A Busca pela Árvore da Vida (...

By ElizeuFeitosa

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Bem-vindo à Busca pela Árvore da Vida, um polêmico romance que narra a história de um grupo de jovens na busc... More

Book Trailer
Nascimento!
Prólogo
Existência!
Capítulo I
Alegria!
Capítulo II
Divisão!
Capítulo III
Diferenças!
Capítulo IV
Orgulho!
Capítulo V
Criação!
Perfeição!
Capítulo VII
Atribuições!
Capítulo VIII
Prelúdio!
Capítulo IX
Consideração!
Capítulo X

Capítulo VI

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By ElizeuFeitosa

A BATALHA

O dia amanheceu quente. Wesley levantou e foi ao banheiro tomar um banho e escovar os dentes enquanto planejava o dia com Mariah. Ainda não tivera uma boa oportunidade com a moça e o tempo estava correndo de forma que precisaria acelerar seus planos e aumentar a investida. Pensando assim, saiu do banheiro e vestiu um calção antes de se dirigir à cozinha para o desjejum. Quando chegou, Mariah já estava lá, a comer e tomar café.

– Bom dia Wesley! – A moça levantou e o saudou com um beijinho no rosto. – Levantou cedo hoje?

– É, levantei. – respondeu – Queria aproveitar o dia já que passei os dois últimos dormindo. – e sorriu, meio sem graça sentando-se e comendo um pedaço de pão com manteiga – O Thomas ainda não levantou? Na estrada ele sempre levantava antes de mim.

– Acredito que sim, ele sempre levanta cedo. Já deve estar nos estábulos cuidando dos cavalos.

Wesley franziu o cenho. Apesar de nunca ter visto o primo maltratando animais desnecessariamente, também nunca o vira cuidando de um. – Terá o campo amolecido o coração do necromante, pensou.

– Ele faz a limpeza todas às manhãs. Meu pai determinou que pelo menos um de vocês trabalhasse para pagar pela hospedagem e comida – disse a moça limpando a boca com o punho – Thomas aceitou sem pestanejar e como você estava desmaiado...

– Sério! Não sabia disso. – nunca imaginou o primo orgulhoso limpando estábulos e a cena despertou sua curiosidade – Está aí uma cena que eu gostaria de ver.

– Podemos passar lá agora se você quiser. – respondeu a moça se levantando da mesa.

– Não, não! Se eu aparecer por lá é bem capaz de ganhar serviço. Vamos fazer algo mais divertido.

– Então podemos passear no bosque. O dia está quente e debaixo das árvores sempre corre um vento fresco. Podemos levar docinhos e refrigerante e fazer outro piquenique.

Wesley concordou com a cabeça e Mariah passou a fazer os preparativos para o passeio. Organizou a cesta com os lanches e deu a garrafa de suco para Wesley segurar, enquanto avisava os criados que sairia para o bosque com o amigo. Wesley buscou sua mochila de viagem e saíram para o campo, mas preferiram ir andando para não correr o risco de Thomas os interceptar e frustrar seus planos.

-:-

O caminho era arborizado e sereno. Um vento fresco soprava do leste e levantava as folhas caídas que forravam o terreno formando pequenos redemoinhos que Wesley tentava dissipar com os braços, enquanto Mariah ria e aplaudia as travessuras do rapaz.

Caminharam por cerca de meia hora e chegaram. O bosque era o mesmo que tinham estado anteriormente, ainda na companhia de Thomas, e parecia intocado pelo tempo. Grandes figueiras subiam aos céus e causavam uma sensação de inferioridade nos visitantes, que se sentiam minúsculos, frente às árvores imponentes.

Mariah forrou o chão e sentaram. Wesley retirou a mochila das costas e sacou o bandolim enquanto a moça servia uma fatia de torta e encarava o amigo com ternura.

– Vai tocar pra mim? – perguntou enquanto ele afinava as cordas.

– Se você quiser. – e sorriu para ela – Estou meio fora de forma. Há dias não pego no bandolim.

– Mas você está me devendo uma canção. – disse forjando um ressentimento – Não pense que me esqueci.

– Pois pagarei agora. Sobre o que quer que eu cante?

A jovem pensou um pouco olhando ao redor. Um leve zumbido soava no vento e quebrava o silêncio e, ao longe, um exame de abelhas seguia em direção aos jardins. Nuvens esparsas enfeitavam o horizonte e conferiam uma atmosfera calma ao lugar, enquanto ao seu lado, um jovem rapaz de cabelos loiros a encarava como que perdido em seu olhar.

