Devo admitir que quase matar um príncipe não foi a ideia mais esperta, mas o irmão de Bronimir que assumirá a coroa é meu amigo. Expliquei a situação, não espero um retorno, mas que evite que o irmão mande alguém me matar, principalmente agora que estou procurando Atarah. Sinceramente não é o melhor momento para eu morrer. Para nenhum de nós. Será que eu matei o deserdado? Ele mereceria a morte, mas viver com aquela cicatriz e com as queimaduras seria um castigo ainda pior.
Andar a esmo pelo Leste é uma merda. Odeio o Leste com todas as minhas forças, por diversos motivos, mas a rainha está em algum lugar desta maldição. Me surpreende ainda não termos ouvido nada. Quem sabe ela não seja tão tola como esperávamos.
Atarah não é tola, mas alguém como ela tende a chamar atenção tentando não chamar atenção. É dela, mas quem sabe estejamos errados e a rainha esteja conseguindo levar uma vida de plebéia... Atarah... Parece até uma piada, nunca conheci alguém que valoriza tanto a vida no luxo como a rainha, mas cá está ela, vivendo em algum vilarejo sem criar um escândalo. Desde pelo seu jeito até para as barbaridades que ela fala.
Assim que saímos de Brielle decidimos começar pela capital, dela iremos para as demais cidades, pelos deuses que eu não tenha que visitar todas. Preciso que ela faça algo que chame a atenção, qualquer coisa. Os deuses bem que podiam dar uma ajuda bem necessária, mas sei que não farão se não for conveniente para eles.
Assim que chegamos à capital do Leste paramos em um pequeno comércio, lá Faolan tentou comprar um vinho, só que as Terras Lestes não possuem nada que seja bom, não comparado as coisas do Norte... Como odeio esse lugar.
- Vamos parar, por favor, Keres, já perguntamos para várias pessoas. Ninguém a viu. - Choramingava Keir mais uma vez.
- Onde passaremos a noite? Estamos falidos. - O Elfo respondeu.
- Eu sei onde passaremos a noite, mas acho que devemos continuar a procurar.
- Não dormimos há dias. Dias Keres! Seis horas para mim já será um prêmio. Onde vai nos levar?
Olhei para Faolan que balançou a cabeça para negar.
- Tem um lugar melhor?
- Prometemos nunca mais tocar em nada relacionado a ela. Você me fez jurar. E agora quer ir para a casa dela?
- A casa é minha. - Era nossa.
- De quem vocês estão falando? - Keir olhava para nós dois.
- Ywa. - Respondeu o Feérico. - Ela está morta. E é só isso que você precisa saber. - Seu tom ficou amargo e odioso.
Todos sentimos saudade dela, mas Faolan está certo, ela está morta. Respirei fundo e saí do pequeno comércio para voltar para o cavalo. Acho que ele me odeia, não o deixei descansar nada nesses últimos dias, mas que opções tínhamos?
A casa que nós havíamos comprado foi para uma emergência, quase totalmente financiada pela Sociedade da Lâmina, mas quando a sociedade acabou voltou a ser nossa. E a ninguém ocupar, mas ninguém conseguiria invadi-la, apenas nós, os melhores, sabemos as verdadeiras entradas, já que a casa possui quatro. Duas falsas, uma verdadeira e a subterrânea, que é a mais legal.
Keir não era tolo, quando paramos a uns sete metros da porta ele parou também. Faolan pegou seu arco e atirou uma flecha que prendeu na porta. Esperamos para ver se algo aconteceria. Pois se acontecesse teria alguém na casa, mas tudo continuou em silêncio.
A casa de madeira ficava na área mais afastada da capital, anos atrás não havia vizinhos, agora havia um, o que já era mais do que deveria ter. Mesmo com a porta principal estando vazia não arriscamos e decidimos ir pelos túneis, fizemos sete, apenas um levava para a casa. Eu mesma ajudei a cavá-los.
- Que lugar confuso. - Começou Keir. Faolan ia à frente usando sua magia de luz para iluminar o caminho. - Sua amiga realmente era bem... Acho que ela não curtia muito visitas.
- Na verdade ela era a mais simpática. Adorava gente, e não tinha um pingo de vergonha na cara. Essa casa não era dela, era nossa... - Comecei.
