O SEGREDO E O IMPERADOR

By DanielleViegasTess91

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⚠️ RETIRADA DO WATTPAD: 05/12/2020. "O mundo está à sua frente. Vá e tome o que quiser." Cameron Spencer Lama... More

SINOPSE
AVATARES
PRÓLOGO
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
👑REVELAÇÃO DA CAPA👑
RETIRADA DO LIVRO DO WATTPAD

Capítulo 1

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By DanielleViegasTess91

Outro capítulo enorme, meus amores e o próximo será narrado pela Brianna.

Boa leitura!

Não se esqueçam de votar e comentar muiiito!




SPENCER

Acordei com dor por todo o meu corpo e uma ressaca absurda.

Demorei a abrir os olhos. Na verdade, fiquei um bom tempo num estado confuso entre o adormecer e o acordar. Queria voltar a dormir, mas meu corpo parecia recusar a oferta. Assim fiquei deitado durante o que me pareceu horas, mas provavelmente foram apenas minutos. Quando me dei por vencido, abri os olhos. Não de uma vez, mas entre piscadas longas.

Primeira coisa que fiz ao raciocinar foi olhar aos arredores para ter noção de onde eu estava. De nada adiantou, porque não conhecia aquele quarto. As paredes eram brancas e tinham lençóis pendurados como decoração. O bocal da lâmpada no teto estava vazio. No canto ao lado da porta fechada, algumas sacolas e uma mala grande. Ela estava aberta e com roupas transbordando pela beirada, como se quem morasse ali fosse apenas um hóspede temporário. "Quem morasse ali", pensei nas palavras por segundos.

Tentei adivinhar quem poderia ser, mas minha memória estava toda enevoada e não tinha sequer certeza se lembrava de o que havia acontecido após entrar no bar na noite anterior. Lembrava-me de beber, lembrava-me de sorrir para o espelho. Mas isso eu fazia quase todas as noites. Olhei para o lado e percebi que colchão em que eu estava deitado ficava no chão. Ao meu lado algumas roupas, inclusive minha camiseta preta com algumas gotas de sangue seco, minha jaqueta de couro, e meus tênis embarrados. Aonde eu tinha vindo parar dessa vez? Pisquei algumas vezes e cocei meus olhos. Estava zonzo e minha cabeça latejava.

Havia bebido demais. De novo.

Em cima de mim tinha uma janela e por ela podia-se ouvir o barulho do trânsito lento. Não havia muitos carros passando, o lugar podia ser afastado do centro da cidadela. Pelo vidro fechado entrava alguns raios de sol que ardiam meu rosto. Já devia ter passado do meio dia pela altura do sol. Bocejei e me espreguicei lentamente, como um gato doméstico numa tarde preguiçosa. Um gato doméstico que acorda numa casa desconhecida. Decidi fazer alguma coisa e busquei minha camiseta caída sobre o chão de madeira.

Quando terminei de me vestir — o que levou inúmeras tentativas, pois meus braços não me obedeciam —, ouvi barulhos do lado de fora do quarto. Então não estava sozinho ali. Uma onda de desconforto me subiu pelos pés. Senti os pelos do meu braço arrepiarem. Paralisei no lugar porque não fazia ideia de quem iria atravessar aquela porta. Mas não demonstrei nada. O meu exterior sempre foi completamente neutro em relação ao que eu sentia no interior. O trinco mexeu, a porta branca de madeira abriu lentamente e por ela passou uma silhueta feminina.

Ergui as sobrancelhas.

Uma garota baixa, de cabelos ruivos avermelhados parou em frente ao colchão e me encarou. Seus olhos eram grandes, verdes escuros e fitaram-me de cima a baixo. Quando o olhar dela voltou-se ao meu rosto, ela sorriu com o canto da boca.

— Então finalmente acordou!

Seus olhos continuaram firmes mesmo com a risadinha leve. Ela tinha um riso doce, mas seu rosto era o de uma mulher experiente, mesmo que não aparentasse mais do que vinte anos. Seu corpo era magro e ela tinha uma tatuagem de raposa no topo do braço esquerdo. Usava roupas básicas e pretas. Pelo jeito que falou comigo, parecia saber quem eu era. Pois era a única. Eu não fazia ideia de quem ela era.

— É, acho que sim — respondi com a voz cansada.

