As Pernas da Cobra (degustaçã...

By ClaraAvelino

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Lib gostava de muitas aventuras na vida. Lib gostava de poder ter certeza de suas decisões, mesmo elas sendo... More

🐍 Notas Iniciais ⚽️
00 • Love To Hate It
01 • Highway To Hell

02 • Bad Decisions

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By ClaraAvelino


"Eu estou tomando decisões ruins
Decisões muito, muito ruins
Estou tomando decisões ruins
A seu respeito."

(The Strokes)

Hensel não gostava dos momentos antes dos jogos. Sentia as mãos gelarem e, não importava há quantos anos jogasse, parecia que iria infartar a qualquer instante. Mas, na hora em que ele entrava em campo, era diferente.

Tudo era diferente. Não tinha sensação melhor que aquela. Olhar todas aquelas pessoas que dependiam de você e ver o jeito que elas depositavam esperança e amor. Olhar como elas conseguiam transformar o céu azulado numa chuva amarela.

O time estava no vestiário para jogar pela Liga dos Campeões. Todos estavam nervosos e um pouco receosos, afinal, os últimos jogos fora de casa estavam sendo frustrantes em uma dimensão inimaginável. Tudo bem empatar com o Mainz, agora perder para o lanterninha? O Dämmerung não perdia para o Darmstadt há quase quarenta anos. E haviam perdido de um jeito tão feio que ainda era humilhante lembrar.

Logo o apito foi dado e o jogo da rodada começou. Becker não estava como titular... de novo. Por mais que tivesse sido uma das contratações mais caras do time, sua função estava sendo apenas esquentar o banco, então ele estava frustrado, irritado e com um leve sentimento de inutilidade. Sentimento esse que continuou até o fim do jogo, cujo resultado trouxe o péssimo gosto de derrota à boca.

As redes sociais também não perdoavam. Cada comentário era mais desgostoso que outro, e a atenção só não estava unicamente neles porque não haviam perdido com saldo negativo de quatro gols, como certo time espanhol...

Naquele dia, eles teriam que tirar foto com mais alguns fãs que haviam comprado o passe para os bastidores. E enquanto seguia os companheiros de time para a área VIP do estádio, foi impossível não lembrar de uma ruiva com péssimo humor e de um copo d'água voando da mão dela direto para o seu rosto.

Já havia conhecido pessoas mal humoradas, mas aquela garota era a personificação do próprio Grinch.

Os encontros do dia foram bastante calmos, no entanto. Nada como a última vez. E, por mais estranho que parecesse, Hensel se sentiu entediado com tanta calmaria.

Todos os jogadores estavam de volta ao vestiário em um piscar de olhos, buscando suas coisas e tomando seus banhos para partirem para suas casas. O loiro estava esperando pacientemente todos irem embora, porque tinha combinado de sair com Sebastian para jantar — por mais que o horário não fosse nada apropriado para isso.

Ei! — Hensel chamou o goleiro, crispando os lábios quando o moreno virou em sua direção. — Eu vou escolher dessa vez, não é? Porque, olha, hambúrguer com macarrão de queijo não foi uma sábia escolha.

— Hensel, você me respeite viu? — O goleiro fez uma careta, fingindo estar afetado. — Mas sim, é sua vez. Você tem autorização para estragar meu estômago.

Sebastian Carson era o atual goleiro titular do Dämmerung Dortmund, carregava o número 39 nas costas e, ocasionalmente, recebia afeição o bastante da torcida para ser intitulado como A Muralha. Na maioria das vezes, no entanto, ele era julgado pela porcentagem masculina — por ser um grande gostoso.

— Batata frita — Hensel disse de forma simples. — Não dá dor de barriga, e eu não vou ouvir reclamação nenhuma do treinador por chegar uma hora atrasado ou ouvir piadinhas suas por estar preso no banheiro.

Rapidamente, os dois já estavam numa lanchonete qualquer. Estava vazia àquela hora da noite, e isso facilitou muito a vida de ambos. Uma fuga do hotel por algumas horas era reconfortante.

O pedido foi feito rapidamente.

