lan Baizhu com seus símbolos de família. Wei Wuxian, Lan Wangji e Lan Qiren também estavam ali. Até onde Jiang Cheng sabia, foi Lan Qiren quem fez a fita de seda que agora enfeitava a testa de seu filho. No centro da fita havia um adorno feito de pérolas e pequenas contas de jade (outra coisa da superfície que ninguém sabia como os Lan conseguiam). O enfeite de cada fita tinha um padrão único, que seria uma marca de Lan Baizhu em seu clã.
— O adorno da faixa dele é lindo... — Lan Xichen falou. — Obrigado tio, por ter feito isso por ele.
— Ele é meu neto, é o que ele merece. — Lan Qiren falou.
— E seu chocalho ficou muito bonito apesar do pouco tempo. — Wei Wuxian falou.
— Lan Xichen me ajudou bastante com a decoração. — Jiang Cheng explicou. — Só assim consegui terminar em tempo.
— Eu fiz muito pouco, foi Jiang Cheng quem decorou a maior parte. — Lan Xichen falou.
— Não seja modesto, irmão Xichen! — Wei Wuxian falou.
Lan Baizhu então começou seus resmungos para mostrar quem era o verdadeiro dono da festa. E que o dono da festa estava com fome. Wei Wuxian foi instintivamente pegar o pequeno do colo do irmão, mas Lan Xichen o tinha nos braços antes que Wei Wuxian pudesse passar A-Yuan para Lan Wangji. Lan Baizhu tomou o peito do pai com seu costumeiro fervor e agora, além das sobrancelhas mexerem, ele segurava um dos longos pedaços da fita que estava em sua testa.
Por enquanto, Baizhu não tinha nenhuma obrigação com sua fita, e só a usaria em momentos solenes. Quando ele finalmente pudesse entender sobre o que a fita era e o que representava, era que ele passaria a ter alguma obrigação de vesti-la sempre.
Lan Qiren pediu licença para voltar aos seus afazeres, e Lan Wangji e Wei Wuxian deixaram a caverna também para colocarem A-Yuan para dormir.
Jiang Cheng estava começando a se acostumar com o ar doméstico que sua caverna tinha quando Lan Xichen estava ali. Mesmo que eles não tivessem nada entre eles, Jiang Cheng não conseguia não admirar e se animar com cada conquista que Lan Xichen fazia em rumo à sua melhora. E em rumo também à união de sua família. Era tão acalentador ver Baizhu nos braços do pai, e ver Lan Xichen cada vez mais conseguindo ver seu filho, e não mais uma sombra de seu falecido companheiro.
Honestamente, Jiang Cheng tinha medo de se apaixonar por Lan Xichen, mesmo percebendo que isso já estava acontecendo. Ele não tinha ideia se ele caberia na vida de Lan Xichen depois de tudo o que ele havia sofrido. Mas ele queria sempre poder ajudá-lo a seguir por um caminho melhor. E era por isso que ele continuava incentivando e participando da vida dos dois.
As chances de Jiang Cheng sair disso com o coração partido eram altas. Mas a felicidade de seu filho era mais importante. Quando Lan Baizhu começou a dormir nos braços de Lan Xichen, e ele não fez nenhum movimento para entregar o pequeno para Jiang Cheng, ele ficou orgulhoso. Eles estavam indo muito bem. Jiang Cheng não queria elevar tanto suas expectativas, mas ele diria que em breve, Lan Baizhu poderia voltar a morar com o pai biológico.
A ideia de que ele deixaria de ser necessário naquela relação e naquele lugar o assombrava constantemente. Ele não era o companheiro de Lan Xichen, e mesmo com toda a história do imprinting, se ele saísse logo, Baizhu não se lembraria dele. Ele não via como a família torta deles seguiria em frente. Sua missão era obviamente ajudar os dois e, assim que possível, voltar para sua vida de solteirão, e ajudar o recife oeste a se reestabelecer. Não haveria mais espaço para ele. As vezes como um amigo, ele poderia ao menos receber visitas dos dois.