Ela me encarou novamente, agora retorceu os lábios e ergueu as sobrancelhas, ambas ao mesmo tempo, uma habilidade curiosa. Ela pareceu ofendida com alguma coisa que eu fiz. Apertei meu rosto com as mãos, não conseguia pensar direito por causa da ressaca absurda.

— Você não se lembra de nada, né? — disse ela.

Eu continuei com o rosto enterrado em minhas mãos por alguns segundos, tentando digerir as palavras que a jovem ruiva disse. A voz dela era pesada demais, incômoda demais, mas não por ser estridente ou irritante; naquele momento tudo era incômodo e pesado, até mesmo a luz.

— Receio que não...

Não a olhei novamente. Pela minha experiência em situações similares — que não eram poucas —, eu sabia que neste momento ela gritaria comigo e me xingaria por ser um babaca que dorme com uma mulher sem sequer saber seu nome. Provavelmente me jogaria para fora do apartamento e eu não estava com paciência para lidar com nada daquilo. Então, lentamente comecei a levantar do colchão para calçar meus tênis e ir logo embora dali.

Para minha surpresa, dois minutos se passaram e ela não havia me xingado ainda. Quando finalmente olhei seu rosto novamente, ela se segurava para não rir.

— Para alguém que bebe tanto, você é bem fraco para bebidas.

Não pude evitar sorrir com o comentário.

Então ela se aproximou de mim e estendeu a mão. A apertei com leveza, tanto por cordialidade quanto porque não tinha forças para um toque firme. Os dedos dela eram finos e pequenos, como se ainda fosse uma adolescente. Em um dos seus pulsos, uma pulseira brilhante reluzia.

— Sou Red, muito prazer... de novo.

— Spencer — respondi.

Red sorriu e soltou minha mão, ela já sabia disso. Ignorei qualquer brecha de começar um diálogo e, em silêncio, terminei de colocar meus calçados e me levantei. Ela me olhou durante todo o tempo, como uma criança curiosa.

— Não vai querer saber o que houve ontem? — perguntou de repente.

Suspirei.

— Olha, sinto muito pelo que eu provavelmente fiz.

Red franziu o cenho e coçou a bochecha. Pensei por alguns instantes no que dizer, inspirei e expirei lentamente. Tinha escapado de deixa-la brava antes, mas eu não daria nada por garantido enquanto continuasse ali.

Era hora de colocar minhas habilidades de diplomacia em prática. Eu já tinha precisado dizer coisas delicadas antes. Não uma ou duas vezes, mas várias. Era algo que datava da minha mais tenra infância. Como quando, aos meus oito anos, estraguei um dos itens caros, símbolos da família nobre Lamarck, e tive que fazer um longo discurso de por que não merecia ser punido por meu pai. Ou quando, aos quinze, tive o desprazer de acompanhar uma reunião real com os Baviera, antiga família aliada do reino, e fui o encarregado de mediar toda a reunião. Um teste para julgar minhas habilidades como o encarregado de um evento da nobreza, dissera meu pai.

— Não é a primeira vez que eu acordo assim. — Fiz um gesto apontando para o quarto. — Num quarto desconhecido e com uma ressaca insuportável, entende?

Ela me encarou e cruzou os braços. Seus pés firmes no chão. Para alguém daquele tamanho, ela conseguia manter uma postura bem rígida. Talvez estivesse prestes a me dar um tapa. Não teria sido a única vez. Acho que eu não era o maior cavalheiro do mundo.

— Você acha que a gente dormiu juntos? — perguntou Red.

Eu ergui o queixo. Red não parava de me surpreender.

— Não?

— Nossa! — Ela esticou os braços para fora num gesto incrédulo. — Eu tenho uma reputação a zelar, tá bom?

Demorou alguns segundos para eu entender o que ela quis dizer com aquilo, mas então eu fiquei ofendido. Torci o rosto e a encarei de modo sério.

— Como é que é?

Ela riu.

— Ficar com um cara bêbado, machucado e sem um tostão no bolso não é lá uma vontade que eu tenho.

Apertei minha testa, a voz dela doía em meus ouvidos. Suas palavras retumbavam por toda minha cabeça, entrava nos lugares mais desertos de minha mente e ecoava para todos os outros cantos mentais numa barulheira que beirava o insuportável. Eu só queria o silêncio. Na verdade, eu precisava do silêncio o mais rápido possível. E provavelmente de muita água fria. Tanto para beber quanto para um banho longo que limparia minha existência. A água fria de um banho demorado às vezes parecia capaz de limpar não só nossa sujeira física e palpável, mas também as sujeiras metafóricas de nossa alma. E eu precisava mesmo de uma limpeza profunda. Tudo estava ruim demais para ser verdade ultimamente. E para piorar, o suor seco grudava em minha pele — apenas outra entre as milhões de coisas que estavam me irritando naquela manhã.

