Projeto Ontem

By LeoRidire

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Após a queda de uma aeronave extraterrestre não-tripulada que ficou conhecida apenas como "Artefato", uma org... More

Prólogo - Futuro Incerto
Capítulo 01 - Perdidos no Ontem
Capítulo 02 - Os Anjos de Deus

Capítulo 03 - Independência ou Morte

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By LeoRidire


Rio de Janeiro, 31 de Agosto de 1822...

Era o início da madrugada quando Danyel e Nádia se agachavam no mato junto com o trio de jovens escravos acompanhados por Hélio que não se incomodava em se esconder, já que somente os dois viajantes podiam vê-lo. Eles estavam em cima de uma ribanceira nas imediações do casarão da Baronesa de Sorocaba olhando o movimento dos capatazes que circulavam pelo perímetro.

Feitosa era ligeiramente corpulento na faixa dos seus cinquenta anos que trabalhava no interior da casa, mas, por ser também um abolicionista, ajudava escravos a fugir sempre que podia e secretamente os ensinava a ler. Ele subiu o pequeno barranco nos fundos do casarão de forma desengonçada Assim que alcançou o grupo, ele ficou trêmulo ao ver um homem branco e uma senhorita morena de cabelos estranhos junto com o trio de rapazes que ajudou a esconder nos últimos tempos.

O homem coçou a barba que marcava seu rosto rechonchudo e depois a careca em sinal de nervosismo, retirando do bolso, logo em seguida, um molho de chaves grandes presas em um aro de ferro ao mesmo tempo em que olhava viciosamente para os lados, com uma preocupação evidente de que alguém pudesse estar observando-os.

- Se formos pegos, vamos todos para a forca! – Avisou Feitosa num tom apreensivo que se misturava a um sotaque português quando estendeu a mão com as chaves.

- Nós lhe somos gratos por isso, mas preciso dizer algo ao senhor. Eles são mais gratos do que eu jamais poderei ser! – Disse Nádia pegando a chave e apontando para a senzala que ficava distante do casarão principal.

- Eu vou pra taverna... eu preciso de um álibi quando tudo acontecer e preciso de uma cachaça também. – Declarou o homem preparando-se para ir embora dali. – Deus os ajude...

- Eu também iria pro bar no lugar dele. O destino de boa parte da humanidade está nessa chave! – Comentou Hélio com uma dose de humor ácido, atraindo os olhares de reprovação dos únicos que podiam vê-lo. – Bom, enfim, melhor repassar os planos com os garotos, porque se tudo der errado quem paga o pato são eles.

- Certo... – Suspirou Danyel antes de se voltar para o trio de rapazes que o olhavam com ansiedade. – Vamos repassar o plano. Vocês vão com as chaves até a senzala e soltem todos que estiverem por lá! Depois, vão até o depósito e peguem todas as ferramentas de metal que puderem carregar.

- Vosmicê me perdoa, mas ainda não entendemos por que vamos precisar de ferramentas de metal. – Interrompeu Tomé confuso.

- Fugindo daqui, vocês vão para o Quilombo da Pedra do Sal que fica onde nós lhes dissemos. Permaneçam por lá por uns dias e depois sigam viagem para o Sul do país, mas vocês não vão poder usar as estradas principais! Está para acontecer um evento daqui uma semana e tudo vai ficar esquisito aqui na capital. Então vocês devem cortar caminho pelas terras dos índios. – Insistiu o cientista com a explicação do plano.

- Os aborígenes vão nos pegar, senhor! Eles são canibais e irracionais! – Protestou Matias muito preocupado com todo aquele plano. – Eles não têm alma!

- Se eu perguntar aos portugueses no casarão lá embaixo, você também não tem, garoto! – Replicou o holograma mesmo sabendo que não podia ser ouvido, mas, mesmo assim, externando sua impaciência. – Vamos logo com isso! Se a carta não chegar ao lugar certo até de manhã, vamos ter problemas de verdade!

- Calma. – Interferiu Nádia de um jeito frio e ambíguo que parecia se referir tanto ao companheiro holográfico quanto ao rapaz preocupado em sua frente. – Eles têm alma sim e têm tanto medo de vocês quanto vocês deles. As ferramentas de metal vão servir para negociar sua passagem pelo território deles. Chegando no Sul, procurem o amigo do Feitosa que ele vai providenciar cartas de alforria a vocês.

- Sei que vosmicês são anjos, mas estamos com medo. – Disse Francisco com a respiração acelerada de ansiedade. – Talvez não devessem ter dado o arcabuz e o mosquete para o senhor Feitosa empenhar...