Balançando a cabeça para redirecionar seus pensamentos melancólicos, ele foi limpar um peixe que Lan Xichen havia trago mais cedo para comerem.
— Jiang Cheng, você parece pensativo... — Lan Xichen falou, calmamente. Jiang Cheng havia percebido que o outro parecia muito mais sereno nos últimos dias, menos ansioso e também menos alerta. Era um bom sinal já que, por suas conversas com Lan Wangji, essa era a verdadeira personalidade de Lan Xichen.
— Não se preocupe, não é nada. — Jiang Cheng falou.
— Eu posso te perguntar uma coisa pessoal? — Lan Xichen perguntou. — Não precisa responder se não quiser.
— Vá em frente. — Jiang Cheng disse.
— Onde está o seu escolhido? — Lan Xichen perguntou.
— Bem... Eu nunca encontrei essa pessoa. E como Lan Qiren, eu me conformei com a minha posição de tio. — Jiang Cheng falou honestamente. — Ao menos até Lan Baizhu aparecer.
— Então simplesmente nunca encontrou uma pessoa? — Lan Xichen perguntou de novo. — Sabe, quase ninguém sabe disso, mas meu tio na verdade encontrou alguém.
— Sério?
— É sim. Foi muito depois de sua debandada, um encontro tardio como chamam, mas ele já estava cuidando de mim e Wangji, e também do recife, nessa época. — Lan Xichen contou. — Ele então preferiu se abster de sua escolhida alegando que não teria tempo para lhe dar a devida atenção e sem ouvir o lado dela. Ele já tinha feito sua cabeça sobre viver e carregar seu fardo sozinho, e sempre foi muito fechado.
— Eu nunca desisti. — Jiang Cheng falou, depois de uma pausa. — Eu continuei indo de um lado a outro nos recifes, mesmo depois de fazer 18 anos. Pra dizer a verdade, eu sempre tive esperança... Mas com a demora, a gente vai perdendo essa esperança pouco a pouco.
— Eu consigo imaginar. — Lan Xichen disse. — Eu espero... Você merece uma chance de ter uma ligação como essa. Você é uma pessoa boa, que tem feito de tudo por mim sem ao menos me conhecer direito... e por Baizhu que não tinha nada a ver com você...
— Até ter, não é mesmo? Eu nunca deixaria um filho dessa forma, mesmo que eu não o tenha gerado... — Jiang Cheng suspirou, colocando os pensamentos no lugar novamente. — Eu amo Baizhu. No momento em que a gente recebe a outra parte de um imprinting parental, é impossível não sentir a responsabilidade pela felicidade daquela coisinha. E eu sabia que a dele dependia de você melhorar. Eu fico feliz em ver isso acontecendo diariamente, a felicidade de Baizhu é a minha.
— É por isso que eu acho que merece conhecer seu escolhido. Você é um ótimo pai. E tem sido um ótimo amigo. — Lan Xichen disse.
— Obrigado. Você também está sendo um ótimo pai. Você nunca desistiu dele, e é isso que importa. — Jiang Cheng falou.
— Eu sinto como se eu e Baizhu... Como se nós o estivéssemos impedindo de conhecer essa pessoa. — Lan Xichen falou depois de um tempo em silêncio.
— Não! — Jiang Cheng falou imediatamente. — Assim como você, seu irmão e nem o recife inteiro impediram seu tio de encontrar sua escolhida no momento certo, vocês nunca estariam me impedindo. Entenda que isso não é mais minha prioridade e que eu estaria satisfeito por toda a vida se apenas tiver Baizhu como filho. Eu já tinha feito as pazes com apenas ter sobrinhos! Ele me centrou num momento conturbado e enquanto precisar de mim, não será um sacrifício cuidar dele.