— Então posso saber o que houve ontem, Red? — eu falei.

Enquanto procurava por meu cinto, que parecia perdido naquele quarto confuso e desorganizado, ela se sentou no colchão e começou a falar, sem rodeios, sem preparação, como quem arranca um curativo: rápida e sem aviso prévio:

"Quando você já estava completamente bêbado e eu percebi que você não tinha dinheiro algum para pagar pela sua conta, o Jim, meu chefe, queria te botar pra fora no soco. Ele não é lá muito legal com pessoas que tentam lhe passar a perna, sabe? Mas eu intervi. Tive que tirar do meu próprio bolso o dinheiro porque eu tive o infortúnio de ser a funcionária que te atendeu. Além do mais, eu sou a novata com pouca experiência. Alexander, o outro atendente, me disse depois que sabia que você não teria como pagar a conta desde que você entrou. Falou que conhecia bem seu tipo, mas ele fez o incrível favor de não me falar nada. Disse que eu teria que aprender cedo ou tarde. Então pro Jim a culpa era minha por ter causado prejuízo pro bar. Logo, eu paguei sua conta. De nada, aliás. Mas depois que eu terminei meu turno e te encontrei na calçada, percebi que você não estava em condições algumas de voltar para casa, mal sabia seu nome direito. Então eu te trouxe aqui e te deixei dormir no meu colchão novinho. De nada, de novo."

Ela piscou cinicamente e botou as mãos no rosto, como uma adolescente que sabe que ganhou uma discussão longa com sua mãe. Quantos anos aquela garota tinha? Estava tirando sarro de mim. Pensei em revidar, mas eu não estava com paciência.

Eu já tinha desistido de procurar pelo meu cinto e tinha me escorado no balcão para terminar de ouvir o que Red tinha a dizer. Demorei em assimilar a história. Meu raciocínio continuava lento. Mas alguma coisa soava estranho no que ela me contava.

— E por que você me ajudou? — disse lentamente.

— Algumas pessoas só são boas pessoas, Spencer — respondeu Red.

Dei de ombros. Não tinha o que contra argumentar. E eu nem queria, para ser bem sincero. Se eu pudesse não falar mais nada pelo resto do dia, eu tomaria essa decisão sem pensar duas vezes. Não só eu, mas o mundo inteiro poderia tirar uma folga de abrir a boca no dia de hoje. Pessoas falam demais.

— Obrigado, então.

Red não disse mais nada, apenas apontou para o balcão atrás de mim.

— Seu cinto tá ali.

Então ela levantou do seu colchão, me deu uma última olhada e, com passos rápidos, saiu pela porta do quarto. Suspirei e coloquei meu cinto. Demorei alguns minutos, mas consegui no final. E enquanto tentava achar o buraco para encaixar a fivela, percebi que eu tinha causado uma péssima primeira — e segunda — impressão com aquela garota.

Aproveitei meu abandono súbito para olhar o restante do quarto. Red parecia ter chegado ali fazia pouco tempo, suas malas estavam quase todas cheias e não tinha quase nada dentro das gavetas. E não havia mais nada, além disso, ali.

Nenhuma televisão, nenhum guarda roupa, um abajur ou coisa do tipo. Só móveis de canto e uns balcões. Em cima desses últimos: brincos, pulseiras, maquiagem e uma foto. Na fotografia, Red estava abraçada com um garoto igualmente jovem, não podiam ter mais de dezenove anos, talvez fosse recente. Vestiam roupas pretas e posavam na frente de uma parede de flores. Uma foto daquelas que se tira num passeio familiar. Aquela menina tinha acabado de chegar à fase adulta. E tinha um namorado. Isto explicava seu comportamento.

Algo dentro de mim sugeriu que eu precisava me desculpar com ela. Red tinha sido super agradável e o mínimo era que fizesse o mesmo. O orgulho real não me permitia ser mal visto. Ou talvez o orgulho fosse próprio e não tivesse nada a ver com a minha família. De qualquer forma, eu o sentia. Apertei minhas próprias mãos uma na outra, deixei a fotografia de lado e saí do quarto em procura da garota.