- Atirar nas pessoas não é o caminho. – Disse a agente de forma séria, algo que fez seu companheiro erguer uma sobrancelha em sinal de desconfiança. – Usem o dinheiro para a viagem e para pagar pelos documentos de alforria.

- Todos prontos? – Disse Danyel já bastante inquieto. – Não se esqueçam dos sapatos. Peguem todos os sapatos que puderem, vão ter facilidade de se passarem por homens livres se estiverem calçados.

- É bom ter um historiador por perto, não é? – Provocou Hélio com um sorriso. – A gente pensa nos detalhes da coisa!

O holograma precisou ser ignorado mais uma vez para que nenhum dos dois parecesse estar falando sozinho e, com um sinal da jovem, o grupo se separou. Danyel e Nádia seguiram em direção à casa grande, enquanto Francisco, Matias e Tomé se esgueiraram no caminho até a senzala.

Alguns momentos se passaram e uma gritaria começou quando os escravos foram libertos e começaram uma rebelião, atacando os capatazes de surpresa, tomando-lhe as armas e os sapatos, invadindo pouco depois o depósito de ferramentas da propriedade. Aproveitando-se da confusão, a dupla de viajantes usou uma das chaves para entrar no casarão por uma porta dos fundos. Hélio acompanhou ambos por todo o caminho, mas como ele estava parado na câmara holográfica no futuro, aos olhos dos viajantes, ele parecia flutuar parado sobre todo o caminho, o que causou certa estranheza.

- Vocês não querem que eu finja estar correndo só pra agradar vocês, não é? – Questionou o holograma pegando seu tablet e dedilhando alguns comandos para abrir uma tela com o mapa da casa que era visível aos dois companheiros como uma forma de realidade ampliada. – Bom, com alguma sorte, a fuga dos escravos e o roubo da carta vai parecer para a Baronesa que foi uma manobra política orquestrada.

- Ela vai ficar furiosa. – Resmungou Danyel enquanto o grupo se esgueirava por um corredor.

- Ela vai, mas logo terá outros problemas com os quais se preocupar. – Revelou Hélio dando de ombros. – Ninguém gosta dela! Nem a irmã gosta dela! Ela vai sofrer uma infinidade de atentados e o pior deles vai ser daqui a uns cinco anos, lá na Glória. Vão atirar contra a carruagem dela! Infelizmente ela sobrevive, mas vira uma velha paranoica!

- Foco! – Sussurrou a agente em tom de repreensão.

A dupla possuía a vantagem de conhecer a planta da construção e a distração causada pelos escravos do lado de fora, o que permitiu a eles chegarem até o salão de leitura da Baronesa que era um quarto amplo de teto alto com diversas pinturas nas paredes, poltronas confortáveis de couro e uma grande mesa. Sobre ela, estavam muitas correspondências lacradas, assim como afiados cortadores de cartas dispostos cuidadosamente em peças ornamentais.

Nádia ficou de guarda junto à porta, aproveitando que Hélio tinha alterado a visão de realidade aumentada para delinear silhuetas na escuridão, assim ela teria grande facilidade de ver qualquer um que se aproximasse. Danyel correu para a mesa onde passou por diversas cartas, muitas parecendo serem de jornalistas, mas não demorou para ele encontrar aquela com o selo das Cortes Portuguesas.

- Achei! – Disse o cientista pegando a missiva e colocando-a no bolso antes de se juntar aos companheiros.

- Acabaram de passar seis homens armados de mosquetes pelo corredor indo lá pra fora! – Avisou Nádia preocupada. – Eles vão massacrar os escravos lá fora!

- Só gostaria de lembrar que um desses caras de mosquete pode ser o tataravô de um de vocês ou, pior, o tataravô do cara que no futuro vai curar o câncer! – Interveio o Tenente-Coronel preocupado. – Vamos tentar não matar eles e piorar a merda na qual nós já nos metemos!

- Eu tenho uma ideia... – Disse Danyel coçando a cabeça enquanto colocava todas as peças do quebra-cabeças em sua mente afiada. – Nádia, vai pra cozinha, me arruma água e garrafas vazias. Hélio vem comigo para o estábulo e depois nos encontramos lá mesmo.

- Eu não sou disso não, rapá! – Protestou o holograma fingindo indignação com uma dose de humor. – E mesmo que fosse, você nem me levou pra jantar!

- Anda logo! Preciso de ajuda pra achar cal! – Replicou o cientista com certa impaciência. – E tem que ser rápido antes que alguém morra!