– Sobre meus olhos. – respondeu a moça – E sobre o horizonte, e abelhas, mel e tudo mais que é belo e bom.

– Certo. Verei o que posso fazer. – E ajeitou-se na relva acomodando o bandolim no colo e dedilhando algumas notas.

Os primeiro acordes indicavam uma canção animada e a moça começou a se agitar ao seu lado.


Subi no monte, buscando um horizonte. Pra onde foi minha princesa?
Desci rodado, pelo outro lado, na ânsia de uma surpresa.
Quanta desilusão, minha busca foi em vão;
Mas resta uma centelha. Vi um zangão com sua abelha.

Ooooh. Só me restava a tristeza

Ooooh. Na busca de minha princesa.
Cansei da estrada, olhei para o nada, ainda sem minha princesa;
Voltei pra casa, voando sem asa, tentando aplacar a incerteza.
Ela estava lá, comendo mel com jatobá;

Quando a vi, dancei. Nos seus olhos mergulhei.

Ooooh. Chegava ao fim a tristeza

Ooooh. Finalmente encontrei minha princesa.


A moça aplaudiu e ovacionou o rapaz que sorriu constrangido. Ia se levantar para dar um abraço e um beijo de agradecimento quando uma raposa vermelha surgiu de uma moita carregando um filhote de lebre nos dentes. O animal ainda estava vivo e remexia vigorosamente tentando se libertar do predador. Mariah avançou rapidamente em direção ao animal e este fugiu deixando a presa para trás. A moça pegou a lebre e a colocou no colo. Seu vestido branco manchou-se de vermelho com o sangue que vertia continuadamente do animal e Wesley fez menção de retirar-lhe do colo, mas ela não quis. Abraçou o bichinho e virou-se para o rapaz como olhos suplicantes.

– Ela vai morrer se não fizermos alguma coisa. – Wesley tentou falar, mas não sabia o que dizer. O mais certo seria levá-lo a um veterinário, mas sabia que o animal não sobreviveria ao percurso.

– Vamos levá-lo para a sede e tentar um curativo, mas não tenho grandes esperanças, o ferimento é muito grave – concluiu examinando a lebre.

Mariah levantou-se decidida e Wesley imaginou que ela acataria sua ideia, porém a jovem deitou o animal no chão folhado e desenhou um pentagrama com um círculo em volta. Uma luz pálida seguia seus movimentos e iluminava o local produzido um efeito fantástico entre as folhas. Wesley assistia a tudo boquiaberto enquanto a moça fechava os olhos e recitava lentamente.

X CANÇÃO DO LIVRO BRANCO

Mariah abriu os olhos e Wesley reparou que as pupilas haviam desaparecido. Seus olhos estavam totalmente brancos e emitiam uma luz prateada. Ela fixou o olhar na lebre e iniciou o canto.


Luz e terra, folhas e vento;
Círculo Branco, feliz tratamento.
Problema tratado, estágio aflito;
Ferida sarada, eu requisito!


O brilho do círculo se expandiu e produziu uma nuvem branca sobre o animal. Subitamente a luz subiu aos céus e desceu violentamente, atingindo em cheio a lebre que se esparramou com a descarga e guinchou em protesto, no mesmo tempo em que a luz se espalhava sobre seu corpo e a ferida desaparecia instantaneamente.

Wesley estava estarrecido; nunca imaginara que Mariah poderia ser uma druidisa8. Já ouvira histórias das habilidades de cura dos integrantes do extinto Círculo Branco e das desventuras da Irmandade Branca, uma legião formada por druidas quase que exclusivamente do sexo masculino, mas jamais esperara encontrar uma druidisa em pessoa em meio a sua própria aventura. Tomado pela emoção e sem ter palavras adequadas para o momento, levantou-se para abraçá-la enquanto a jovem colocava o animal sadio no colo e chorava também emocionada.

– Eu a salvei, Wess. – Wesley sorriu, emocionado pela forma carinhosa como a moça o tratou e concordou com a cabeça, enquanto Mariah continuava falando extasiada – Como minha mãe havia me ensinado. Eu consegui – E sorriu em meio às lágrimas, abraçada com o amigo.

O vento começou a soprar novamente e levantou as folha que forravam o solo. Araras vermelhas saíram em revoada gritando e grasnando enquanto do alto das árvores bandos de saguis guinchavam e pulavam de galho em galho como que comemorando o ato recente, mas nada disso foi ouvido pelos dois que pareciam envolvidos por uma mágica especial. Os corpos se aproximaram e Wesley pode sentir o doce sabor dos lábios de Mariah. Parecia que nada no mundo poderia interromper aquele momento, porém um som irônico vindo de trás da árvore mais próxima os trouxe de volta a realidade.