Do lado de fora encontrei um corredor minúsculo que dava para uma cozinha desajeitada. Todo o apartamento só podia ter alguns metros quadrados. Ela devia morar ali sozinha, ou com seu namorado. Pelo menos tinha algum lugar para morar, acrescentei mentalmente.

Encontrei Red sentada à mesa com um copo de café em mãos.

— Olha, me desculpa pelo o que assumi — eu disse. — Eu não sabia que namorava.

— Eu não namoro.

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas. Mas protestei:

— Mas a fotografia lá no quarto...

Red fechou a cara.

— É meu irmão.

Suspirei. Tinha cometido outro erro.

Sentei-me junto à mesa, do outro lado dela, para que ela não me alcançasse caso quisesse me socar o rosto e não disse mais nada. Em cima do móvel, algumas folhas espalhadas, talvez fossem contas. Não saberia dizer, nunca precisei lidar com elas em toda minha vida. A cafeteira que Red usou para fazer seu café encontrava-se escorada no canto da mesa, uma luzinha vermelha embaixo informava que ainda estava ligada.

Ficamos em silêncio. Queria pensar bem antes de falar qualquer outra coisa. Red parecia uma garota legal demais para me conhecer de uma forma tão desagradável. Ela continuou bebericando seu café e mexendo em um celular com um pingente rosa pendurado. Não conhecia a marca. O resto da cozinha do apartamento da garota era mínimo. Uma geladeira baixa e antiga no canto esquerdo e uns balcões. Não tinha sequer um fogão ali. Por um momento me questionei se fogões eram coisas comuns em apartamento; eu realmente tinha tido uma vida bem diferente da daquela garota.

— Sinto muito, ok? — disse finalmente.

Ela foi rápida em responder:

— Já estou ficando acostumada com sua péssima habilidade social.

Soltei um riso cordial.

— É, não sou muito bom quando não estou...

Ela completou:

— Tentando seduzir mulheres indefesas? Bancando o maioral? Sendo o rei da festa?

Olhei em seus olhos. Parte de mim se ofendia com o jeito que ela se dirigia a mim. Nunca tiveram coragem para se dirigir a mim daquela maneira em toda minha vida. Mas também, Red não sabia quem eu era. Os comentários eram apenas o mecanismo de defesa de sua mente jovem e independente. Eu não era muito diferente dela.

— É, algo por aí.

Ela não me respondeu e o silêncio reinou novamente. Ouvi barulhos no teto, provavelmente o vizinho de cima. Eu nunca conseguiria morar assim, num lugar tão pequeno e tão sem privacidade. Estava acostumado com meu próprio quarto, que era maior que aquele apartamento inteiro. Antigo quarto, corrigiu meu subconsciente. Era estranho admitir que pelo próximo ano inteiro eu não entraria mais lá. Pelo próximo ano se eu fizesse tudo certo, porque do jeito que as coisas andavam, não sei se eu duraria esse tempo todo.

Minha cabeça latejou novamente.

— Poderia me dar um pouco de água? — disse.

Red ergueu o rosto da tela de seu celular.

— Tem dentro da geladeira — respondeu. — Acho que isso pode fazer sozinho, não é?

Levantei em silêncio e caminhei até a geladeira. Ao abrir, deparei-me com ela vazia, só algumas frutas, uma panela malcheirosa e uma garrafa vidro com água pela metade. A segurei com cuidado.

Encontrei um copo sobre a pia da cozinha. A água desceu cortando pela minha garganta, mas não me importei com a sensação de gelo no cérebro, pois era melhor do que a dor constante. Quando guardei a garrafa novamente na geladeira, virei-me para Red e disse:

— Você mora aqui com seu irmão?

Ela largou o celular instantaneamente. Mas não disse nada. Eu fiquei parado, com o copo em minhas mãos. Aguardei. Olhei a pia da cozinha, estava limpa. Não sabia dizer se porque Red não comia em casa, ou porque Red não comia nunca. Esperei mais um pouco por alguma resposta. Não veio. Bebi mais um gole e perguntei-me se ela não tinha ouvido o que eu falei. Ia abrir a boca para perguntar novamente, mas não deu tempo:

— Ele morreu faz dois anos.

Fechei os lábios. Fiquei em silêncio.

