Desde o Princípio - Livro 1...

By LSOliveira80

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Pode o destino entrelaçar de tal forma três caminhos ao ponto deles se cruzarem, vida após vida, causando int... More

Nota da Autora + Book Trailer e Aesthetics
Epígrafe
Coimbra, junho de 1849
Viarello, agosto de 1849
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Desde o Princípio - Andrógenos do século XXI
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Viarello, novembro de 1847
Coimbra, dezembro de 1847
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24

Capítulo 9

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By LSOliveira80

Ultrapassar dificuldades

___ Que história é essa de acertar uma cobertura de moda pelas minhas costas???

Martim já estava absolutamente acostumado com Cathy invadindo a sua sala em qualquer momento do dia.

___ Que você aceitou, eu espero.

___ Dei de cara com o Bento Ferrari hoje e ele não me deu outra opção! O que foi, dessa vez? Eu sei que a Mel anda com o filme meio queimado por causa daquele processo e tal, mas me jogar na fogueira assim, sem preparação?

___ Ele fez questão da sua presença, Cathy, e nós não podemos nos dar o luxo de perder a exclusividade sobre esse desfile, não agora, que acabei de criar asas e contratei um novo membro para a nossa equipe!

___ Eros Vicenzze? É já estou sabendo disso!

___ Mas... Como?

___ Sou Cathy Batista, chefe, eu sei de tudo! – claro que ela fez um ar superior e os dois acabaram caindo no riso em seguida – Mas que história é essa que o Ferrari fez questão? — ela o olhou com desconfiança — Ai, ai, tô vendo que isso não vai dar certo!

Ao vê-la agir daquela forma, Martim voltou a rir, divertidíssimo. Também conhecia muito bem o gênio de sua jornalista "revelação" e sabia que ela era capaz de tudo para se livrar de um assédio não profissional masculino.

E Bento, desde o início, não fez nenhuma questão de esconder que sua preferência por Catharina tinha algo de pessoal.

___ E não é pra achar graça! — reclamou, enfezando-se com o riso do chefe.

___ Querida, tudo o que eu posso lhe adiantar é que você não vai falar de moda, mas sim da forma espetacular como o senhor Ferrari construiu a sua fortuna e fazê-lo parecer muito, mas muito mais genial e interessante do que ele pode ser!

___ Está me dando as diretrizes da matéria também? Por que não a escreve você mesmo, então???

___ Cathy, Cathy... Piedade!!! — a forma como ele gesticulou sobre o hipotético corte de suas tão recentes asas fez com que ela começasse a rir novamente — Essa é só uma matéria, simples e ainda vai levar semanas pra publicarmos! E sua colega de apê não trabalha para o cara? Tenho certeza que pode ser uma fonte inesgotável de ideias!

___ As ideias da Linda me dão medo!

___ Mas me fala a verdade: como é que você soube sobre o Eros?

___ Tenho que manter a secrecidade sobre minha fontes! — ela pisca para ele, escondendo o fato de que tudo o que ela sabe sobre o membro da equipe é seu nome e sua descendência, mas não por muito tempo, claro!

Cathy continuou ali, conversando com seu editor sobre a matéria a respeito da violência contra mulheres, pela qual ela estava obcecada há meses, mas que ainda não tinha conseguido ir a fundo o suficiente nas investigações.

Mais tarde, quando adentrou o seu apartamento, deparou-se com uma cena não muito comum: no meio da sua sala, na direção da porta de vidro que dava para a varanda, havia uma enorme banheira redonda de plástico, azul bebê, repleta de água, galhos de plantas e pétalas de algumas flores.

Sem dizer nada, ela se aproximou da "macumba", vendo sobre quatro banquetas colocadas em torno do peculiar objeto, muitas velas brancas e um tipo de incenso, ainda apagados. Na parte de baixo, junto ao chão, flores campestres por todos os lados, tudo sobre um lençol branco.

___ Será que eu entrei no apartamento da Nes?!? — murmurou com um sorriso inconformado.

___ Encontrei a essência! Vamos entrar logo antes que água esfrie!!! — Nes adentrou correndo pelo corredor, envolta num robe, e quase tombou de susto quando viu Cathy perto da "banheira" — Santa Deusa!!! – berrou.

___ Saravá, minha mãe! — Cathy exclamou, rindo muito do susto de Nes — Que macumba é essa no meu apartamento?!?

___ Cathy! — Linda a repreendeu, vindo da direção dos quartos, também envolta num robe — Você não ia ficar até mais tarde hoje na redação?!?

___ Ah, nada como ser bem recebida de volta ao lar! — ironizou — Martim me obrigou a vir embora. Disse que eu estou ficando pra lá de obcecada com a matéria sobre a violência doméstica e que isso podia fazer de mim uma pessoa ainda mais neurótica, "se é que isso é possível"... — repetiu as palavras do chefe, parecendo desconsolada.