Jiang Cheng então foi pego completamente de surpresa ao ver Lan Xichen chorar. Ele ainda tinha Baizhu nos braços, e o pequeno se mexeu um pouco quando Lan Xichen o abraçou, mas não acordou. Jiang Cheng não sabia o que fazer. Ele então se aproximou de Lan Xichen, primeiro na intenção de pegar Lan Baizhu, com medo que ele tivesse sido o motivo para o choro.
Quando chegou mais perto, entretanto, ele viu que Lan Xichen ainda olhava Baizhu com ternura, mesmo que as lágrimas ainda manchassem seus olhos de vermelho. Jiang Cheng então mudou sua estratégia e, enchendo-se de coragem, passou seus braços pela cintura de Lan Xichen e o abraçou, fazendo um sanduíche de Baizhu.
Era tão acalentador ter os dois em seus braços que Jiang Cheng quase começou a chorar também. Ele parecia completo. Uma de suas mãos subiu pelas costas largas de Lan Xichen e se enterraram em seus cabelos, puxando sua cabeça para repousar em seu ombro. Lan Xichen parecia ter começado a chorar ainda mais. Ele não sabia o que fazer para ajudá-lo, mas talvez ele não precisasse. Às vezes, a pessoa só precisava chorar.
Com uma de suas mãos circulando as costas de Lan Xichen delicadamente, Jiang Cheng passou alguns minutos daquele jeito. Seu espírito quase saiu do corpo do susto que levou quando a cauda de Lan Xichen circulou a sua.
— Você está fazendo isso ser quase impossível... — ele ouviu Lan Xichen falar.
— O-O que...? — ele se perguntou em voz alta.
— Não me apaixonar por você. — Lan Xichen falou. — Eu sou um homem quebrado, Jiang Cheng, e você merece muito mais que uma família quebrada.
— Isso não é você quem decide... — Jiang Cheng falou calmamente. Ele não sabia de onde estava tirando tanta calma. — Se eu decidir que é exatamente essa família quebrada que eu quero, o que você faria? Se disser que eu quero consertá-la até que ela não esteja mais quebrada?
— Eu não sei se... agora... eu conseguiria...
— Não precisa ser agora. Eu já esperei mais de 6 anos, e espero muito mais se precisar. — Jiang Cheng falou. — Apenas não se feche como seu tio fez.
Ele sentiu o movimento positivo da cabeça de Xichen em seu ombro. Talvez, apenas talvez, ele estivesse indo rápido demais. Talvez sentir Lan Xichen em seus braços o havia dado uma certeza que ele nunca havia se permitido sentir. A certeza de que estava fazendo a coisa certa e que ele era capaz de continuar fazendo isso por toda a vida.
Era assim que você se sentia quando encontrava seu escolhido?
Era assim que Wei Wuxian e Lan Wangji se sentiam? E Jiang Yanli e Jin Zixuan?
Todos falavam sobre como encontrar seu escolhido era uma sensação boa, uma certeza de que aquela era a pessoa certa, mas ninguém sabia realmente descrever a sensação. Apenas parecia certo. E Jiang Cheng não podia mentir, sentir Lan Xichen e Lan Baizhu em seu abraço parecia certo. Era um sentimento único de euforia e certeza e até confiança na sua capacidade de estar ali por eles, de protegê-los quando fosse necessário e de garantir a felicidade dos dois.
Se Jiang Cheng teve que esconder seu choro naquele momento, ele nunca confessaria. Tudo o que ele esteve buscando todo esse tempo estava em seus braços agora. E cada segundo que passava, ele tinha mais certeza. Mas e agora?
Bem, agora, ele teria que trabalhar para fazer Lan Xichen ver e aceitar que ele era tudo o que Jiang Cheng queria. Que o fato dele estar quebrado não diminuía a admiração que sentia por ele. Que se sua bagagem ficasse pesada demais para carregar, Jiang Cheng estaria ali, pronto para ajudá-lo.
E era isso que ele ia fazer.
-x-
[1]Como eles vivem no fundo do mar, eu achei que fazia mais sentido que o símbolo dos Lan fossem ondas, não nuvens. hehe