— Como vão as coisas com a Aneska? — Hensel perguntou. Aneska e Sebastian tinham um rolo quem nem mesmo eles próprios conseguiam explicar. Rolo esse que era mantido escondido dos outros; tudo isso porque Aneska era prima de um dos seus primos, e todos a tratavam como se fosse realmente da família.

— Bem, eu acho... É difícil saber como as coisas estão se você não pode nem sair de mãos dadas com sua namorada por aí. — O pobrezinho tinha um semblante tão triste que parecia um cachorrinho sem dono. — Eu sei que não podia passar o dia de hoje com ela de qualquer jeito, já que ela tá em casa e eu aqui, mas você sabe né? Queria postar uma fotinha pelo menos, uma declaração brega...

Awn, vocês dois são tão melosos que eu acho que peguei diabetes.

— Cara... que piada sem graça. Minha mãe tem diabetes.

Hensel parou de rir no exato segundo, o rosto ficando tão vermelho quanto um pimentão. Para piorar, a batata desceu errado e ele começou a engasgar.

Era brincadeira, porra. — Bash começou a rir, levantando para tentar ajudar o atacante a engolir a batata ou soltar de vez. O pedaço de comida voou pela mesa e caiu, mastigado e nojento no chão. — Nojento, mas legal. Caso você pense em me zoar de novo só porque eu estou apaixonado, eu vou colocar pimenta na sua cueca.

— Eu te odeio. — Hensel tossiu mais uma vez, bebendo um gole de água só para ter certeza que não tinha mais nada entalado. — Eu não lembro de você ser tão sentimental. Isso de namoro não faz bem... Obrigado — O garçom chegou com mais duas porções gigantes de batata com muito queijo derretido, prato que Bash apelidou carinhosamente de bomba calórica. — Eu dou um ano para vocês dois estarem casados.

— Aneska tem 21 anos, cara, tá doido? Ela quer terminar a faculdade ainda, arranjar um emprego, ter a experiência total de morar sozinha... Você, meu caro amigo, é que deveria estar pensando em casamento.

— E eu vou casar com sua irmã, né, inferno? As pessoas costumam ter namoradas para poder começar a pensar num casamento, coisa que eu não tenho. Além do mais, ainda é cedo demais para mim.

Becker... Você vai fazer 27 anos.

— Idade é relativo demais, metade do time não é casado ainda, nem tem filhos...

— Metade do time acabou de fazer 20 anos, Hensel. Olha o Gonzales, ele tem sua idade e a Melissa tá grávida do terceiro bebê dos dois.

— Isso é totalmente injusto — o mais velho resmungou com a boca cheia. — Marco e Melissa namoram desde adolescentes. Os dois se conheceram quando eram crianças!

— Ok, outro exemplo. — Bash pensou por um tempo antes de falar. — Gerstner. Não faz um ano que ele e a namorada são um casal, e já estão morando juntos. Aquele seu amigo lá da Inglaterra... ele pediu a namorada em casamento quando os dois tinham o quê? Seis meses de namoro? — Os olhos do goleiro se arregalaram como se ele estivese prestes a atacar o amigo. — SUA IRMÃ! Sua irmã se casou com dezenove anos.

— Tá. Certo. Tá. Tá. Tá. Qual seu ponto? Em momento algum eu fui contra algum romance, e você me trata como se eu fosse contra o amor! É claro que eu quero me casar e quem sabe um dia formar uma família, mas namoradas não caem do céu. Eu preciso de alguém do meu lado e, até onde eu sei, não tenho uma namorada... Cara, eu não tenho nem uma peguete! Uma maria chuteira ou fã psicótica.

Só porque não quer... — Sebastian se encolheu, brincando com uma batata entre os grandes dedos e fingindo não notar o olhar do amigo vidrado em cima de si. Ele tinha falado daquele jeito, eu não estou dizendo nada, mas ao mesmo tempo estou dizendo um milhão de coisas. Você que é burro demais para entender o implícito. — Você se fechou muito depois que terminou com a Jade, é só isso.