___ Eu acho que não... — sibilou Nes.

___ Mas, isso não dá o direito a vocês duas de fazerem essa macumba na sala! O que é isso?!? — apontou para a dita banheira.

___ Em primeiro lugar isso não é macumba! — Linda a repreendeu — É um ritual, um dos mais importantes da tradição!

___ Eu sabia que tinha a ver com sexo...

___ Cathy!!! — as duas berraram em uníssono.

___ Tá legal, um pouco... — Nes confessou.

___ Até tu, Nes! Eu pensei que estivesse mais concentrada nos aspectos obscuros da alma, não nos aspectos obscuros de certas partes da anatomia masculina!

___ E estou! O ritual é pra Linda, mas é que eu gosto tanto do banho da Deusa que decidi aproveitar um pouco... Você nunca sabe, não é mesmo?

Cathy balançou a cabeça negativamente, com um sorriso conformado.

___ É mudança de lua e a gente só precisa de um pouquinho de luz, só isso! — Linda explicou, tirando o robe e exibindo o belo corpo num biquíni branco.

___ Tá, eu nunca vou entender nada disso mesmo! — Cathy pegou a bolsa que tinha jogado sobre o sofá.

___ Você é bem-vinda a se unir a nós! — Nes nunca desistia de querer "convertê-la" também.

___ Não, acho que vou cozinhar na minha própria sujeira na banheira da minha suíte, mesmo... — provocou-as, se divertindo com o fato — Boa sorte, seja com o que quer que estejam fazendo!

___ Não vai haver nenhuma "consulta a fantasmas" hoje, se te deixa mais feliz! — Linda usou uma expressão da própria Cathy, zombadora.

Ela sempre dizia esse tipo de coisa quando via as amigas fazerem os rituais pra lá de estranhos da tradição que elas seguiam.

___ Tá legal, eu não vou atrapalhar, prefiro consultar meus próprios fantasmas no meu quarto. — Cathy deu um gole d'água na cozinha e vendo todas aquelas flores, seguiu pelo corredor.

___ É assim toda a santa vez, mas eu ainda não consigo deixar de me sentir decepcionada! — Linda cochichou.

___ Se ela tivesse noção... — Nes deixou escapar, arrependendo-se logo em seguida.

___ O quê?!? — Linda não se conteve — Você sabe de alguma coisa sobre a Cathy e ainda não me contou?!?

___ Não adiantaria nada! Eu não sou uma profetiza, e sim uma conselheira! Se ela não aceitar os meus conselhos, pode ser que nada do que eu disser aconteça.

___ Ah droga, bem que é verdade que a Deusa só dá os dons pra quem tem controle sobre eles... — a amiga se resignou, passando a se concentrar para o ritual.

A verdade era que depois que Linda havia conhecido Nes, ela imediatamente se interessou pela tradição que a amiga seguia e se iniciou nos caminhos secretos que levavam, segundo as palavras daquela, ao encontro com o lado feminino de Deus.

Agnes Andrade, por sua vez, era uma mulher de pele clara, cabelos louros e curtos, olhos extremamente intensos e tão azuis, que criavam um tipo de ilusão ótica que não permitia que a pessoa percebesse, olhando pra eles, a sua baixíssima estatura. Ou talvez, isso se desse ao fato dela possuir uma alma tão grande, que transcendia seu pequeno corpo.

Com o lado espiritual muito desenvolvido desde criança, era uma pessoa muito boa e doce, que sempre encantava a todos com suas vivências inacreditáveis. Ao ouvi-las, todos acabavam por acreditar também que o mundo espiritual existia, que era possível buscar, viver em paz com essa realidade.

Todos, menos Cathy, que nunca se deixou seduzir por esse assunto. Admirava Agnes, suas ideias de conscientização feminina, mas estava tão preocupava com o trabalho e tudo o que envolvia o mundo "material", que não tinha tempo pra pensar em tudo isso. Ou pelo menos usava essa desculpa para fazer de conta que nada daquilo existia, conviver com o podia ver já era complicado demais! Alegava em sua defesa.

A tradição de Nes não permitia rótulos, e por isso ela tanto os odiava, mas seus rituais muito simples, para entrar com contato a "Deusa", como ela fazia questão de chamar, já que nisso dividia com Cathy uma paixão inveterada pelo feminismo! A identificava como algo muito sutil entre o sagrado e o pagão.

Fechando a porta de seu quarto no intuito de realmente não atrapalhar o ritual, sabia o quanto as amigas levavam a sério esse tipo de coisa! Sentou-se na pequena escrivaninha colocada ao lado da porta francesa, em sua suíte, e ligou o computador, começando a pesquisar sobre o tal novo membro da equipe.

