Depois de quase uma hora com o choro estridente de Cecília sendo ouvido a até vinte metros de distância por causa que a menina estava sentindo sua garganta doer, Vanessa tentando limpar seu nariz e para tomar o chá que a médica tinha recomendado, Cecília se encontrava deitada no berço com uma chupeta rosa nos lábios, o rostinho inchado por ter passado tanto tempo chorando e uma coberta de princesas a cobrindo.
As outras três já tinham jantado e tomado banho, Rafaela já estava deitada na própria cama coberta até a cabeça por estar com febre, esperando o remédio para diminuir a temperatura fazer efeito.
- Tudo bem? - Vanessa pergunta parada ao lado da cama de Rafaela.
- Uhum. - afirma com a cabeça. Rafaela tinha uma cara tristonha.
- Se precisar de qualquer coisa, me manda uma mensagem e eu venho correndo. - se inclina para beijar a testa da menina podendo ver que ela já estava menos quente do que antes.
- Está me tratando melhor que a minha mãe. - brinca sentindo a mão de Vanessa acariciar seus cabelos.
- Não conte para ela. - responde no mesmo tom, arrumando a coberta sobre a menina - Boa noite, Rafa.
- Boa noite. Cuidado com a minha mãe porquê ela tem mania de agarrar as pessoas quando está dormindo. - alerta.
- Vou me lembrar. - lança uma piscadela em direção a mais nova. Lhe dá as costas e caminha até a porta, olha mais uma vez para as duas meninas e sorri demonstrando cansaço, antes que pudesse apagar a luz, Madelaine entra para ver como Rafaela e Cecília estavam e desejar uma boa noite para só então apagar a luz e sair.
Vanessa estava na sala usando uma blusa enorme que ia até suas coxas, um short não tão curto e se encontrava nervosa. Estava com medo de acabar tendo uma ereção matinal e Madelaine acabar vendo por um descuido seu.
Como previsto, Madelaine aparece ali perguntando se Vanessa queria chá de camomila pois ela iria preparar, sentindo que precisava, Vanessa aceita de bom agrado e elas tomam conversando sobre as coisas que tinham acontecido no dia. Por ele ter sido bem agitado, as duas vão para o quarto e sentam uma ao lado da outra na enorme cama.
A primeira coisa que Vanessa sente é o perfume preso nos lençóis, travesseiros e cobertas que tinham o cheiro de Madelaine. A cama era macia e alta, tinha apenas algumas pequenas luzes de led acesas deixando o quarto a claridade baixa. Completamente sem graça, Vanessa escorrega para dentro das cobertas e fica encarando o teto.
- Se importa se eu ligar o ar condicionado? - Madelaine pergunta, já tinha dificuldade em dormir e se não escutasse o barulho do ar, ficava quase impossível.
- Não. - balança a a cabeça virando o rosto para Madelaine que a olhava com um olhar admirador.
Elas ficam em um silêncio constrangedor por vários segundos podendo ouvir apenas o barulho do ar condicionado ligado, Vanessa respirava com calma se deliciando do cheiro gostoso de Madelaine que estava impregnado em cada pedaço daquela cama, sem tirar os olhos do teto. Já Madelaine estava sentada mexendo no celular e muitas vezes desviando o olhar para Vanessa se permitindo observar o perfil da mulher.
Era estranho para Vanessa dormir com alguém na mesma cama pois fazia quase dois anos que ninguém dormia por perto, além de Cecília. Ainda mais se esse alguém fosse Madelaine , a pessoa que mais a deixava nervosa e sem jeito.
- Eu ouvi a Rafa e você conversando mais cedo, foi sem querer mas me deixou pensativa... - Madelaine começa a falar quebrando o silêncio, aquilo estava a deixando enlouquecida pois tinha escutado e isso não saía da cabeça dela.
- O que? - junta as sobrancelhas virando o rosto para Madelaine.
- Por que a Rafa perguntou se você estava afim de mim? - questiona com confusão.
Ao ouvir aquilo, Vanessa sente seu coração ter um aumento repentino de batimentos, suas mãos começam a suar e o desespero a atinge com força a deixando zonza.
- É que... Bom, eu... Madelaine ... - sem conseguir construir uma frase, Vanessa senta na cama, aperta o maxilar com força e tenta se controlar.
- Ei, respira. - Madelaine pede levando sua mão de encontro a de Vanessa que suava frio. Segurando a mão da mulher com delicadeza, ela inicia um carinho com o polegar - Você gosta de mulheres? - questiona, precisava saber daquilo.
- Sim... - afirma com a cabeça sentindo as bochechas coradas, não por vergonha de quem era, e sim, do toque e sorriso de Madelaine em sua direção.