-:-

– Clap, clap, clap – A madrasta, com seu belo vestido preto, saía de trás da árvore batendo palmas e sorrindo para os dois. Wesley assustou-se e supôs que a mulher fosse repreendê-los pelo comportamento ousado, mas ela se limitou a encará-los com uma olhar sarcástico.

– Meus parabéns, Mariah! – disse finalmente – Até que enfim desencalhou. Apesar do seu pretendido não ser grande coisa, combina bem com você. Feio, burro e um mago de quinta categoria. Diga-me afilhada, ele também só sabe executar magias de cura?

– Wesley é um mago muito melhor que a senhora um dia poderá sonhar a ser. Ele tem um coração gentil e ama a natureza – disse Mariah se levantando e enfrentando a bruxa que a encarava com um olhar de desprezo.

– É! Deve ser um ótimo mago mesmo. Se escondendo atrás de uma druidisa fraca que possui apenas ridículos poderes de cura. Foi uma bela herança que sua mãe lhe deixou não, afilhada? – e mudou o semblante – O privilégio da água não á salvou de mim e muito menos salvará a ti. Pretendia esperar você se formar e desaparecer daqui para colocar meus planos em curso, mas já que contratou esses projetos de magos para me impedir acho que vou ter que acelerar as coisas. Depois que acabar com você e dar um fim no seu inútil pai, será fácil requerer a propriedade e tomar posse das terras como herdeira legítima.

Wesley que até aquele momento permanecera sentado levantou-se e encarou a maga negra frente a frente. Seus olhos estavam totalmente esverdeados e um vento fresco recomeçou a soprar brincando com seu cabelo e balançando os galhos das árvores.

– Pode me criticar sempre que quiser, senhora. Eu não ligo. Mas não posso permitir que ofenda Mariah na minha frente. Não gosto de lutar com mulheres, mas o farei se não se retratar.

O vento ficava mais forte à medida que Wesley falava, levantando o vestido da necromante e revelando a delicada lingerie preta e as belas pernas torneadas.

– É só isso que você sabe fazer? – zombou a bruxa – Levantar saias de mulheres? O que pretendia; vencer-me pela vergonha? – e riu mais alto – Ou pretendia mostrar à minha tola afilhada o seu "grande poder"? – completou frisando o final.

– Chega! – Wesley abaixou e desenhou pentagramas no chão em volta de si enquanto a necromante parecia se divertir com a situação. O protetor a ignorou, concentrando-se no Ritual. Levantou, fechou os olhos e recitou.

XXXVI CANÇÃO DO LIVRO VERDE

Wesley abriu os olhos e tocou no tronco das árvores ao redor. Os círculos brilharam e subiram pelo caule atingido as folhas e se espalhando no ar no mesmo instante em que o Protetor iniciava o canto.


Progênies da terra, barreira solar;
Umidade dispersa, vapores no ar.

Terreno fecundo, promessa cumprida;
Levante regido, liberdade retida

Figueira frondosa, plantada no chão;

Se ergue da terra, uma verde prisão.
Oferta servida, Exórdio do rito;

Domínio da flora, eu solicito!


O ar se tornou mais quente e seco. A grande árvore que os sombreava balançou de um lado para outro como se soprada por um vento tempestuoso e tremeu, tentando libertar-se do chão. Em seguida seus galhos se moveram e formaram punhos que se abriram e agarram a necromante erguendo-a até o topo. A mulher, embora surpresa, não revelou sinais de medo ou apreensão, apenas curvou-se para frente ao ser espremida entre os galhos que a suspendiam no ar.

– Retrate-se! – gritou Wesley se posicionando embaixo da estranha prisão verde que armara para a madrasta de Mariah – Retrate-se e a deixarei ir. Caso contrário ordenarei que esses galhos espalhem suas tripas por toda a extensão do bosque.

Apesar da situação aparentemente desfavorável a mulher riu e levantou o rosto para encará-los.

– Meus parabéns, garoto. Acho que o subestimei. Não imaginava que um pé-rapado como você fosse capaz de executar um canto dessa complexidade e ainda permanecer em pé. Eu bateria palmas novamente, mas meus braços estão um pouco ocupados no momento.

Ao dizer isso, a necromante moveu o corpo para trás, aparentemente tentando se soltar e expirou, libertando o ar dos pulmões. Wesley percebeu a tentativa e apertou ainda mais o abraço da árvore, forçando a madrasta a retornar a posição anterior. Dalila não se deixou abater. Abaixou a cabeça sorrindo maliciosamente e, ao levantar, seus olhos estavam totalmente negros, como se a pupila houvesse engolido o restante. Ela gargalhou maleficamente e recitou lentamente.