— Você pode parar de assumir coisas sobre a minha vida agora, por favor? — acrescentou Red em tom ríspido.

Eu caminhei lentamente até a cadeira em que estava sentado. Sentei-me lentamente e olhei para seu rosto. Seus olhos estavam dispersos e ela evitou contato visual comigo dessa vez.

— Eu sinto muito pelo seu irmão.

Red olhou para mim com a cabeça ainda baixa.

— Tudo bem, você não sabia.

— É, mas você está certa — eu disse. — Não posso sair assumindo coisas da sua vida assim.

— Me mudei para cá faz pouco tempo.

Red havia pegado um bolinho doce de dentro de um saquinho e estava dando leves mordidinhas nele. Mas parou após dois ou três pedaços. Acho que não sentia fome, só queria se manter ocupada. Mas dessa vez não comentei absolutamente nada a respeito. Precisava guardar meus achismos para mim mesmo.

— Precisava sair da casa de meus pais — continuou ela. — Não nos damos bem.

— Entendo bem como é — respondi.

— Também tem problemas em casa?

Olhei para o teto por um instante. Algumas manchas do tempo e do clima o cobriam por inteiro. Perguntei-me por quantos anos aquele prédio existia, quantas pessoas moravam nele, quantas pessoas já haviam morado nele. Há tanto por aí que eu não sabia a respeito. Que a família real não sabe a respeito. Mesmo sendo supostamente a gente quem deveria governar todas aquelas vidas. Eu poderia ajudar Red se eu ainda tivesse acesso a qualquer conta bancária de minha família. Poderia ajudar não só ela como aquele prédio inteiro.

— Por aí — falei sem graça. — Estou meio que sem teto, ainda mais depois de ontem.

— Levaram tudo que você tinha? — perguntou Red.

— Sim.

Ela abriu a boca, mas tornou a fechá-la em seguida. Seu rosto demonstrava que pensava em alguma coisa. Bebeu outro gole de café.

— Você pode ficar aqui alguns dias. — Sua voz falhou em meio à frase. Estava tímida. Finalmente pude notar a jovem por trás de toda aquela independência. — Mas como você viu, não há muito na geladeira.

— Seria pedir demais, Red.

— Seria sua única opção, Spencer.

Eu torci a boca, ela não estava errada.

— Qual sua idade? — sibilei.

— Eu tenho vinte e um.

Não falei mais nada. Estava zonzo. Minha cabeça voltou a latejar insuportavelmente. Tinham coisas demais acontecendo. Onze horas atrás eu tinha dinheiro, tinha um quarto de hotel bom o suficiente e a ficha de que eu não tinha mais a proteção e a garantia que carregava desde que eu nasci não tinha caído. Eu julgava estar livre, mas não percebia que a liberdade vinha carregada de confusão e de desamparo.

— Eu preciso de ar puro — disse.

Afastei-me da mesa rapidamente e fui em direção à porta de saída, que ficava no fim do mesmo corredor que levava pro quarto de Red. Não olhei pra trás, estava ficando mais e mais zonzo e precisava sair logo dali. Pelo corredor reparei no móvel de canto, nele um molho de chaves e um maço de cigarros. Quando cheguei à porta e segurei seu trinco para abrir, ouvi lá da cozinha:

— Meu turno começa às oito da noite e acaba as três da manhã. — O corredor ecoou a voz de Red. — Se perceber que não tem pra onde ir, você sabe onde me encontrar.

Ignorei, saí pela porta e a fechei atrás de mim.

Ao pisar para fora do apartamento, dei-me de cara com um corredor velho e mal iluminado. Algumas portas para lá e para cá, todas iguais, mostravam que por dentro, todos aqueles lares eram tão pequenos quanto o de Red. Ainda estava meio zonzo, mas não ter que lidar com a presença de uma desconhecida durante uma das piores ressacas que já tive me deixava mais calmo.

Eu não queria morar num lugar como aquele. Era pequeno demais, estreito demais, esquisito demais. Não era lugar para o príncipe do Reino Parish. Não, definitivamente eu não pertencia ali. Ainda assim, se não aceitasse o que Red ofereceu, para onde eu iria? Senti o sangue subir pelo meu rosto. Uma raiva adormecida por semanas preenchia todos os meus poros e ameaçava estourar tudo que viesse pela frente. Entrei no elevador num apuro, queria me livrar daquele prédio – como se isso fosse resolver algum dos meus problemas. Apertei o botão do térreo com força.

