Entre Damas e Espadas

By LilyLinx

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Feéricos governam o reino de Awen, mas esse poder vem a custa de muito sangue, tramas e mentiras. Talvez o ma... More

Glossário
Prólogo
Capítulo 1: Lance perigoso
Capítulo 2 Faca cega
Capítulo 3: Corvos das montanhas
Capítulo 4 Limiar da Morte
Capítulo 5 : Urzais (Parte 1)
Capítulo 6: Urzais (Parte 2)
Capítulo 7: Pântano
Capítulo 9 - Quase jantar Caterida
Capítulo 10 - Tinto de Sangue
Capítulo 11 - Fora do Baralho
Capítulo 12: Ás de Espadas
Capítulo 13 - Jogos de Azar
Capítulo 14 - Animais feridos
Capítulo 15 - Mortalha Pálida
Capítulo 15 - Mortalha (Parte 2)
Capítulo 16 - A morte inebria seus sentidos
Capítulo 17: Castelos e ruinas
Segunda Rodada: O Carvalho e a Daninha
Capítulo 18: Nas Montanhas
Capítulo 19: Picanço
Capítulo 20: Limiar do Outono
Capítulo 21: Lâmina Sutil

Capítulo 8 : Correntes e Serpentes

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By LilyLinx

        Tinha um plano antes de chegar ali, tinha um plano. Ele se fora no instante que o feérico se apresentou.

– Ouvi dizer que afogou o rei numa banheira, estou curioso sobre o episódio – inquiriu o nobre feérico. 

      A tengu queria dizer que fora em um lago artificial, mas não achou pertinente.

      Deu com os ombros.

– Sõjobõ precisava tomar banho – respondeu apática

       Queria odiá-lo, havia nele uma magia assassina pulsando, uma ira fria que o mantinha de pé, cada ação calculada com potencial mortífero, se movendo com uma graça precisa e isso não podia deixar de admirar.

        A fala causal de Elawan não mudava o fato que estavam numa quente e mal iluminada sala de interrogatório e a tengu lamentava ter dado a ideia. As mãos da prisioneira não estavam amarradas, não era preciso, ninguém consciente tentaria fugir na presença do lorde do Fogo Encarnado, mas era de fato um erro, pois ela era alguém para fazer esse tipo de coisa. Elawan discretamente olhou para o sangue seco no canto da sala, era humano.

– Sõjo ficará feliz em saber que não matou os guardas tengu – comentou, uma apatia cativante. Se ao menos pudesse lhe socar o estômago – Bem, o garoto provavelmente vai morrer esta noite, o com cara de limão azedo. – Eirmi. – Du Naao não era de falar muito, mas conseguiu fazer insultos calorosos a sua pessoa. O outro vai sobreviver, mas você conseguiu fazer um belo estrago. – Elawan revirou os olhos. Nidaly apenas ouvia atentamente mantendo a cara fechada. Ela se esforçava para parecer desinteressada. – O pobre macho disse que você tinha assento no palácio de Sõjobõ, se é que dá para chamar aquilo de palácio, enfim, você era um membro de confiança e muito próxima ao rei, como ele falou mesmo? "Cadela (pra não dizer outra coisa) selvagem e traiçoeira que o rei alimentava da própria mesa" – O olhar de Nidaly caiu por terra. – Sõjo Sakebi também combina com essa descrição. Ele pode ser um príncipe no título, mas não vale nada. – O feérico afiou o olhar, um predador observando o que acreditava ser sua presa – Me diga, quanto você acha que está valendo?

     Mais que você, pensou.

– Dizem nas Montanhas Nebulosas que você matou o príncipe Cardiff e que foi por isso que a general Kara conseguiu tomar o trono de Awen. – Uma pitada de nojo recaiu sobre suas palavras.

      As sobrancelhas do macho se franziram enquanto a estudavam, a forma como tencionava os ombros, a mandíbula trincada, Nidaly venceu a rodada, ele estava claramente incomodado.

    Bufou.

– Também dizem que a rainha Kara luta tão bem que na verdade é um homem disfarçado, as pessoas contam a história mais conveniente para seus egos – retrucou – Tem razão, porém, quando diz que estamos em Awen, onde boatos não servem de evidência, quero dizer – Sorriu largamente – Você deixou o seu rei em sono profundo e ele ainda pode morrer segundo boatos, o que pelas nossas leis, requer punição imediata.