XVIII CANÇÃO DO LIVRO NEGRO

O tempo escureceu. Wesley e Mariah sentiram como se o ar ao seu redor estivesse sendo sugado por uma força invisível e poderosa. O protetor apertou ainda mais o abraço e saliva e espuma escorreram da boca da madrasta, envolvendo e molhando as folhas e galhos ao redor. A necromante voltou a gargalhar, satisfeita, e um cheiro sufocante de veneno inundou o ambiente quando a ela iniciou o canto.


Pedido cumprido, oferta pendente;

Saliva rogada, resposta prudente.
Encanto nocivo, contágio seguro;

Curtido veneno. Eu asseguro!


Feixes de luz negro-arroxeada saíram das mãos da bruxa e percorreram o caule e as raízes da planta. O local onde a saliva havia caído começou a ferver e liberar uma fumaça negra que se espalhou pelos galhos em forma de punho, formando uma cobertura negra e fumacenta sobre a casca da árvore. As folhas murcharam e a árvore parou de se mexer libertando a necromante que deslizou pelos galhos em direção ao solo com um sorriso nos lábios.

Wesley não se deu por vencido, moveu os braços para a próxima árvore e imediatamente ela se moveu em direção a necromante tentando agarrá-la. A madrasta apenas cuspiu sobre seus galhos e a figueira murchou e secou, parando de se mover.

– Não adianta moleque! – zombou a bruxa – Seus truques não passam de brincadeira de criança perto de mim. Dê-me um segundo e lhe mostrarei magia de verdade. – dizendo isso a Dalila sacou uma velha mochila de trás da árvore da qual saíra e despejou seu conteúdo com estardalhaço no chão.

– Reconhece Mariah? Isso é o que sobrou de sua mãe. – A garota levou as mãos ao rosto e chorou ao contemplar aquela cena grotesca. Um amontoado de ossos e cabelo se formou aos pés da necromante que sorriu e atirou um osso no casal que a contemplava horrorizados. – Diga olá para a mamãe – E riu diabolicamente.

Wesley se moveu na expectativa de apanhar a bruxa de surpresa enquanto ela zombava de Mariah, mas a mulher se virou e encarou-o fingindo ternura.

– Não se preocupe queridinho. Não me esqueci de você. E antes que pergunte, não trouxe esses ossos aqui apenas para reunir a família. Vou lhe mostrar o verdadeiro poder dos nascidos sob o privilégio das trevas.

Dizendo isso a madrasta abaixou-se e começou a desenhar um pentagrama com as mãos. O tempo voltou a escurecer à medida que ela desenhava, e seus olhos, que tinham voltado ao normal, agora estavam negros novamente. A mulher levantou e exclamou lentamente:

LXVI CANÇÃO DO LIVRO NEGRO

O tempo fechou. Uma fumaça negra emanou da mulher e infestou o lugar tornando-o sombrio e gélido. Os ossos tremeram sob seus pés e a necromante iniciou o rito.


Clamores das trevas, refúgio sombrio;
Almas seladas, hospedeiros do frio.
Oferta arriscada, de restos mortais;

Implante soturno, vontade jamais.

Feliz apatia, domínio firmado;

Permuta concreta, serviço comprado.
Círculo negro, respaldo impuro;

Controle das mentes. Eu asseguro!


A terra tremeu. A escuridão inflou-se como um balão e em seguida retornou, envolvendo os ossos e consumindo-os. Mariah gritou de aflição e caiu de joelhos, enquanto Wesley assistia embasbacado o círculo negro devorar o que sobrara da mãe de sua amada, e desaparecer no ar.

– Pronto! – debochou a bruxa – Agora é só esperar a cavalaria chegar.

Wesley que não conhecia aquele rito estranhou que nada estivesse acontecendo imediatamente e por um minuto suspeitou que a magia houvesse falhado, mas então ouviram ao longe gritos exasperados de revolta e selvageria e o som inconfundível de uma multidão em movimento. O pai de Mariah foi o primeiro a chegar. Carregava um facão de cortar cana em uma das mãos e um punhal de prata na outra e avançou para o casal com sangue nos olhos. Aos poucos outros colonos foram chegando. Todos carregando enxadas, foices e ferramentas dos mais variados tipos e formaram um círculo em volta do casal que se abraçaram e assistiram assustados, aquela reunião nada acolhedora. Então Wesley se livrou de Mariah e deu um passo a frente. O vento recomeçou a soprar e movimentar as árvores ao redor que abaixaram e juntaram boa parte dos colonos num abraço apertado. Gritos de fúria foram ouvidos enquanto tentavam, em vão, se libertar dos galhos que os prendiam e os sustentavam no ar.