Encontrou muitas referências ao seu nome e de sua família – parecia que eles eram vinicultores em Vila Velha do Caminho Real e estavam indo para o mercado exterior com vinhos orgânicos de primeira, mas nenhuma fotografia do tal Eros.

Leu uma notícia sobre uma exposição que ele tinha promovido, cerca de dois anos antes, sobre os as construções históricas nas quais se baseavam os aspectos mitológicos do Portal dos Anjos, e as imagens expostas a fizeram crer que Martim tinha razão: o tal era um competente fotógrafo.

E também, alguém muito interessado em ficar atrás das câmeras. Não afeito às redes sociais, pelo que parecia.

Viajando nas imagens da Portal dos Anjos que estavam online e que eram assinadas por ele, Cathy ficou por algum tempo perdida naqueles locais, sua mente passando a viajar por lembranças e experimentando uma sensação quase que de nostalgia.

Foi então que ela abriu a gaveta e apanhou uma tela, que estava enrolada e presa com uma fita preta. Fechou o computador sem desligá-lo e retirou a fita devagar, e esticando o material denso, mas muito suave, perdeu-se na imagem escura, preta, cinza, branca e prateada, que era muito mais do que uma simples pintura: trazia as mais dolorosas lembranças de sua vida até então, seus próprios fantasmas, como ela mesma dissera.

Então, deixando-se levar por aquelas lembranças que tinham invadido a sua mente naquela tarde, sem pensar se elas tinham aparecido com tanta força por causa da passagem do tempo, das palavras proféticas da cigana impostora, da conversa sobre a matéria de Agnes ou das imagens que tinha acabado de ver, que lhe remeteram de alguma forma ao estilo ali recriado, Cathy permaneceu sentada ali, com as pernas sobre o móvel, a tela apoiada nelas e perdendo a noção do tempo.

Sentiu-se retirada subitamente de seus pensamentos quando a porta do quarto foi aberta vagarosamente por Linda.

___ Desculpa, eu achei que tivesse dormido com a luz acesa, estava tudo tão quieto... — ela começou, mas ao perceber a tela sobre as pernas de Catharina, lançou-a um olhar de reprovação — Eu não posso acreditar que você ainda não jogou isso fora!

Cathy ergueu os olhos para a amiga, numa expressão tão tranquila, que surpreendeu-a. Ainda estava meio que perdida num transe, e se perguntou se teria ficado assim por tanto tempo.

___ Por que ainda fica olhando pra isso? Pensando naquele...

___ Linda — interrompeu-a, ainda muito calma — Eu sei o que estou fazendo.

___ Pois pra mim parece que não! — a garota, não convencida, entrou de vez no quarto e sentou-se sobre a cama, vendo Cathy enrolar cuidadosamente a pintura e colocá-la de volta na gaveta—– É só uma curiosidade mórbida, mas, o que diabos você tá querendo fazer consigo mesma?

Voltando a cadeira giratória para a cama, Cathy enviou-lhe um sorriso indecifrável.

___ Sabe aquela história que a Nes contou uma vez, sobre o homem que vivia reclamando que sempre passava pelas mesmas dificuldades na vida, mas, na verdade, nunca havia as ultrapassado, por isso elas viviam se repetindo? — viu a amiga preocupada concordar com um gesto de cabeça, a amarrar o robe na cintura com força – É isso o que eu estou fazendo.

Linda estava boquiaberta.

___ Hey, você é a bruxa aqui, devia entender muito bem!!!

___ Cathy, corta essa e desembucha de uma vez, porque eu não vou sair daqui até que eu esteja convencida de que você não está ficando louca! — Linda falava sério, mas Cathy começou a rir.

___ É muito simples, minha preocupada Linda: se eu me livrar de tudo o que me faz lembrar do quanto eu sofri, talvez acabe caindo na mesma armadilha outra vez. — ganhou um ar sério — E eu não vou jogar isso fora até que eu tenha plena certeza de que eu já superei definitivamente. Quero manter isso aqui, bem perto, até que a mágoa, o ódio, a culpa, enfim, até que tudo isso desapareça por completo e essas cicatrizes se transformem em simples lembranças.

___ Faz sentido... — Linda sibilou, perdendo o seu ar desconfiado.

___ Aí então, eu juro pra você, nós vamos fazer uma grande fogueira com as obras do Anjo caído, um ritual de passagem perfeito, digno dessa sua tradição maluca! — sorriu, vendo a garota negra se levantar e dirigir-se até a porta em silêncio, para somente depois se voltar para Catharina e disparar, como só ela conseguia fazer:

___ Tudo bem, mas só se você jurar que vamos dançar nuas sob a luz da lua nesse ritual!

Ambas caíram no riso.

___ Eu sempre quis fazer isso, mas a Nes diz que é coisa de gente louca, não espiritualizada... — reclamou, dando de ombros como se a outra é que fosse a doida.

___ Então, nós temos um trato! 

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