A dupla se separou para executar o plano. Danyel caminhou furtivamente no espaço que separava a casa do estábulo e, por sorte, conseguiu passar sem chamar a atenção de nenhum capataz ou escravo, já que o confronto acontecia um pouco mais distante. Logo que adentrou no lugar viu que vários cavalos estavam trancados em cubículos com portas de madeira que eram lacradas com um ferrolho de ferro.

Hélio ativou mais uma vez a realidade aumentada e não demorou para o símbolo de ligações químicas com a inscrição "CaO" surgir em cima de uma grande saca repleta de pó branco. Sem perder tempo, o cientista arrastou o saco para uma baia vazia e aguardou sua companheira chegar.

- Não sei o que você vai fazer com isso, mas seja rápido! – Disse Nádia logo que adentrou no recinto com uma caixa de madeira com garrafas de vidro cheias d'água e outras vazias. - A coisa lá fora está ficando mais complicada! Os capatazes acuaram os escravos dentro do depósito!

- Abra todas as portas dos cavalos e cai fora daqui! – Disse Danyel com um tom autoritário enquanto pegava a caixa e levava pra a baia onde estava a cal.

A jovem rapidamente abriu todos os ferrolhos e deixou as portas semiabertas, deixando o estábulo logo em seguida, enquanto o homem começou a retirar punhados de cal e colocar dentro de garrafas vazias, enchendo-as de água logo em seguida e chacoalhando-as antes de tampar com a caixa de madeira e sair correndo desesperado dali, chegando a pular uma janela para cair do lado de fora da construção de madeira.

Não levou dois minutos até que um enorme estrondo no cubículo vazio assustasse os cavalos premiados da Baronesa que dispararam a galope sem nenhum controle, arrebentando a porta do estábulo e chamando a atenção dos capatazes que se desesperaram para alcançá-los e recuperá-los, esquecendo completamente os escravos fugitivos dentro do depósito.

Danyel estava subindo às pressas a pequena ribanceira onde sua aliada estava, voltando-se para ver a confusão que tinha causado e ficando satisfeito. Os escravos estavam fugindo com os sapatos, armas e muitas ferramentas de metal, enquanto os capatazes tinham montado em seus cavalos e perseguiam como loucos as montarias de luxo da Baronesa.

- Como sabia que eles iam largar tudo pra correr atrás daqueles cavalos? – Interrogou Hélio realmente impressionado. – Foi genial isso!

- Eu não sabia. – Riu o cientista em uma de suas raras expressões leves. – Eu só achei que ia assustá-los.

Paço Real do Rio de Janeiro, 01 de Setembro de 1822...

Os primeiros raios de Sol da manhã banhavam o lugar que muito em breve seria conhecido como Paço Imperial e Danyel o cruzava apressadamente com seu uniforme de carteiro todo surrado e uma péssima aparência devido a todo o dia anterior.

Ele retirou do bolso a carta ligeiramente amassada e bateu firmemente na porta destinada a entrada de empregados do enorme casarão que servia de sede do governo. Um funcionário elegantemente trajado com fraque olhou-o de cima a baixo com desprezo.

- Não temos esmolas! – Disse o homem de forma ríspida, ameaçando fechar a porta.

- Eu sou carteiro! – Berrou Danyel impedindo seu interlocutor ao bloquear a porta. – Trago comigo uma carta das Cortes Portuguesas que deve ser imediatamente levada ao Príncipe Regente!

- Carta das Cortes? – Interrogou uma voz feminina que vinha de um corredor profundo onde o recém-chegado não conseguia ver. – Pague o homem com um conto de Reis e me traga essa carta. Mande um mensageiro chamar Bonifácio aqui amanhã mesmo!

Muito a contragosto o mordomo entregou as notas ao carteiro que foi embora depois de deixar a carta com as exigências das Cortes Portuguesas. Danyel voltou até uma ruela onde Nádia aguardava com Hélio a seu lado.

- Deu certo? – Interrogou a agente curiosa voltando-se para o holograma do futuro assim que viu o companheiro chegando com as mãos nos bolsos surrados.

- Nossa! – Berrou Hélio assustado quando conferiu as informações no seu tablet. – O Papa se autodeclarou Imperador do universo e lançou seus exércitos de dinossauros contra as principais capitais do mundo!

- Jura que você acha isso engraçado? – Repreendeu o cientista que tinha os batimentos cardíacos acelerados.

- Você tem o que? Cinco anos? – Protestou Nádia indignada.