– Não adianta fedelho. Posso me livrar de quantas árvores forem necessárias. Livro-me da floresta toda se for preciso. – e tocou na árvore mais próxima fazendo a secar e se curvar, libertando o pai de Mariah e alguns colonos que compartilhavam o abraço com ele – Um truque bobo desse nunca vai me impedir.

– Então convocarei os elementos; chuvas, raios e granizo se for preciso. Ou bestas do campo; cães e serpentes. Não sirvo apenas para controlar árvores.

– E como pretendo me atingir com isso? Não duvido que consiga invocar raios, mas não tem poder para direcioná-los e poderia atingir qualquer um, desde um desses colonos imprestáveis até minha inútil afilhada. E se invocar algum animal contra mim, vou simplesmente mandar que meus homens deem cabo dele. Você vai ter que escolher, ou salva os colonos dos animais, ou os animais dos colonos. – E riu descaradamente.

Wesley sabia que ela tinha razão, mas não queria demonstrar na frente de Mariah. Por outro lado a situação se tornava desesperadora. O grupo armado se reunia novamente em volta dos dois e seus melhores trunfos haviam sido descartados. Mariah abraçou o amigo e esperou pelo pior enquanto a bruxa movia a tropa para atacá-los e se preparava para mais um ritual, movendo os braços e desenhando círculos negros no ar.

– Digam adeus crianças, foi um prazer tê-los em minha companhia todo esse tempo, mas... – A necromante não terminou a frase, pois um vento gélido começou a soprar fortemente, arrepiando os cabelos da madrasta e revolvendo as folhas que cobriam o chão. Uma força descomunal se movia ligeiramente em direção à floresta vinda dos estábulos e todos se entreolharam como que surpresos pelo acontecimento. Wesley que conhecia aquela energia maléfica sorriu e apontou com o dedo para o vulto negro que se aproximava rapidamente.

– Agora você vai ver desgraçada!

A manifestação tomou forma a poucos metros de onde todos se encontravam e a necromante pareceu surpresa ao reconhecer Thomas envolto em toda aquela energia macabra. Sabia que seu hóspede irritadiço era um necromante e sabia que ele interferiria com seus planos cedo ou tarde, mas não imaginou que o mesmo teria tanto domínio das artes das trevas. Mesmo assim tentou disfarçar e demostrar tranquilidade.

– Ora, ora! – exclamou ainda com desdém – Mais um convidado para nossa festa.

Thomas riu.

– Então finalmente se revelou bruxa. Imaginei que fosse esperar até a noite e tentar algo em surdina, mas nunca pensei que seria tola o suficiente para tentar um ataque direto em plena luz do dia.

– Dia ou noite, que diferença faz? Não preciso ocultar minhas ações quando posso controlar todos que poderiam se opor a mim. – E fez um gesto com as mãos movendo o grupo de colonos em direção a Thomas. O necromante pareceu não se importar; tirou a camiseta preta e empoeirada que usava e jogou sobre um amontoado de folhas e galhos que forravam o chão do bosque.

– Podem vir! Há tempos não participo de um bom corpo a corpo e já estava ficando enferrujado – e desviou do primeiro colono que tentou acertá-lo com uma foice, socando-o no rim direito, o velho contorceu-se e sentou no chão largando a foice a tempo de Thomas erguê-lo com um chute no queixo – Não preciso de magia para dar cabo desses velhos moribundos.

Por um momento a madrasta pareceu preocupada com o rumo que a situação estava tomando. Os colonos cercaram Thomas, que parecia estar se divertindo com a situação, mas não houve tempo para mais combates. Wesley, livre de atenção, moveu-se para o meio da disputa e comandou as árvores ao redor que, mais uma vez, prendeu a todos, com exceção da bruxa, nos galhos mais altos de suas copas.

– Não precisa me ajudar. – disse Thomas irritado.

– Não estou ajudando. Estou salvando esses homens de ti. – respondeu Wesley – Eles são inocentes. Não devemos feri-los.

– Bah! Você e sua piedade simplória. Que seja então. Vamos acabar logo com isso.