- Keres e eu temos muita história, muitas mesmo. Servíamos a uma sociedade, a Sociedade da Lâmina.
- Por que não servem mais?
- Ela acabou. A ideia era eles terem os melhores assassinos e guerreiros, um grupo diversificado que lutaria pela igualdade de raças. - Apontei para mim enquanto falava. - Filha do Caos, Elfo... E Lobisomem. Éramos um grupo esplêndido. Pessoas muito poderosas nos detestavam e a sociedade também
- Pessoas como Sorin e Bronimir estariam mortas. Nós provavelmente teríamos matado ambos.
- Mas a sociedade durou, aguentou...
- Mas alguém começou a vazar as nossas missões, nossos esconderijos e no fim foi tudo destruído... Ainda existem alguns locais com armas escondidas. Eu ainda as uso. - Faolan me olhou, e eu fiz que sim com a cabeça. Armas são coisas absurdamente caras, e eu sabia onde tinham de graça. - Imaginava... Só que em um dia fomos emboscados por Orcks no deserto próximo de Hedda. E... Ywa acabou morrendo, nós dois sobrevivemos. Keres e eu descobrimos que Kupala, a lider da sociedade, estava por trás. Keres já havia sido expulsa mesmo. Então não tinha nada a perder.
- E nós, como bons vingadores. Decidimos dar o troco. Minha melhor amiga perdeu a vida por culpa deles... - E minha. - Eu e Faolan entregamos tudo o que sabíamos da sociedade e ajudamos a matar todos os membros.
- Mataram uma sociedade que lutava por igualdade, pois eles sem querer tiveram participação na morte da amiga de vocês? Por uma vida vocês tiraram quantas? - Perguntou Keir.
A morte de Ywa não foi um erro, foi completamente calculada, foi tanto um castigo quanto a vingança dos deuses e de Kupala.
- Bem mais do que deveríamos. - Após o Elfo dizer isso chegamos à porta.
- Já disse isso, mas nem eu e nem Faolan somos heróis. Vingança. Pessoas como nós não... Pessoas como eu não agem pelo que acha melhor para a maioria. Faço o que é melhor para mim. Coincidentemente Faolan também queria vingar nossa amiga. Nada mais justo. Eles tiraram a vida de uma pessoa que nós amávamos, de certa forma mudaram as nossas vidas... Nós mudamos as deles também.
- Nunca se esqueceram de nós. Acho que sobraram alguns antigos membros, mas isso foi bom. Assim teremos alguém para passar a história para a frente. O que fizemos foi... Foi loucura. Só que essa época passou.
- Éramos jovens... Eu era uma jovem. Cometemos um erro. Reconheço. - Disse olhando para Keir. Que parecia satisfeito por minhas palavras. - Deveríamos ter matado todos. Quem sabe não façamos isso após Atarah recuperar o trono?
- Pelos deuses. - Murmurou meu marido.
Ela era de pedra de Dhara, mas só era possível se trancar por dentro. Nada de real valor estava dentro da casa, quando está vazia está vazia.
A madeira já estava começando a apodrecer e estava tudo coberto de pó, mas ninguém aparentava ter entrado lá nos últimos dois anos. Batemos as cobertas e os travesseiros. Havia diversos quartos pequenos na casa, era uma base, ou pelo menos era para ser.
Dormimos como pedra, e ao invés de partirmos no outro dia acabamos passando mais de quatro semanas na casa, havia dinheiro escondido embaixo do piso e o usamos para comprar comida e descansarmos. Aproveitamos também para ver se alguma informação útil surgia, mas nada.
Pegamos então um mapa de todo o Leste, e fomos eliminando cidade por cidade. Os deuses bem que poderiam me ajudar nesse momento, mas aparentemente estou fazendo exatamente o que eles querem... Demorando. O que eles estão planejando?
Faolan saiu um dia, cedo, foi algo incomum, já que ele e Keir dormem quase sempre até o meio do dia, mas ter a casa só para mim e o ladrão nem foi algo lá tão ruim. Pelo contrário. Foi ótimo. Escutei a porta sendo aberta, mas sabia quem era. Keir que se levantou da pequena cama.
