SHE PLAYS BASS, reggie peters

By bitheway-

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Bem, acho que arranhar um joelho é melhor do que estar morta, certo? Reggie tenta convencer ... More

. . . 𝐬𝐡𝐞 𝐩𝐥𝐚𝐲𝐬 𝐛𝐚𝐬𝐬
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01. " training wheels "
                                                                                   
                                                                                

Assim como Pablo Picasso — e apesar de ter certa rejeição à comparação — Juno Navarro está passando por sua Fase Azul. Seu cabelo foi de preto a dourado, a turquesa. Morena desde o nascimento; loira para a terapia em grupo; azul para o Renascimento.

Prepotência à parte, Juno está começando o processo de criação de seu primeiro álbum musical — com direito a arte indie de capa, nome artístico e uma boa dose de referências aos anos 90 (a começar pelas tranças em seus cabelos e a apatia em seu rosto). O que começou como uma distração ao gravar músicas de baixa qualidade em seu quarto e postar no SoundCloud, virou seu ideal de carreira. Por isso, depois da escola, ela foi à casa de Luca, o verdadeiro artista visual da história, para discutir alguns detalhes de seu novo videoclipe amador.

O caminho de volta para casa no fim da tarde é um desafio à parte. Só nesse último ano foi que Juno aprendeu a andar de bicicleta (sim, aos dezesseis anos, mas não espalha por aí) — e por aprender, entende-se "pedalar com força total para que ela não tenha tempo de perder o equilíbrio".

A questão é que vivemos em uma sociedade. Ugh, eu sei. Mas, como sociedade, precisamos de empatia. Portanto, Juno não é aconselhada a atropelar pedestres em suas caminhadas vespertinas com seus cachorros caros, embora seja exatamente isso o que ela faz. Zigue-zagueando pela calçada ou no meio da rua porque ela ainda não descobriu as linhas retas, Juno tem a impressionante habilidade de desviar de obstáculos no último milissegundo possível.

Sendo assim, é seguro dizer que nenhum acidente de bicicleta jamais aconteceu em sua presença.

Até agora.

Ela precisava atravessar a rua, só isso! E ela jura que olhou para os dois lados. Mas não, não, não — um fantasma tinha que aparecer na frente dela sem aviso prévio! De todo modo, Juno agora está caída de cara no chão e a trilha sonora são os motoristas enfurecidos e suas buzinas. Felizmente, sua mente é brilhante o suficiente para lembrá-la de usar shorts debaixo da saia.

A garota vira de costas contra o chão duro e primeiro repara que não atropelou ninguém. Bem, ninguém é um termo impreciso. Ela atropelou alguma coisa, que agora já dissolvera sabe-se lá para onde. Mas o mais importante: nenhum cachorro foi ferido.

Em seguida, ela se senta para olhar ao redor, analisando o tamanho do constrangimento que passou. Ótimo, não só uma quantidade regular de carros e pessoas foram testemunhas disso, como ela caiu em frente à casa de sua colega de escola; vamos classificar como: Constrangimento Médio.

Por último, ela procura por ferimentos, o que Juno quase se esquece de fazer já que, apesar das circunstâncias, ela se sente muito bem. Suas mãos ardem, mas nada denuncia o corte que ela tem na perna. O momento em que ela olha o sangue escorrendo é quando seu joelho começa a doer. O poder do cérebro, não é mesmo?

Ela fica de pé e respira fundo.

— Isso ainda é melhor do que estar morta.

E ela admite que escolheu essas palavras especificamente para o caso de o fantasma ainda poder ouvi-la.

Normalmente, quando os filhos contam aos pais que algum fantasma está embaixo da cama ou uma onda de azar os atingiu, os pais ignoram. Certamente, não sua família. Com uma mãe supersticiosa, tudo que ela pode esperar como reação depois de vê-la nesse estado decadente é um longo sermão e aquele olhar que quer dizer "então, você ainda está amaldiçoada?". A menina concorda, no entanto. Na maioria das vezes, Juno se sente amaldiçoada.

De toda forma, para encurtar o tempo da bronca, ela tem duas opções: parar em um bar aleatório onde a deixariam usar o banheiro sem precisar comprar nada ooou bater na porta dos Molina como se fosse uma emergência tão séria quanto quebrar a perna.

