Deusas que caminham pela Terra
A reunião com Bento Ferrari havia esgotado Catharina em absoluto.
Ela não estava brincando quando disse ao chefe que estava se sentindo entregue ao deus do mundo da moda numa bandeja de prata, mas a lealdade à Martim e tudo o que ele já fizera por ela e sua carreira, a impediam de deixá-lo na mão.
Ele falava em mudanças há mais de um ano e já implementara várias coisas, mas a reformulação mais profunda dependeria dessa nova contratação e se tudo o que ele precisava era que ela fizesse aquela maldita matéria e satisfizesse a direção-geral com o marketing muito bem pago, então era o que ela faria.
Mesmo que se estômago doesse por conter tantas vezes a vontade de gritar na cara do canalha Ferrari que ele era um porco machista e salafrário.
Céus, como é que a Linda conseguia trabalhar para aquele cara???
Batendo o olho na área da piscina, estranhou a ausência de descasados por ali e subindo para o apartamento, já retirando o casaco e o salto, ela ouviu o barulho de risos e reclamações, vindos da sala, ainda no último lance de escadas:
___ Vocês não estão vendo nenhum vídeo de sacanagem não, né? — disparou, ainda no corredor e quando chegou ao batente da porta da sala, de todos os que estavam espalhados pelos sofás, poltronas e tapete, seus olhos se depararam primeiro com o verde intenso dos do novo membro da equipe.
___ É um costume por aqui? Porque se for, não deixem de me chamar da próxima vez!!! — o comentário de Crau fez diversas almofadas viajarem, na direção dele, fazendo-os todos cair no riso.
___ Pera aí pessoal! Me deixem explicar para a intrépida jornalista o que ta rolando: é que eu e a Linda trouxemos uma seleção de modelos que possivelmente estarão no desfile...
___ E é claro que tínhamos que analisar o material, experts como somos em mulher bonita e tal! — foi a vez de Dre levar almofadadas das presentes.
___ Com tão pouca opinião feminina? — claro que Catharina reclamou.
___ Três mulheres são mais do que suficiente! Aliás, as únicas três com cérebro suficiente para admitir que existem deusas que caminham disfarçadas de seres humanos, já que são algumas delas!!! — babou Marquinhos, chalando as garotas.
___ Não sei se me sinto elogiada ou ofendida! — Agnes suspirou.
___ Elogiada, sempre! — Crau interveio — E por falar em deusas que caminham entre nós — assoviou exageradamente — Cathy Batista, que visão!
Ela ficou com vergonha do elogio, mas nunca admitiria em frente aos descasados, sob pena de sofrer as consequências, então simplesmente ergueu a bolsa e os sapatos para o alto, dando uma voltinha, causando uma zoeira de gritos e assovios.
Somente Eros manteve o silêncio, mas não porque não estivesse concordando em gênero, número e grau com os demais. Ele apenas ainda não se sentia íntimo o suficiente para tanto!
___ Você não usou a roupa que eu deixei na sua cama! — Linda reclamou.
___ Eu não fui a um encontro, acho que você se esqueceu disso!
___ Mas tinha que usar o concorrente?
Somente então Cathy percebeu isso e sentiu-se ainda mais poderosa diante daquele fajuto deus do mundo da moda.
___ Tenho que admitir que neste momento, sinto uma alegria inédita pelo fato da minha mãe ser consumista e viver trocando as peças do meu guarda roupa sem a minha autorização!
Todos os que sabiam do longo e incessante período de guerra entre a Sra. Batista e sua filha sobre o consumo exagerado, caíram no riso.
___ Tá, vou acreditar que você não fez de propósito! — Linda estava inconformada.
___ Isso mesmo Cathy, mostre ao pulha o que ele nunca vai ter!!! — Pam berrou, fazendo o sinal de poder as mulheres.
Cathy apenas assentiu, desviando os olhos da grávida do cenourão para o homenzarrão ao seu lado.
___ Já conheceu o Eros, né? — Linda perguntou, vendo ambos fazer um longo gesto positivo de cabeça.
___ Tá vendo? Lá na redação eu dou a notícia, aqui, eu sou a notícia! — brincou, vendo-o sorrir de forma encantadora — Agora me dêem licença, povo do cenourão, porque eu estou chique e linda, mas meus pés estão me matando e eu preciso de um banho pra me livrar do ranço da alta sociedade!
___ Seja rápida Cat, precisamos de você aqui pra pedir a comida!
O pedido de Dre foi insuspeito para Eros e Crau — ele só a obrigava a ligar para a pizzaria porque o dono sempre dava um desconto para a garota "mais gentil e educada" que ele já havia ouvido ao telefone e Cathy só se deixava ser usada para esse papel, porque sabia o quanto todo mundo andava duro ultimamente.