Thomas moveu os braços e formou um círculo que desceu à terra e se expandiu por toda a região ao redor. Fumaça negra subiu da terra e infestou o ambiente ao mesmo tempo em que o rapaz sacou uma faca de cozinha do bolso traseiro e fez um corte no pulso, derramando sangue no local onde o círculo descera. Um pequeno terremoto sacudiu o local e o necromante recitou com voz grave.

LXXXIX CANÇÃO DO LIVRO NEGRO

Os círculos engoliram o sangue que vertia e liberaram fumaça e cheiro de carne apodrecida. As pupilas de Thomas dilataram e encobriram toda a extensão dos olhos quando ele arquejou e iniciou o canto.


Sussurros da noite, gélida sorte;

Névoa sombria, serventes da morte.

Artéria rompida, serviço comprado;

Alma rasgada e destino selado.

Círculo negro e terreno ungido;

Força das trevas, cadáver erguido.
Oferta de sangue, de grado, servida;

Regime imposto, pendência suprida.

Sede maldita e fome voraz;

Controle astuto, vontade sagaz.

Sono suspenso, sepulcro escuro;
Morte sangrenta. Eu asseguro!


O medo tomou conta dos presentes. Wesley que apenas tinha ouvido falar naquele canto se encolheu arrepiado enquanto Mariah o abraçava receosa do que poderia acontecer. Um relance de terror passou pelos olhos da madrasta que encarou Thomas com um olhar suplicante enquanto vultos negros e gélidos subiam ao céu e desciam à terra enquanto rodeavam o necromante bebendo do sangue que escorria no chão. A cena grotesca durou alguns segundos e então a luz desapareceu como se o Sol tivesse sido engolido pelas sombras. Gritos de terror foram ouvidos enquanto o necromante se escorava no tronco mais próximo relativamente estafado.

Passos vagarosos foram ouvidos em meio a escuridão extrema. Sussurros e grunhidos acompanhavam a tétrica marcha e gelava o coração de todos, à exceção de Thomas, que apenas se esforçava para manter a compostura após o esforço de realizar aquele ritual extremo. Mariah gritou abraçada a Wesley e Dalila soluçou percebendo o destino que a aguardava.

– Espere, por favor! – suplicou a madrasta em meio à escuridão – Vamos entrar em um acordo.

– Hah! Tarde demais – respondeu o necromante – Agora que foram invocados, os mortos precisam comer. Você sabe, não é nada pessoal – E sorriu uma risada macabra.

Aos poucos o tempo foi clareando e todos puderam ver o que realmente se aproximava. A uns cem metros de distância um grupo de mortos-vivos se arrastava lentamente em direção ao grupo, enquanto suas vísceras e pedaços de carne apodrecida ficavam pelo caminho. Wesley pareceu tontear com a visão e se escorou, com Mariah, na árvore mais próxima. A mudança de atenção libertou os colonos que estavam pendurados nos galhos acima do grupo e todos caíram estatelados ao redor de Dalila. A mulher aproveitou a ocasião e posicionou-os ao seu redor para protegê-la.

Thomas fungou.

– Não vai adiantar. Eles não pararão até terem alcançado seu objetivo. Mesmo que os faça em pedaços eles se levantarão novamente até que sua ordem seja cumprida.

– Então os detenha. – a madrasta implorou – Pare-os e eu farei o que você quiser.

– Sabe que não posso fazer isso. Eles precisam cumprir a ordem ou se levantaram contra mim. Você conhece as regras, suponho.

– Então mude o comando. Pode fazer isso. Ordene que comam um dos colonos, tenho certeza que ninguém vai se importar.

Mariah abriu a boca para protestar, mas Wesley balançou a cabeça indicando que era melhor a moça não se intrometer. – Deixe por conta de Thomas – sussurrou ele.

Enquanto conversavam os zumbis aproximavam-se perigosamente do círculo de batalha. Alguns eram apenas ossos e frangalhos enquanto outros ainda conservavam uma aparência humanoide. Mariah tampou os olhos e soluçou ao ver uma criança nua acompanhando o cortejo.

– E porque eu faria isso? – perguntou Thomas respondendo à madrasta.

– Para dar fim a essa situação. – respondeu a mulher – Prometo libertar todos e ir embora para sempre. Vocês nunca mais ouvirão falar de mim. – e olhou para Mariah – Sua mãe não ia querer que você participasse disso, ela era uma pessoa boa.

– Vamos acabar com isso – Mariah suplicou para Thomas – Nada pode trazer minha mãe de volta e se ela prometer nos deixar em paz, não precisamos machucá-la. – e suspirou pesarosa – Você não pode direcioná-los para outro lugar? É terrível sacrificar um animal inocente, mas é melhor que matar uma pessoa.