Claro que a casa de Julie tem mais benefícios, é um ambiente seguro e a família dela é super legal (pelo que Juno pôde notar à distância). A questão é que ela só sabe que esta é a casa de Julie por causa dos muitos momentos em que, voltando da casa de Luca, ela viu a garota abrir o portão. Elas são colegas, no máximo. As duas se vêem nas aulas de música e dança, além de cruzarem caminhos nos corredores, mas não mais do que isso. Nenhum projeto juntas. Nenhuma noite de filmes.

Então, quão patética Juno ficaria batendo em sua porta simplesmente porque ela precisa de rodinhas para sobreviver?

Se bem que por outro lado... ela sempre quis se aproximar de Julie. Por nenhuma razão especial! Sério. Só, você sabe, para conhecê-la.

Assim, com sangue escorrendo até o tornozelo, ela deixa a bicicleta na entrada e sobe os degraus. Juno aperta a campainha e se distrai com a manga do suéter até o pai de Julie abrir a porta. O homem grisalho a recebe com um sorriso brilhante e olhos amáveis, mas suas sobrancelhas se franzem ao perceber a aparência desgrenhada da garota.

— Boa noite, Sr. Molina. Desculpa aparecer sem avisar, sou colega de escola da Julie.

— Ah, sim — ele estende a mão para cumprimentá-la. — Precisando de ajuda?

— É, algo do tipo. Eu caí perto daqui e pensei que deveria tentar a sorte. Quer dizer, se não tiver nenhum problema.

Ele dá um passo para trás, deixando Juno entrar. Ela avista um garotinho sentado à bancada da cozinha entretido demais com o tablet para notar sua presença.

— Então, uhn... — o homem a olha em expectativa.

— Juno.

— Juno, a Julie está na garagem agora. Você pode ir lá se quiser, só vou encontrar o kit de emergência primeiro.

Ficam apenas ela e o menino sem nome agora, que finalmente olha para cima e abre a boca surpreso.

— Isso é um dragão chinês?

Juno olha para baixo, onde um cordão preto segura um pequeno pingente em seu pescoço. Não é a única corrente que ela tem; muito menos o único amuleto que ela carrega ou vê ao longo do dia, mas talvez seja um de seus favoritos.

— É para trazer boa sorte — ela afirma e o menino assente ansiosamente. — Mas olhando a situação, acho que não estou usando direito.

O pai de Julie volta com uma caixa branca com itens de primeiros-socorros e aponta para onde fica o banheiro. Juno limpa o sangue seco da perna, mas sua meia já está arruinada. Ela remenda as feridas e vai para os fundos da casa pensando em uma centena de maneiras de explicar tudo isso.

— Oi, Jules! Posso te chamar de Jules, certo? Eu 'tava pedalando aqui na rua e que coincidência eu ter comido asfalto bem na frente da sua casa. Enfim, seu pai disse que "os amigos da minha filha são os amigos da família", por isso estou andando por aí sem supervisão.

Esse não é um de seus melhores dias, honestamente.

Quando ela chega, o estúdio parece vazio.

— Toc toc — diz sem conseguir evitar. — Tem alguém aí?

Há uma movimentação no andar superior e o rosto de Julie Molina aparece com a testa franzida. Ela parece demorar alguns segundos para reconhecer a outra garota, mas quando o faz, ela oferece um singelo sorriso. Sem dar tempo para Juno esclarecer nada, Julie prontamente desce as escadas.

— Juniper? Que surpresa — ela abaixa o olhar para a bandagem em seu joelho. — Nossa, você 'tá bem?

— Sim, sim, isso é... seu pai me deixou entrar.

Julie coloca uma mecha de cabelo cacheado atrás da orelha.

— Isso é ótimo, não se preocupe. Eu só... teria sido melhor se você tivesse vindo outro dia, agora eu 'tô encaixotando umas coisas empoeiradas.

— Posso te ajudar — Juno olha por cima do ombro da garota, para o piano de cauda em destaque na sala, e se lembra de como Julie correra para fora da sala durante a aula de música naquela manhã; sobre algo relacionado à sua falecida mãe. Talvez isso seja mais particular do que apenas encaixotar tralhas. — Se você quiser, é claro. Você parece bem ocupada.

Julie olha para trás também, antes de sorrir novamente.

— Na verdade, acabei de encontrar um CD Demo de uma banda velha que nunca ouvi falar. Quer ouvir?

Ouvir música duvidosa em um estúdio improvisado com sofás confortáveis e uma garota que em dois anos só conversou sobre o clima com ela? Parece mais provável do que ela imaginava.