- Desculpa! – Gargalhou o Tenente-Coronel erguendo as mãos em sinal de rendição. – Eu não podia perder essa oportunidade! Bom, o doutor Nestor disse que podemos proceder com a remoção de vocês.

- Já era tempo. – Comemorou a moça com satisfação. – Não sei se aguento mais um dia no passado!

- Espero que isso seja suficiente para o comitê aprovar o novo repasse de verbas para o projeto. – Resmungou Danyel com um suspiro cansado.

- Primeiro temos que trazer vocês de volta. Então cruzem os dedos. – Disse Hélio antes de desaparecer quando a câmara holográfica foi desligada.

Projeto Ontem, 2020...

Um forte brilho azulado preencheu o recinto onde as bobinas quânticas estavam instaladas e, quando a luminosidade esvaneceu, Danyel e Nádia estavam dentro do recinto enjoados e desorientados. Quando as bobinas pararam de emanar a luminescência azul, uma comporta se abriu e uma equipe médica correu para socorrer os dois viajantes que foram postos em macas e levados para a enfermaria da base.

Os médicos fizeram exames rápidos e logo constataram que não havia qualquer problema com eles além do enjoo e do cansaço. Não demorou muito para o diretor Vitor chegar acompanhado do comitê que era composto por Raimundo e Samanta, assim como outros.

- Senhorita Nádia, o que tem a relatar a esta delegação? – Inquiriu a líder voltando-se para a agente que se levantava da maca.

- Eu estive em 1822 com o doutor Grotas e que este projeto vale cada centavo! Embora a tecnologia precise ser aprimorada antes de uma próxima tentativa. – Relatou a jovem batendo com uma das mãos no ombro do companheiro.

-Bom, diretor Almeida, doutor Grotas, ainda não é oficial, mas acredito que seja consenso geral que vamos renovar as verbas destas instalações. – Declarou Samanta com um sorriso satisfeito no rosto.

- Fico muito satisfeito. – Disse Vitor fazendo um gesto para acompanhar a junta pelo corredor para fora da enfermaria.

Hélio e Nestor entraram juntos na enfermaria logo depois que a delegação saiu do recinto acompanhada pelo diretor e por Nádia. O Tenente-Coronel parecia animado e chegou dando um abraço no viajante que ainda estava sentado na maca, enquanto o cientista parecia mais acanhado.

- Ah garoto! Vamos tomar umas pra comemorar! Conseguimos a verba! – Declarou Hélio repleto de animação pela vitória. – Viu a cara de cu que o Raimundo saiu daqui?

- Quer apostar que ele ainda vai votar contra? – Comentou Nestor pouco antes de se voltar para o viajante e abrir um sorriso sem jeito. – Bom, Danyel, digo, doutor Grotas, estou ciente da situação, mas tenho certeza de que podemos ser amigos da forma que eu me lembro que éramos.

- Bom, eu estaria preso em 1822 ainda se não fossem seus cálculos. – Assentiu Danyel estendendo a mão para o colega apertar.

Local Desconhecido, 2020...

Raimundo caminhava por entre as mesas de um restaurante que ficava na beira de uma praia onde nevava constantemente. Ele olhava preocupado para todos os lados até que se sentou em uma mesa onde um homem de feições chinesas trajando um elegante terno estava sentado com uma valise ao seu lado.

- Conseguiu? – Interrogou o homem de forma autoritária.

- O projeto ainda funciona, mas eu tenho os dados. – Afirmou Raimundo retirando um pendrive do bolso de seu casaco.

- Acho que eu te contratei para um serviço completo. – Rebateu o chinês enfurecido segurando a maleta quando o recém-chegado tentou pegá-la. – Você só fez metade do acordo.

- Eu disse que tentaria encerrar o projeto! – Replicou o brasileiro irritadiço e ainda sem largar a maleta, enquanto segurava o pendrive com a outra mão. – Eu avisei que tudo estava nas mãos do comitê e que eu tentaria influenciar eles! Lamento, mas fui voto vencido! Além do mais, não consegui fechar o projeto porque ele funciona, o que faz estes dados muito mais valiosos! Se não quiser, tudo bem, posso oferecer pra outra pessoa.

- Não, não vai. – Disse o homem de terno soltando a mala. – Pode considerar o pagamento pelos dados funcionais do projeto. Espero que nunca mais nos vejamos, senhor.

O chinês se levantou da mesa e ajeitou o paletó logo após pegar o pendrive e foi embora logo em seguida deixando a maleta para Raimundo que a entreabriu discretamente e conferiu várias notas em dinheiro no seu interior.

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Muito obrigado por ler a história e espero que continue gostando!


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