     Seu polegar correu pela garganta. Nidaly entendeu o recado. Por mais que se mantivesse impassível como fora treinada, não pode evitar engolir seco.

       Elawan pareceu ler seus pensamentos, captar a tensão enquanto ela se esforçava para respirar normalmente. Prosseguiu:

– Não gosto de coisas tão inconsistentes como palavras, entende? O tengu mais cedo disse que levaria você de volta às Montanhas Nebulosas e esperava minha colaboração, o que eu de fato disse que ia fazer quando o Sõjo me enviou uma mensagem – segredou.

      Nidaly não forçou surpresa.

      Elawan sentou-se na mesa que os separava pousando a mão sobre a perna.

– Contudo, estamos em Awen e bem... você vai descobrir sozinha. Então informei ao nobre soldado que não poderia permitir, afinal você foi capturada em minhas terras, invadindo-as diga-se de passagem, e por hora, cabe a mim julgar seu caso.

– Essas são suas leis?

– Minha palavra! De todo modo, estou em dúvida se envio suas asas como sinal de boa-fé ou a sua cabeça.

      Nidaly levantou com a cadeira a ranger no chão.

       Elawan permaneceu imóvel. Um sorriso diabólico pairou em seus lábios, sombras em sua face, seus olhos brilharam a luz dos archotes. E ali estava ela, fazendo exatamente o que ele queria. Suas narinas se dilataram deliberadamente.

– Teria que conseguir pegá-las primeiro – desafiou a mulher irascível – sozinho.

       Ele ergueu o dedo por sobre o lábio com o polegar apoiando o queixo, a estudou por alguns instantes com uma expressão indecifrável. Qualquer coisa poderia estar se passando em sua mente. Por fim, se ergueu e endireitou a postura.

       Nidaly engoliu seco.

      Ele era alto. Podia significar que também era mais lento.

      Talvez ela conseguisse chegar a porta de ferro, mas passar por ele estando tão perto... não era boa lutando em espaços confinados, ele era mais velho e tinha um poder perene em suas veias, um odor incandescente emanava dele e fazia os pelos da nuca de Nidaly se eriçarem. Afastou esses pensamentos, não poderia deixar transparecer qualquer incerteza.

– Dizem que você foi treinada pelo próprio rei tengu. Só um louco iria enfrentá-la sem um preparo equivalente. – Ele deu com os ombros e caminhou até a porta, dando as costas. Claramente ele não a tinha em tão alta conta assim. Já abria a fechadura quando olhou por sobre o ombro. – Talvez amanhã eu acorde inclinado a loucuras. 

        Sõjo teria dito até isso para Elawan, logo alguém que detesta com tanto afinco? Quanto mais pensava, menos sentido fazia a decisão do príncipe em alertar seu inimigo. Não importava. Talvez amanhã ele não acordasse, se o fizesse ela não estaria lá, podia ficar certo disso. O nobre feérico fechou a porta atrás de si e as chamas do archote dançaram e se apagaram de súbito.  

       O corredor estava repleto de sombras.

      Sorel aguardava pacientemente arrancando lascas da pele em volta das unhas até filetes de sangue brotassem de seus dedos, resmungando em pensamento. Gostaria de ter acompanhado Elawan no interrogatório da mulher-pássaro, mas o lorde a parou na porta.

– Se está com sono, já é mesmo hora de ir para cama – sussurrou o homem com gentileza ao seu ouvido, Sorel lhe sorriu e ele retribuiu deixando escapar uma sombra, um lampejo de preocupação em Elawan.

      Então, está me punindo por ter falhado no último interrogatório, concluiu a feérica sem nada dizer que seus lábios franzidos não acusassem.

      A feérica estava distraída com o mindinho esquerdo enfiado entre os dentes, não ouvia nada além da porta de ferro e Marbla parecia ter se perdido a procura do vinho.

– Inari ainda está voando naquela monstruosidade alada superdesenvolvida? – pensou em voz alta, tomada de impaciência.