- Você já ficou com uma? - continua a perguntar deixando Vanessa ainda mais vermelha quando seus olhos se encontram.
- S-sim, por quê?
- Se me permite perguntar, como soube que gostava de mulheres? - passa a língua sobre os lábios deixando Vanessa confusa ao perceber que o foco daquela conversa não era ela, mas sim, Madelaine.
- Eu meio que sempre soube... Por quê da pergunta?
- No sábado passado, eu fiquei com uma mulher e meio que gostei... Mas estou confusa porquê até alguns meses eu tinha certeza que gostava somente de homens. - junta as sobrancelhas demonstrando confusão, mas com o interior vibrando por saber que Vanessa gostava de mulheres sabendo que com isso ela tinha chances de beijar seus lábios para sanar a curiosidade do sabor eles que tinham.
Vanessa abre a boca surpresa, quebra o contato de suas mãos para coçar o outro braço, continua olhando para Madelaine sem saber como reagir, pois jurava de pés juntos que aquela mulher era hétero. Em questão de segundos, a indignação por ela ter surtado atoa por se sentir atraída por Madelaine e com medo dela saber sua sexualidade a atinge. Seus olhos desviam de Madelaine para a parede chegando a conclusão que a roupa que Madelaine chegou no sábado não era dela, e sim, da outra mulher.
- Isso é sério? - Vanessa volta a encarar Madelaine que tinha um sorriso aliviado por finalmente ter contado aquilo para uma amiga, mesmo que ela quisesse beijar essa amiga e tivesse pensado nela no meio da transa com Hailee.
- Sim, por quê você parece tão surpresa? - pergunta risonha.
- Eu nunca imaginaria que você também se sente atraída por mulheres. - murmura sem fôlego vendo o sorriso de Madelaine crescer.
- Eu precisava contar isso para alguém mas não sabia como minhas amigas iriam reagir, nem você para falar a verdade. - confessa - Mas estou tão aliviada que você não está me julgando por eu estar me descobrindo na idade em que estou. - a voz carregada de emoção de Madelaine faz Vanessa se derreter e segurar as mãos da mais velha.
- Não tem problema algum em se descobrir na sua idade, Mads. Tem pessoas que tem o privilégio de se descobrirem cedo e outras pessoas mais tarde. - explica com um enorme sorriso.
Naquele momento seu peito fazia festa, essa era a segunda vez que alguém falava aquilo com ela e a deixava eufórica. Nunca imaginou que alguém a escolheria para contar sua sexualidade ou que estava se descobrindo, aquilo a deixava tão feliz que seu sorriso poderia rasgar seus lábios.
Madelaine sente seus olhos marejados por se sentir acolhida, morde o lábio inferior tentando conter o choro carregado de alívio e puxa Vanessa para um abraço onde afunda o rosto em seu pescoço. Sentindo algumas flores começarem a florescer em seu estômago, tomando conta de cada parte do seu tronco até chegar no coração, ela sorri no momento em que sente os braços firmes de Vanessa a envolvendo.
Inalando seu cheiro delicioso, Madelaine chega a conclusão de que a voz, os olhos doces, o sorriso, o braço e o cheiro de Vanessa a davam paz, era como se quando estava perto dela, ela a envolvia em uma bolha onde a protegia de todos os problemas que poderiam a deixar mal ou irritada. Mal sabia Madelaine que Vanessa também se sentia assim, principalmente quando a tinha em seus braços.
- Obrigada, Vanessa . - ela sussurra.
- Eu sempre vou estar aqui por você, Madelaine . - a de olhos claros sorri com doçura, deixando um beijo em seus cabelos cheirosos aproveitando para respirar fundo sentindo seu perfume. Acariciando a lombar da mulher a sentindo ficar mais relaxada em seus braços a cada segundo.
Por fim, Madelaine afasta seu rosto do pescoço de Vanessa e o ar que estava em seus pulmões fogem assim que se depara com os olhos claros brilhando de ternura, um sorriso recheado de doçura nos lábios. Sentindo uma vontade imensa de a beijar por ter todos os seus sentidos aguçados por ter Vanessa tão perto, ela os reprime com todas as forças que tinha mas não deixa de aproximar seu rosto da mais nova e colar seus lábios na bochecha macia da mesma.
Vanessa fecha os olhos sentindo o contato dos lábios macios contra sua pele e segura um suspiro que ameaçava sair. Sentindo a mão quente de Madelaine tocando seu ombro e acariciando, a mais velha se afasta para voltar a posição que estava na cama, deixando Vanessa mole por ter a tido tão perto de si.
- Quer assistir alguma série? - pergunta com a voz mais calma, apontando para a televisão que ficava de frente para a cama.