– Eu juro que não me verão mais. – chorou a madrasta – Por favor!

Os zumbis chegaram ao cerco e confrontaram os colonos que protegiam a necromante. O pai de Mariah partiu o mais próximo ao meio com um golpe de facão e a criatura agarrou e mordeu sua perna ao cair, arrancando um pedaço de carne sangrenta. Outros colonos tentavam afastá-los com paus e foices, mas os zumbis prosseguiam mesmo aos pedaços.

– Por favor! – gritou Mariah – Eles vão matar meu pai.

– O.k.! – respondeu Thomas para a madrasta – Liberte-os e eu tirarei as criaturas daqui.

A mulher fez um gesto com a mão e todos sob seu controle caíram. Os zumbis avançaram por cima dos corpos e cercaram a madrasta que implorava para que Thomas cumprisse sua parte do acordo. O necromante riu sarcasticamente e virou as costas ao ordenar as criaturas. – Bon Appétit.

– Não! – A mulher gritou e foi tomada pelos corpos podres que rasgaram suas roupas e começaram a devorar seu corpo nu – Você prometeu – suplicou. uma poça de sangue ia se formando no local em meio a pedaços de carne e restos de vísceras que os zumbis deixavam cair por dentre seus corpos. Os gritos cessaram quando as criaturas rasgaram sua garganta e abriram seu peito, expondo seus órgãos internos. A cena grotesca durou poucos instantes e os mortos-vivos se voltaram para o lugar de onde vieram deixando um amontoado de ossos ensanguentados e um rastro de sangue pisado no caminho.

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum... – zombou Thomas enquanto pegava o saco que a necromante havia trazido com os restos da mãe de Mariah e calmamente recolhia os ossos da bruxa, limpando-os com as folhas secas que forravam o solo.

– Podem ser úteis – disse em resposta ao olhar repugnante que Mariah lhe lançava – E não precisa me olhar com essa expressão. A bruxa não tinha intenção de libertar seu pai. Era apenas uma questão de tempo até ela voltar e assumir novamente o controle da situação.

– Como você sabe? – perguntou a jovem assustada.

– Porque conheço aquele encanto. Sou um necromante lembra-se. Ele só é desfeito com a morte do mago ou com algum tipo de magia divina. Mesmo que ela aparentemente os tivesse libertado, bastaria olhar em seus olhos novamente para assumir o comando. E depois que fossemos embora, ela voltaria e reassumiria o controle da situação, e você estaria em maus lençóis.

– Mas você deu sua palavra, prometeu que a perdoaria. – disse Mariah angustiada.

– O que eu prometi não importa, fiz o que tinha que fazer para libertar os inaptos. Devia estar mais preocupado com seu pai e os colonos.

– Eu estou preocupada. – respondeu a jovem olhando ao redor – Eles estão fora de perigo agora, não estão?

– Por enquanto sim. Apenas um novo encanto poderia submetê-los. – e virou-se para Wesley – Temos que voltar à sede e dar um jeito de levar todo esse pessoal para o hospital mais próximo. Principalmente o velho. Ele perdeu muito sangue.

Mariah se moveu para o lado do pai e colocou sua cabeça no colo, acariciando sua testa suada. Wesley seguiu o conselho do primo e buscou um caminhão com o qual levou todos os colonos e o pai de Mariah para o hospital de Miranda. Thomas deixou Mariah em seu quarto e se dirigiu para o pequeno cemitério da propriedade onde constatou que todos os mortos, ou o que sobrou deles, estavam novamente em seus túmulos e, com uma pá, enterrou a todos novamente. Um vento gélido começou a soprar e balançou as árvores ao redor atraindo a atenção de Thomas que olhou ao redor desconfiado enquanto uma figura negra e fantasmagórica espreitava a atividade do necromante por trás de uma estátua angelical, e esboçou um sorriso ao constatar a identidade do seu vigiado. A criatura esperou Thomas se retirar e voltou ao local do combate onde tentou, sem sucesso, lamber as marcas de sangue que ficaram na terra.

-:-

No dia seguinte todos estavam no hospital para ter notícias da saúde dos envolvidos na briga. Enquanto esperavam, Wesley contou que dissera aos médicos que o grupo havia sido atacado por algum animal selvagem enquanto participavam de uma caçada e infelizmente a Sra. Dalila Darkness fora devorada pela criatura e nada pode ser feito para salvá-la. O Sr. Abraão já estava consciente quando foram vê-lo, e recebeu a todos carinhosamente. Felizmente não se lembrava do acontecido e engoliu a história do ataque selvagem.