___ Uma última declaração antes de sair, parceiro: tome muito cuidado com essa turma, eles são contagiosos!
Eros agradeceu o aviso, envolto numa descontração que o fez sentir-se um velho conhecido de todos ali — agradeceu em pensamento a insistência de Crau para que ele se enfiasse no apartamento da nova parceira, o que ele não queria fazer de início.
Claro que Linda a seguiu quase que imediatamente, deixando o burburinho da sala e abrindo a porta do quarto que ela fechara. As roupas jogadas sobre a cama mostravam que ela já estava debaixo do chuveiro — nossa, ela devia estar falando realmente sério quando falou em tirar o ranço.
___ E então, como foi? — perguntou, encostando na bancada que continha a pia e vendo a amiga em baixo do chuveiro pelo box blindex, era embaçado na parte de baixo e transparente em cima.
___ Aquele cara é uma piada! — Cathy espremia os cabelos, tirando o excesso de água e espuma — Me secou descaradamente o tempo todo e quando ficamos um segundo a sós, já veio passando a mão no meu cabelo!
___ A sós???
___ Droga de uber que demorou mais de 5 minutos e ele me agarrou da calçada e me jogou para dentro da sua SUV antes que eu pudesse reclamar!
___ Mesmo, que emoção!!!
___ Assédio agora é emoção???
___ Ah não força Cathy!!! — era sempre assim — Mas como isso??? E você?! — Linda não podia ter ficado mais empolgada.
___ Aí é que tá o mais ridículo... – fechou os olhos, enxaguando o condicionar — Eu travei, fiquei tão besta com a ousadia que não consegui colocá-lo imediatamente no seu lugar!
___ Eu falei que esse homem tem poder!
___ Claro que não foi por ele! — ela não sabia como explicar.
Linda lançou-lhe um olhar desconfiado, e suspeitando disso, ela continuou:
___ Eu fiquei sem ação! Não sabia o que dizer! Estou acostumada aos homens mantendo uma certa distância segura de mim, afinal... — ela sabia que não era o motivo, mas simplesmente não sabia o que dizer — Se não fosse o motorista ter aparecido, ele teria me tocado e eu teria lhe aplicado um golpe de imobilização e a essa altura, ele estaria com o olho roxo e eu demitida!
___ Eu não disse que o poder dele era para o bem, mas...
Ela deixou a água cair sobre sua cabeça, sem dizer nada.
___ Fora que, aqui entre nós, além de você ter feito a besteira de experimentar apenas uma opção, já faz teeeempo que você não sabe o que é... — fez uns gestos ininteligíveis com a mão.
___ Linda! — a repreendeu, mas sua mente respondeu imediatamente: "três anos".
___ Sabe o que eu acho? Que você devia estar feliz por estar se interessando por alguém!
___ Interessando?!? Você não ouviu a parte em que eu disse que o Ferrari é uma piada e eu pensei em mil jeitos de imobilizar e calar a boca idiota dele, durante toda a tortura que foi essa ridícula reunião???
Linda desistiu de argumentar. Quando Cathy fazia o número do "pouco caso", era impossível tentar convencê-la de alguma coisa.
___ Tá esquece isso, por enquanto. — a seguiu até o closet, onde ela já se vestia com roupas mais confortáveis — 'Cê viu quem eu trouxe aí pra sala?
Cathy apenas a olhou, inconformada.
___ Vai me dizer que eu não tinha razão? — ao ouvi-la continuar em silêncio, prosseguiu — Beleza de deus romano, simplicidade de menino da fazenda! — suspirou — E sex appeal baby!!!
Cathy ignorou a exclamação acompanhada de uma inspiração típica dos tarados que trabalhavam na construção civil — Linda tinha esse poder.
___ Eu não paro de dar gafe atrás de gafe perto dele, desde o exato momento em que eu o conheci lá na redação! — só rindo mesmo.
___ O que melhor para ele se inteirar das complexidades da sua nova parceira?
___ Complexidades? Que forma mais bonita de me descrever Linda, obrigada! Eu mesma não teria achado descrição melhor! — ironizou e terminou de enxugar os cabelos, já vestindo uma blusinha tomara que caia e calcinhas de algodão com desenhos infantis — O cara vai achar que eu tô mesmo tendo um caso com o Bento Ferrari!
___ Hum, ela já tá se importando com o que ele vai pensar!
Cathy passou por ela, reclamando algo que ela não entendeu, e seguiu de volta para o banheiro.
Claro que Linda voltou para a sala — ela sabia que a chegada do novo fotógrafo era algo para se celebrar, jamais se preocuparia com o que ele iria pensar das loucuras dos descasados, ou da própria colega de redação.
Para ela, o italiano gostosão tinha potencial suficiente para chamar a atenção de Catharina e era só nisso que ela queria pensar!