As duas se sentam lado a lado quando a bateria começa a tocar; uma voz masculina canta e, apesar de não ser um estilo musical que Juno escolheria, ele soa bem. Isso até que um som horrível corta a música, fazendo as garotas se encolherem. Em uma explosão de luz, três adolescentes gritando caem do nada na frente delas. As duas pulam do sofá e observam os meninos perdidos se levantarem do chão.

Lá vamos nós de novo.

— Como chegamos aqui? — o fantasma no meio pergunta.

E então, Julie começa a gritar. E os meninos começam a gritar. E Juno sente que também deveria estar gritando, mas não, é muito mais engraçado só continuar assistindo.

Julie dispara para fora da garagem, deixando Juno para trás.

— Era pra eu ter seguido ou... — ela dá um passo à frente, depois para. — Quer saber, eu só vou... esperar ela aqui. Amadora.

Os três fantasmas ainda estão parados no meio da sala, e ela tem que admitir, eles são bonitos. Julie tirou a sorte grande, o primeiro fantasma que Juno viu não fora muito agradável de se olhar.

À direita, o loiro de moletom rosa parece preocupado com o estado físico dela, olhando de esguelha para o sangue manchando sua roupa; o do meio tem um corte de cabelo direto de uma revista adolescente de 2010 e uma expressão confiante no rosto, como se a presença deles fosse um privilégio; e na outra ponta, um garoto de estilo punk-rock olha para Juno fascinado — como se ela fosse o fantasma.

— Nosso primeiro encontro foi legal e tudo o mais, — o do meio diz, cruzando os braços, — mas agora, se você nos der licença — ele aponta para a porta com a cabeça.

Juno Navarro, que já lidou com fantasmas mais folgados do que esse, volta a se sentar no sofá e se atenta ao esmalte desgastado em suas unhas.

— Não é você quem decide se devo ir.

— Claro que é. É o nosso estúdio!

— Nesse caso, voto para ela ficar! — rebate o menino punk, levantando a mão.

— Talvez tenha sido um dia — Juno responde, ignorando a declaração do outro. — Mas você precisa aprender a abrir mão das coisas que não pode mais ter. Assombrar casas é coisa de gente desocupada.

— Espera, então pra você 'tá tudo bem que somos fantasmas? — o loiro pergunta.

— "Bem" é uma palavra forte.

— Você já viu outros fantasmas antes? — o Punk se aproxima com entusiasmo.

Juno se inclina ainda mais contra o sofá.

— Sim. Não que eu veja todos os fantasmas que existem, mas tenho algo que chamaria de radar de alta sensibilidade para mortos chatos.

— Isso é impressionante! — seu rosto brilha com admiração, contrastando completamente com suas roupas pretas e pena de pós-morte.

— Você é o morto chato, Reggie — o do meio diz, andando pela garagem.

— Ah, é mesmo. Que honra.

Um deles aponta para o andar de cima e os três se teletransportam. Eles parecem ter uma grande familiaridade com o lugar, mas isso só significa que suas mortes não são tão recentes quantos parecem acreditar.

Minutos depois, Julie aparece caminhando lenta e cautelosamente com os braços erguidos e uma cruz nas mãos.

— Juniper, por que você não fugiu? A menos que você não tenha visto nada. Por favor, me diga que não sou louca.

Mas os meninos aparecem de novo, e o cara do cabelo de 2010 responde primeiro:

— Bem, somos todos um pouco loucos.

Julie grita de novo.

— Meu Deus! Por favor, para de gritar!

— Quem são vocês e o que fazem no estúdio da minha mãe?

— Estúdio da sua mãe? Este é o nosso estúdio, acredite em mim — o garoto anda de costas, se esquivando da cruz, e acaba procurando refúgio em cima do piano. — O piano de cauda é novo e... meu sofá! — ele ri e pula ao lado de Juno.

Ele olha ao redor e algo parece pairar em sua mente.

— Você pode me dar apenas um segundo? Só me dá um segundo. Obrigado.

Os três se reúnem em um quase círculo e parecem não entender o conceito de sussurrar. Julie não deixa a pose defensiva; seus olhos grandes atrás das lentes dos óculos como um animal encurralado pelo farol de um carro.

— Você 'tá vendo eles? — Julie murmura para Juno.

— Vendo e ouvindo — ela se levanta e anda até a outra garota. — Eu não sou uma bruxa, Reggie.

— Ela até sabe meu nome! — Juno ouve ele exclamar.