– Muito triste o que aconteceu com sua madrasta. – disse para a filha – O mais estranho é que nem eu, nem os colonos nos lembramos de nada. É como se nossas memórias tivessem sido apagadas.

– Isso é muito comum. – disse Thomas com ar de quem entendia do assunto – Sofreram um grande trauma. É normal que o cérebro tenha bloqueado essa memória.

O Sr. Abraão não discutiu, parecia feliz por ter receber alta do hospital e voltou sorridente para casa. Os demais fizeram uma grande recepção quando ele chegou e, aos poucos, as coisas voltaram ao normal. Mariah pagou com gosto o valor combinado com os rapazes e lamentou não poder pagar mais embora Wesley se negasse a receber sua parte.

– Não quero! – disse o protetor, constrangido – Não te ajudei por dinheiro. Fiz aquilo porque gosto de você.

– Eu sei, Wess. – respondeu ela – Mas trato é trato. Aceite o dinheiro.

Thomas tomou a frente e sacou a bolsa com o dinheiro das mãos de Mariah. – Se ele não quer, eu quero. Perdemos muito tempo aqui e não vou prosseguir com as mãos abanando.

Wesley fez menção de reclamar, mas sabia que o primo tinha razão, então convidou Mariah para um passeio nas redondezas enquanto Thomas contava as notas para se certificar que o valor estava correto.

– Sabe Mary, quando aceitei seguir nessa jornada com Thomas, não imaginei que teria motivos para deixá-lo, mesmo conhecendo sua personalidade forte, mas agora que te conheci não tenho vontade de prosseguir. Quero ficar aqui com você. – e abraçou fortemente a moça.

– Também quero ficar com você, Wess, mas sei que Thomas também precisa de sua ajuda, mesmo ele não demonstrando isso. Será que ele não permitiria que eu os acompanhasse nessa jornada?

– Viria comigo? – perguntou Wesley se afastando – Deixaria seu pai e me acompanharia nessa empreitada maluca?

– Meu pai não corre mais perigo, segundo o que Thomas disse, e vocês vão precisar de uma maga branca para ajudá-los a enfrentar esse tal Adam Ocher se ele for mesmo tudo aquilo que disseram. – e sorriu mostrando os dentes perfeitos – Mas se não me quiser ao seu lado, claro que vou entender.

– É claro que quero – disse Wesley pulando de alegria – É o que mais quero no mundo. – e abraçou Mariah novamente – Vamos contar ao Thomas, ele provavelmente não vai gostar, mas no fim vai aceitar. Tenho certeza.

Como previram Thomas não ficou nem um pouco satisfeito com a entrada da druidisa no grupo, mas depois que Wesley ameaçou ficar na fazenda com ela, ele aceitou a contragosto. O pai de Mariah foi mais difícil de convencer. Agora que estava viúvo novamente, não queria perder a filha também.

– Entendo que você queira passar o resto das férias com seu namorado, mas sua madrasta acabou de falecer. Devia esperar uns dias até passar o luto para depois pensar nisso.

– Mas os meninos têm que voltar, pai. Eles têm negócios na capital e não podem demorar mais. E essa casa me deprime. Tantas lembranças da mamãe e da madrasta que quase não posso suportar.

– Compreendo, filha. Se é assim tem minha permissão. Acompanhá-los-ia também se pudesse, pois também estou precisando de umas férias, mas não posso abandonar a fazenda agora, porém deixe-me pelo menos levá-los até o aeroporto.

– Claro, papai. E assim que as coisas se equilibrarem, deixe tudo e vá fazer aquela viajem à Grécia que tanto queria. O senhor merece.

O Sr. Abraão concordou e todos foram arrumar as coisas. Na saída Wesley colheu algumas flores do jardim e pediu Mariah em namoro, prometendo que a manteria em segurança. A jovem aceitou com um beijo e os dois seguiram de mãos dadas até o carro que os esperava para levá-los ao aeroporto da cidade. O trajeto era longo, mas a alegria e descontração que seguiu aos acontecimentos, aliado a perspectiva do que vinha adiante, fez com que as horas passassem rapidamente e até o necromante se deixou contagiar pela emoção. Wesley e Mariah cantavam uma canção qualquer e riam toda vem que a moça errava uma parte. Thomas tentou acompanhar a cantoria, mas sua voz grave destoava dos demais e acabou por desistir. Wesley tentou animá-lo a continuar cantando, mas o necromante não quis. Esboçou um sorriso amarelo e virou-se para a janela pensativo.

"Estamos a caminho alquimista..."

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