       A monstruosidade alada em questão era o wyvern trazido pelos gêmeos da Marca, serpes em dose dupla para ser mais precisa. Diferente do irmão que tivera a delicadeza pousar ao pôr-do-sol, quando as fogueiras do Maybh foram acesas, Inari continuava dar eventuais rasantes na extensão do rio que ameaçavam as fogueiras. A irmã da Senhora da Marca passava mais tempo no lombo das serpentes que qualquer um dos seus irmãos e Sorel já chegou a considerar que o sangue dela também era viperino.

        O ranger do metal a deixou alerta.

         Luz e sombras dançavam na face de Elawan quando deixou a tengu no espaço confinado. De sobrancelhas franzidas ele parou junto a feérica, mas seus pensamentos estavam envoltos em mistérios.

– Devia mesmo ir descansar para se recuperar... – O lábio superior de Sorel crispou. Com isso um sorriso morreu na garganta do lorde. ­– De todo modo, poderia acompanhar Inari até a mansão antes que destrua as festividades com aquela besta?

       Nojo se derramava da face de Elawan sem reservas quando citou o nome dela.

        Ignorando o desagrado da branah, o feérico se deteve apenas o bastante para afastar uma mecha do cabelo do rosto dela. Sorel reprovou sua atitude com vigor, ainda que acompanhasse a respiração contida dele. Por não mais que um momento a marca de uma tatuagem era um ponto de escuridão concreta sob o de linho suado da camisa.

– Se está repensando suas atitudes porque precisa de mim, então deveria se esforçar mais! Ainda está chateado pois não consegui ler a mente da tengu.

       O lorde deu com ombros e lhe ofereceu o braço, mesmo no rápido instante ele pareceu notar o efeito dos sapatos da feérica em seus pés que segundo ele, noutra ocasião, eram levemente tortos – ela negava com afinco.

– Não teria conseguido nem que tentasse por mil anos.

        Sorel ficou curiosa. Para seu desgosto, Elawan saboreava deixá-la nesse estado.

– A tengu pensa mesmo que matou Sõjobõ?! – disparou Sorel tentando reanimar o clima e si mesma. Gostaria de ser ela própria a tirar o sorriso daquela cara atrevida.

– Bem notado, talvez eu devesse contar... ou ir terminar o serviço, ainda não decidi.

         Sorel lançou um olhar ameaçador.

          Ela passou a mão por seu braço e começaram a seguir pelo corredor escuro. O lorde estava tomado por uma crescente impaciência, sua musculatura estava tensa. O que você devia fazer é dormir. Mas Sorel sabia que não seria ouvida nessa questão, Elawan era incapaz de dormir com ... Ele não dormia bem desde que Kervan reapareceu. Teve que tomar uma decisão difícil. Não que a feérica se importasse a esta altura.

      Os últimos dias haviam sido de amargor sem tamanho.

      Se ao menos Gal'win estivesse aqui.

       Estaria bebendo vinho dourado e recebendo uma massagem das mãos habilidosas do ladino. Quando lembrou que Inari e Tenno estavam ali, reconsiderou seu desejo, não sabia qual dos dois seria mais apressado em ir para a cama com o humano.

        A luz prateada da lua banhou suas faces chegando ao andar superior, o som do rio e do movimento agitado na noite lhe alcançaram. Sorel percebeu o que lhe dava sulcos de preocupação na face. Elawan já era um feérico veterano de guerras, fossem de campo ou palacianas, ele estava sempre preparado para batalhas, era de se esperar que estivesse cansado.

– Os fidalgotes estão se preparando para reunião – comentou incerta, quase com certo desdém – Achei que a carta de Sõjo tinha melhorado seu humor, feito você esquecer Kervan...

       Ele suspirou.

– Não se engane, adoraria poder esquecer o assunto, mas a história que o homem espalhou... – franziu o lábio, como sempre fazia quando queria conter as próprias palavras – teve que morrer com ele, Sorel. Ele teve que morrer.

        Não havia nada de triunfo em sua voz. Nada do nobre inabalável ou do feérico sanguinário, Elawan podia ser ambos, mas naquela noite, a sós com ela, era apenas ele, o guerreiro calculista, que no momento estava em desvantagem. Doía nela o pensamento do que estava em jogo, do que ele imaginava perder.