- Claro. - balança a cabeça tentando acalmar seus batimentos cardíacos que estavam terrivelmente acelerados.
Elas se ajeitam na cama com a cabeça encostada no travesseiro, Madelaine liga a televisão e coloca em uma série qualquer que Vanessa tinha comentado que era boa. Em silêncio mas com um clima bem mais leve, as duas permanecem com os olhos presos na televisão, desviando o olhar para a outra em algumas ocasiões.
Pela primeira vez em muito tempo, Madelaine pega no sono com facilidade deixando Vanessa acordada que ao notar a mulher adormecida, pega o controle e desliga a televisão deixando o quarto escuro, pois as luzes já tinham sido apagadas. Sorrindo animada, Vanessa puxa o edredom para perto do seu nariz e inala o cheiro da mulher para fechar os olhos e ficar de costas para Madelaine na tentativa de dormir.
Por ter desenvolvido um sono leve graças a de Cecília, algumas horas depois Vanessa acorda com os braços de Madelaine a envolvendo, o corpo quente colado nas suas costas e os pés gelados tocando sua panturrilha sendo acompanhados por uma respiração leve em sua nuca que lhe causava arrepios. No mesmo instante ela se lembra do que Rafaela tinha dito e vendo que não tinha como sair dali, ela se da por vencida voltando a dormir em segundos.
Na manhã seguinte, Vanessa começa a se mexer percebendo que o ar condicionado já não estava mais ligado e ela estava descoberta, ao se mexer um pouco, acaba sentindo um leve desconforto em sua virilha e abre os olhos com rapidez pegando Madelaine a encarando do outro lado do quarto. Assustada, Vanessa percebe que sua blusa não estava cobrindo sua ereção matinal e com rapidez, puxa o edredom para cobrir seu colo.
- Uh... É... Bom dia? - Madelaine murmura visivelmente confusa percebendo a expressão de pânico no rosto de Vanessa. - O que... O que é isso?
- Isso o que? - se faz de desentendida, com a voz rouca de sono.
- Isso, por aqui. - faz um circulo na região da própria virilha. Vanessa aperta os olhos e puxa um travesseiro para sua cabeça tentando se esconder de vergonha.
Sem saber o que fazer já que "meu pau" parecia muito grosseiro, "meu pintinho" era ridículo, "um piu piu" era infantil e qualquer outra coisa a faria querer pular da janela, Vanessa respira fundo e senta na cama.
- Eu meio que não tenho algo que algumas mulheres tem desde o momento do nascimento. - explica sem jeito olhando para Madelaine que antes olhava para seu rosto, agora já olhava para sua virilha que estava coberta pelo edredom.
- Isso explica a cuequinha dos ursinhos carinhosos. - murmura parecendo ligar os pontos deixando Vanessa extremamente vermelha, mas não desconfortável. Ela cruza os braços e volta a olhar no rosto da mulher - Vai dar um jeito nisso, corre. - pede e Vanessa fica de pé arrumando a camiseta para esconder a ereção.
Mantendo seus olhos presos no rosto de Vanessa , Madelaine fica assim até a mulher sair correndo pela porta e encara a cama bagunçada levando uma mão para cobrir a boca e outra para a cintura, fica de olhos arregalados intercalando o olhar entre a cama e a porta. Balançando a cabeça para não pensar no que tinha visto coberto pelo short que a mulher usava, Madelaine morde os lábios deslizando a mão até seus cabelos. Por algum motivo, Vanessa tinha se tornado duas vezes mais atraente para ela.
Quando acordou e Vanessa estava a abraçando por trás, ela sentiu algo duro mas nunca pensou que podia ser isso. Pensou que poderia ser qualquer outra coisa menos um pênis. Madelaine ficou parada no mesmo lugar por quase cinco minutos até Vanessa voltar para o quarto com um olhar acanhado.
- D-desculpa você ter visto... - murmura envergonhada com o olhar baixo - Não ache que eu sou uma tarada ou coisa do tipo, por favor.
- Claro que não, acidentes acontecem. - tenta acalmar Vanessa pelo nervosismo que transparência.
- Nada muda entre nós, não é? - pergunta incerta. Estava com medo de Madelaine ficar estranha depois de ter descoberto sua condição.
- Por quê mudaria? - sorri dando um tapinha no ombro de Vanessa - Isso não muda o que eu acho de você. - acaricia o ombro da mulher e finalmente consegue se mover - Bom, eu já chequei a temperatura da Cecília e ela não está quente, só com o nariz entupido. - muda de assunto.
Vanessa a olha surpresa, ela estava agindo tão normalmente que começa a se perguntar de onde tinha tirado todos os seus medos da mulher saber que era lésbica ou que era intersexual.