Só pela menção mínima do nome da ex-namorada, Hensel se permitiu fechar a cara e suspirar pesadamente. Sentia que sua cabeça começaria a doer a qualquer momento se a conversa seguisse aquele rumo.

— Faz um ano, Beck. Um ano. As pessoas seguem em frente. Sua ex seguiu em frente, e você continua na mesma. Parece até que continua apaixonado pela mulher.

— Nem vem, eu não sou aquele cara que ainda é apaixonado pela ex... — Hensel revirou os olhos. — É só medo de tudo acontecer de novo e eu sentir que vou estragar a vida de mais uma pessoa.

Jade Sollis era, como a conversa já havia deixado claro, ex-namorada de Hensel Becker. Os dois passaram três anos inteiros juntos e até chegaram a dividir uma casa, mas o problema começava e terminava com quem eles eram. Jade conheceu Hensel numa viagem, e os dois se jogaram de cabeça na relação, esquecendo totalmente o fato de que ela morava no Canadá e ele, na Alemanha. Mas decidiram manter tudo, mesmo com a distância. Até o dia que o alemão decidiu chamar a mulher para morar com ele e ela foi. Casa nova, vida nova. Ele estava pensando até em casamento.

Mas era difícil para ela. Estar num lugar novo e estranho. Com uma língua nova e desconhecida. Longe de sua família e de tudo que um dia foi familiar. Até mesmo quando começou a se acostumar com a cidade em que os dois moravam, Hensel mudou de time e eles se mudaram para Dortmund.

Um mês depois ela foi embora.

— Você não vai saber se não tentar, só vai ficar sofrendo por uma coisa que já passou.

Desde quando você virou esse romântico incurável? E por que minha vida amorosa de repente te interessa tanto? — Quer dizer, o goleiro era o mais próximo de Hensel no time, mas nunca tinha pressionado tanto o homem por causa de uma coisa tão... boba.

Mas Bash não respondeu.

Desviou os olhos e enfiou um bocado de batatas na boca de uma vez só.

Sebastian...

Foi a Anexxka. — Sua boca estava tão cheia que as palavras saíram emboladas. Mas, então, ele engoliu tudo e começou a falar de forma disparada. — Ela ficou perguntando se você não estava saindo com ninguém e reclamando que eu não fazia nada como se fosse minha obrigação, sabe? Aí eu comecei a reclamar de volta e falei que, se ela estava tão incomodada com o fato de você não transar, ela que arranjasse alguém para você.

E QUEM DISSE QUE EU NÃO TRANSO?

— Você. Cinco minutos atrás.

Hensel abriu e fechou a boca. Tinha acabado de se entregar e não tinha um daqueles aparelhos de MIB. Merda.

— Eu não vou sair com ninguém. Diz pra ela parar de procurar e que não estamos num livro de romance, muito menos num filme estadunidense. — Hensel se levantou, pegando um punhado de batatas e indo na direção da saída. — Você paga a conta.

Sebastian pensou em um milhão de coisas que poderia falar, em como poderia convencer o amigo a deixar Aneska seguir com o plano de achar uma namorada para ele. Mas não, o homem não iria aceitar.

Até que uma ideia estúpida surgiu na cabeça do goleiro.

Ela já achou!

Os pés de Hensel pararam no exato momento.

— Achou? — Ele virou apenas a cabeça na direção do amigo.

— Sim. E já marcou um jantar para vocês dois. Não me disse a data ainda, mas já marcou, e você não pode dar um bolo na mulher.

— Você acabou de inventar isso.

Não! — Sebastian caçou características aleatórias em sua memória e começou a falar. — Ela odeia futebol e não faz ideia de quem você é... Aneska disse que ela é legal. Gente boa. Ela... Ela tem um nariz bonito. E uma boca bonita. E... olhos bonitos. E um nome diferente.

Hensel segurou a risada, conseguia saber quando o amigo estava mentindo. Com certeza, aquela seria uma das situações em que ele iria se matar para tentar fazer algo e não daria certo, então o alemão teria o resto da vida para poder jogar a mentira na cara dele e rir disso.

— Certo.

E também tem um sobrenome legal e... Certo. Você aceitou?