        Sorel passou o volumoso cabelo por sobre o ombro, trançando os fios. Seu olhar foi longe, no grande Carvalho Dourado ao centro da cidade-fractal destoando na noite com suas folhagens rubras se erguendo muito acima de todos os prédios. O ar estava colorido com o encorpado aroma de pães quentes e vinhos com ervas, no entroncamento do rio, a luz de lanternas e fogueira, com esforço era possível ouvir as pessoas festejando, sua música... música alegre. Sorel assentiu com a cabeça. Fora preciso. Não pela primeira e certamente não pela última vez.

– E a garota tengu? – perguntou depois de uma longa pausa – Achei que ia mandar a cabeça dela para Sõjo, o que mudou?

– Achei que era um plano de Sakebi para tomar o trono, mas depois da carta, aquele metido pedir ajuda a mim, preciso rir disso por mais um tempo. Se ela for aliada de Sõjo, então lhe enviaremos algumas penas de lembrança e os wyverns terão um belo jantar – refletiu em voz alta, mas não era como se Sorel não pudesse entrar em sua mente. Suspirou pesadamente. – A garota realmente odeia a raposa velha, o que me fez ter simpatia por ela. Realmente lamento que não tenha feito um bom trabalho em matar o rei. Mas teve a audácia de me desafiar, a mim. – Um sorriso surgiu em seus lábios e desapareceu igualmente rápido – Então lembrei do que Sakebi disse: Ele jamais seria capaz de matar o pai.

– Não confio nela, não consigo ler sua mente. Só porque não agiu em nome do príncipe não quer dizer que não esteja a serviço de alguém.

– Animais assustados veem em cada sombra seu caçador. Não somos presas, Sorel, não mais. – Seu tom dizia que não aceitaria discussão.

      Um silêncio moribundo se instalou entre eles.

       A feérica já começava enfiar as unhas nas feridas dos dedos. Lá em baixo, a prata que se derramava sobre a fonte era partido e agitado, o reflexo tomando mil formas líquidas que a consumiam. A branah observou pensativa, espirais se transformarem em rosas, setas e asas, o delicado véu de vestidos em danças agitadas. A lua nunca assumiu tantas formas quanto seu reflexo na fonte, foi chama e espuma, foi uma luta de espadas e por fim uma boca de dentes cavernosos, tão pálidos quanto sua fonte, foi explosão clara manchada por uma gota de escuridão, caída dos céus.

       O sangue da feérica também queimou em seu corpo, enquanto este estava gelado como as profundezas do rio, um gosto amargo tomou sua boca.

        Não precisou esperar para ver uma sombra de cinco metros ocultar a lua sobre suas cabeças enquanto tentava se erguer além da construção com dificuldade, para então, bater a calda contra uma fileira de ciprestes clamando de dor e cair pesadamente em meio ao pátio principal, fazendo o chão tremer sob seus pés e matando todos sons da mansão. Manchas de sangue negro se derramavam sobre a pedra alva no rastro de sua queda, como um céu noturno às avessas.

    O coração de Sorel parou um instante, mas logo martelava a galope contra o peito.

– Que porra é essa? – xingou a feérica.

       Um grasnido agudo os alcançou. Sorel lembrou do grito da banshee, contudo, este era feral e agonizante em cada nota.

– O wyvern de Tenno. – A serpe foi ferida! Como? O réptil estava preso no pátio oeste, ao lado do canil. Ninguém perambula pelo quintal de Klang ao cair da noite, ele protege a matilha. – Meus cães!

       Elawan estava entre o pálido e o irado, não se demorou a esperar Sorel que decidia onde ir. Se havia alguma coisa ao qual o feérico era devoto era sua criação, se estavam perigo...

     Por fim, a branah o estava seguindo quando ele deteve o passo.

– Vá até pátio com os guardas, mande a primeira pessoa que vir buscar Tenno... não, ele já estará lá. Quero todos os nobres dentro da mansão, já! – berrou a última parte.

        O pátio oeste dava direto para as macieiras no limite da cidade, também o ponto mais frágil de suas defesas de Liffey. O motivo para ter uma matilha de cães assassinos ali. Sorel queria perguntar, mas ele não lhe deu tempo.

        Estamos sob ataque?

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