— Porque Luke contou pra ela! Olha, deixa alguém com um jeitinho mais suave cuidar disso.

O menino loiro caminha devagar na direção das garotas, olhando para o chão timidamente, antes de gritar:

— Porquê vocês estão no nosso estúdio?!

Juno cruza os braços e Julie tenta acertar o fantasma com a cruz, mas sua mão atravessa o corpo do rapaz igual fumaça.

— Como você fez isso?

— Claramente, você não está- ela não entendeu. Ta bom, nós somos fantasmas, certo? Somos apenas três fantasmas, e estamos muito felizes de estarmos em casa. Então, obrigado pelas flores, elas realmente iluminam o lugar.

— Estamos numa banda chamada Sunset Curve — quem ela supõe se chamar Luke diz.

— Espalha pros amigos.

— A noite passada deveria ser uma grande noite para nós. Isso mudaria nossas vidas.

O loiro se inclina na direção do amigo:

— Eu, uh, tenho certeza que mudou.

Julie tira o celular do bolso e Luke se aproxima, evitando a cruz ainda apontada para o seu peito.

— O que é isso? O que você 'tá fazendo?

— É meu telefone — Julie balança a cabeça. — Não, para de falar com eles, eles não são reais. Não existem fantasmas bonitos.

— Acha que somos bonitos? — Reggie sorri.

— Definitivamente pode ser uma alucinação coletiva — Juno diz com sarcasmo. — Como aquelas pessoas na França que dançaram até morrer.

— Pra quem você 'tá ligando? — o outro menino pergunta, abraçando a si mesmo e o moletom confortável.

— Estou procurando Sunset Swerve no Google.

Sunset Curve! — eles corrigem em unissono.

Juno olha por cima do ombro de Julie para ler o artigo. Uma foto dos três garotos e um quarto integrante ocupa a maior parte da tela.

— Uau, existe uma Sunset Curve. Vocês morreram. Mas não ontem à noite — ela hesita. — Vinte e cinco anos atrás?

— O que? Não, não, não, isso é impossível — Reggie balança a cabeça. — Depois que flutuamos para fora da ambulância, tudo o que fizemos foi ir para aquela sala escura estranha onde Alex ficou chorando.

Bem, eu não acho... — a voz do loiro, Alex, fica tão aguda que Juno desconfia que apenas cães podem ouvir. — Acho que estávamos todos muito chateados, ok?

— Mas isso durou só uma hora. Acabamos de aparecer aqui — Luke insiste.

— Olha, só 'tô dizendo o que meu telefone mostra — Julie vira a tela para que eles possam ler. — Vocês morreram em 1995. Quando tinham dezessete anos. Agora é 2020.

— Como pode ser? Ela se parece exatamente com alguém que parou nos anos 90 - Reggie diz, apontando para Juno dos pés à cabeça. — A propósito, amei seu cabelo. E seus olhos. E suas sardas.

Alex o acerta nas costelas com o cotovelo e Juno sorri antes de voltar instintivamente à feição séria. Não dê confiança a ele.

— Eu chorei por vinte e cinco anos? Como isso é possível?

— Você é uma pessoa muito emocional.

— Não sou não!

O irmãozinho de Julie entra no estúdio sem a menor ideia de que os fantasmas estão mesmo ali, zombando da irmã. Ele chama as meninas para o jantar, o que é a deixa para Juno se despedir.

— Isso foi divertido, devíamos fazer isso mais vezes. Exceto pela parte do CD possuído.

— Eu prometo que meu estoque de itens possuídos acabou — Julie ri constrangida, colocando as mãos nos bolsos da calça. Ela para, e se vira novamente na direção dos garotos. — Eu sinto muito pelo que aconteceu, mas esse estúdio não é mais de vocês. Vocês precisam ir embora.

— Mas espera — Luke chama. — Ainda nem sabemos os seus nomes.

— É Julie.

— E você é... Jupiter? — o fantasma "não tão ruim" (que acaba de perder sua posição no ranking pelo erro) pergunta.

É Juniper — Julie corrige, sua postura defensiva surpreendendo a colega.

— Eu prefiro Juno, na verdade. Não que isso importe para vocês três, — ela aponta para os fantasmas, — porque espero que vocês encontrem a luz no fim do túnel em breve.

Juno se despede inclinando a aba de seu chapéu invisível como um cavalheiro.

— Desejo toda a sorte do mundo, e até nunca mais.


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