— Sim. Mas você ainda paga a conta. Tchau.

Hensel não estava num humor muito bom. Os últimos jogos tinham drenado totalmente sua vontade de fazer metade das coisas, e odiava ser pressionado demais, ainda mais em relação a algo tão pessoal... Mas ele estava solitário. Sentia falta de alguém ao seu lado na cama. Mais do que groupies ou fodas de uma noite poderiam fazer.

Mas as coisas iriam melhorar, porque, além de tudo, ele estava voltando para sua casa e para sua paz.

Hensel gostava de estar em casa.

⚽️⚽️⚽️⚽️⚽️

Libanesca já havia terminado de arrumar todas suas coisas. Era rápida, e sua preguiça de arrumar a mudança era tão grande que já estava tudo pronto. Tinha vontade de dormir embaixo do chuveiro, sentindo a água quente relaxar seus músculos. Livros estavam em seu lugar, armários montados, closet arrumado, quarto de estudos pronto, seu mini laboratório era divino e o aquário de Salazar estava devidamente ajustado para que a cobra pudesse ser feliz ali dentro.

Seu telefone começou a vibrar, e o nome de sua irmã mais nova apareceu na tela. Ingryd estava ligando pelo Skype na chamada de vídeo. Lib se jogou na cama e atendeu, lembrando a si mesma que precisava colocar um roteador e internet fixa naquela casa com urgência.

— Você não consegue viver sem mim. — Um sorriso malicioso pairou nos lábios da ruiva assim que disse sua primeira frase.

Que bom que sua viagem foi ótima! — Ingryd ironizou, gargalhando em seguida. Sua risada era tão infantil quanto sua voz. — Pai! Lib já está na casa nova.

Diga que eu mandei um beijo. — A voz do homem fora ouvida ao fundo. Nem coragem de mandar um beijo diretamente para a filha ele tinha.

— Você está na casa dele? — a ruiva perguntou, ajeitando o celular para segurá-lo com apenas uma mão.

Sim, hoje é aniversário da Frankia. — Frankia era a atual mulher do pai delas, já que ele havia se separado da mãe de Ingryd alguns anos atrás. — Já está com tudo arrumado? Você é rápida.

— Isso é preguiça, você sabe que é. — Ingryd sabia que era verdade. Aquilo era puro comodismo para não ter o que fazer depois. — Eu ainda vou pintar as paredes, detestei esse tom de amarelo. Vou colocar azul. Ou vermelho.

Você está em Dortmund, é um crime pintar as paredes de vermelho ou azul. — O lado torcedora de Ingryd sempre falava mais alto. — Já se bateu com algum dos jogadores? Eles estavam voltando para a cidade hoje!

— Eu realmente não sei porque eu estou gastando minha internet pra você me falar isso. — Libanesca rolou os olhos — Não tenho comida para jantar, alguma sugestão?

Saia para jantar com alguém. — De primeira, a sugestão da irmã soou absurda. Na segunda vez que Lib prestou atenção no que ela estava dizendo, tinha arranjado um adjetivo além de absurdo para definir.

— Só se eu conseguir um gigolô. Será que já fizeram um aplicativo pra isso? — A mais velha fingiu estar pensando, e logo depois emburrou a cara novamente. — Vê se me erra, Ingryd.

Não seja tão pessimista, irmã. — Se Lib fechasse os olhos, conseguiria ver os olhos curiosos de Ingryd, o sorriso de criança travessa e seu eterno jeito de menina — Vá num encontro às cegas, parece ser interessante.

— Eu não sei porque diabos dou ouvidos para você.

Vamos lá... O que você tem a perder? Dignidade nunca teve, não tem namorado e nem ficante, é uma cidade onde você é nova... Um encontro e tudo resolvido.

Lib ponderou. A ideia pairou por sua cabeça até o momento que sua irmã finalizou a ligação.

Encontro às escuras.

Talvez realmente não fosse tão ruim. Talvez ela quisesse fazer aquilo.

Lib havia gostado da ideia de um encontro com um desconhecido, e por isso aconteceria.

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