- Faolan... Você cortou o cabelo. - Aquelas palavras atiçaram a minha curiosidade, e então corri para ver.
Assim que cheguei à sala não consegui parar de rir, o cabelo do Elfo era tão lindo. Enquanto gargalhava a ponto de fazer barulho de porco disse. Já quase caindo no chão.
- Você cortou... E agora ficou uma merda. - Ri ainda mais alto. Meu rosto e meu estômago doíam.
O Elfo revirou os olhos e tentou argumentar.
- Estamos indo para uma possível batalha. Não para um baile para encontrar uma amante nova... - Ele passou as mãos nos cabelos curtos com um orgulho estranho, nada convincente. - E nem ficou tão ruim.
Ri mais.
- Desculpe... Mas vou ter que concordar com a Keres, ficou bem ruim.
Keir concordar comigo deixou Faolan bravo. E isso foi maravilhoso.
- Isso não importa! Estamos indo para uma possível guerra, e não provar os vestidos de Atarah.
Olhei para meu marido tentando não rir mais, ele estava vermelho.
- Espera aí. Você provou os vestidos dela?
Todos ficamos em silêncio, Faolan e o ladrão não se olhavam. Pelos deuses. Eles estavam juntos nessa. Keir olhando para o chão respondeu.
- E você não? - Agora realmente caí junto com a gargalhada.
- Atarah estava longe. Nas Terras Férteis. E estávamos bêbados. - Tentou justificar o Elfo. E baixinho acrescentou. - A ideia foi de Sorin.
- Isso é bom de mais para ser verdade.
Continuamos nossa procura, mas com o passar do tempo percebi que todos estávamos perdendo as esperanças. Atarah não estava morta, mas quem sabe ela preferisse estar. E nesse tempo do jeito que ela é já deve ter começado uma nova vida, mesmo assim. Atarah Kalliste é a rainha do Norte e eu estou apostando nela, não vou perder por ela decidir que prefere viver uma vida chata por ser segura. Quero que ela luta, lute pelo nosso território, preciso que a rainha vença Adenna. Custe o que custar.
"Virginia Hollis" sussurrou a morte em meus sonhos, um nome, uma pista, algo!
Naquele mesmo dia saímos batendo procurando a "irmã" de Keir, Virginia Hollis, mas ninguém pareceu levar a sério, então Faolan decidiu mudar a pergunta.
- Sou um comerciante do Sul e estava procurando os Hollis, temos um acordo muito importante a fechar. Sabe onde os encontro?
Perguntou ele em uma loja de tecidos onde duas moças estavam, se vestiam absurdamente bem, mas tinham um sotaque mais arrastado, eram de perto de Alida, mas pelas vestimentas não eram de um pequeno vilarejo...
- Lyan Hollis? - Disse a senhora.
- Será que ele está pesando em comprar mais tecidos para fazermos mais vestidos para Virginia? - Disse à jovem que deveria ser sua filha num tom bem animado.
Atarah casou... Respirei fundo, ainda vou encher ela de porrada. Ela fez um nobre do Leste se tornar rei do Norte.
- Ele casou? - Perguntei curiosa.
A menina pareceu espantada a me ver. A assassina de Bruxos. A assassina vermelha. A carmim...
- Fiquem tranquilas meninas, a carmim não vai machucar ninguém. É minha esposa. - Disse Keir jogando o braço sobre meus ombros.
- Faz cinco semanas que estão casados, acho inclusive que ela está grávida, nunca vi a senhora Hollis tão feliz. Ela nunca gostou das noivas do Lyan, mas somos de Ailith, se quiserem ir conosco...
Não perdemos nosso tempo escutando o final da proposta da jovem. Atarah não pode estar grávida, isso será um problema imenso para mim. Pegamos nossos cavalos e partimos para Ailith.
- Ainda estou surpresa que alguém tenha acreditado que você é um comerciante. - Falou Keir para Faolan.
- Eu também, mas vocês Bruxos são realmente muito tolos. Não me surpreenderia em nada.
- Aquelas duas estavam comendo Faolan com os olhos, acho que nem estavam se importando com o que falavam.
- Pensei que teríamos que comprar a informação. - Disse meu marido.
- Eu também.