Como pude deixar minha vida chegar aquele ponto? Há menos de um mês eu estava montado em Applegate, fazendo meu circuito favorito pela manhã, respirando o ar puro do jardim do castelo após comer um delicioso café da manhã; pensava em como um dia tudo ali, desde as mais simples flores até o alto da torre mais antiga, seria meu para governar – e como eu seria um Imperador muito melhor que meu pai jamais foi.

E de repente, sem aviso prévio, após uma briga idiota, meu pai usara seus últimos recursos contra mim, aplicara o seu ultimato. Dissera que eu nunca demonstrei ser digno do trono e que precisava provar meu valor. Num ímpeto, eu não tinha mais nada. Estava sem teto, sem dinheiro, sem título e com muita raiva. Não sabia aonde ir, não só isso, eu sequer tinha para onde ir. Não tinha um plano e eu precisava de um. Urgentemente. Por mais que eu agisse como se eu tivesse tudo sob controle, eu não tinha. Red deixara bem claro que a única coisa que eu sabia fazer bem era autossabotagem.

Enquanto a espiral de pensamentos turbulentos afunilava, o elevador chegou ao térreo e eu saí pela porta, que fez um grande barulho ao abrir. No primeiro piso, não havia muito. Um balcão, que eu imaginei ser a recepção e alguns vasos de plantas. Ao passar pela entrada, fui iluminado pelo sol da tarde. O calor esquentou minha pele e eu senti um calafrio de febre. Meu corpo pesava, mas eu precisava continuar andando. Movimentar-se sempre me ajudou a pensar. Applegate cumpria esse papel muito bem, mas ele não estava ali no momento. Uma pontada de saudade me inundou o peito. Tudo que eu tinha eram minhas pernas, que nunca seriam tão velozes quanto às de um cavalo de elite. Suspirei.

Aumentei a velocidade de meus passos pela calçada vazia até que comecei a correr. O vento batendo em meu rosto. Eu sentia frio e um mal estar me preenchia o estômago. Minha cabeça também latejava, mas eu não me importava com nada daquilo. Precisava gastar energia de alguma forma. Então eu corri, corri e corri. Os carros passavam pela rua ao meu lado, ora importunando meus ouvidos com barulho, ora incomodando meus olhos com fumaça, mas nenhum motorista se importava com isso. Eu era invisível para todos ali. E isso era difícil de acostumar com. Mas eu precisava. Eu ainda tinha quase um ano inteiro pela frente. Eu não desistiria. Nunca foi de o meu feitio jogar a toalha.

Nem mesmo quando apostei aquela corrida com o Conde Bryne. Nem mesmo quando percebi que Applegate tinha sido sabotado para eu perder. Quando no treino pela manhã notei que suas galopadas estavam mais lentas que o comum. Tinham mexido na dieta dele sem minha autorização. Mesmo assim, eu não desisti, eu continuei a corrida. Não podia. Se eu abandonasse a corrida sem sequer correr, minha honra estaria manchada para sempre. Então, eu perdi dignamente. Mas de nada adiantou. Para meu pai, aquilo só contribuiu para sua preferência pelo meu primo. E eu fiquei calado, nunca contei sobre o que Conde Bryne fez. Que provas eu tinha? Ele diria que eu estava tentando justificar meu fracasso. Sempre foi assim. Então assumi a derrota de cabeça erguida – como um Imperador digno o faria. Pena que para Phillip Edgerton Lamarck isso nunca seria o suficiente.

Senti minhas pernas doerem, mas continuei correndo até não aguentar mais. Apenas quando a exaustão alcançou seu máximo, eu parei bruscamente. Procurei o ar, puxando o máximo de oxigênio que conseguia numa inspiração só. Suor pingava de meu rosto e ensopava minhas roupas. Tirei o casaco com velocidade. Deixei os ventos inundarem meu corpo. A brisa gelada congelou meu rosto e a febre parecia ter aumentado. Meu estômago revirou e eu vomitei num canto da rua de repente. Não havia mais ninguém ali, então botei tudo para fora: a comida, a bebida alcoólica, a raiva e a exaustão juntas numa só.

Estava cansado.

AMORES,  AGORA É HORA DE CONHECER UM POUCO MAIS DA NOSSA BRIANNA NESPOLI.

MAS ME CONTEM O QUE ACHARAM DO SPENCER?


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