Tentei manter minha postura firme enquanto mil pensamentos corriam e voltavam em minha mente. É assim que acabaria? É assim que eu seria lembrada?
Por morrer ou por causar a morte?
Era inútil, como lágrimas na chuva.
-Você...
-Não diga nada.
Afirmei com os olhos fixos nele, apenas nele. Sua pele pálida, apesar do medo, estava firme também. O som da sua voz me causou arrepios e náuseas, eu não queria olhar para ele mais.
E então, um estalo da cama despertou o meu pior lado.
-Não se mexa!
Gritei. David levantou as mãos em sinal de rendição sem tirar os olhos de mim e eu segui o movimento com a arma. Olhei para ela e calculei quanto tempo eu levaria para virar pra mim e atirar sem que ele fizesse antes.
Cinco segundos. O fim da minha vida fora calculado em cinco segundos. Dei um passo discreto para trás, completamente imersa em meus pensamentos.
-Me dê isto!
Foi a última coisa que ouvi. Ele correu, eu apontei para mim e fechei os olhos.
O disparo havia sido feito. O silêncio eterno havia chegado para nós.
Caí no chão, sem conseguir respirar, e vi seu corpo despencar até o chão gelado.
Me arrastei para trás, aterrorizada, enquanto minha boca colocava para fora o pavor que eu sentia.
Eu gritava, com os olhos nele. No que ele era.
Seu corpo batera contra o chão causando um barulho quase tão alto como o do disparo que ele havia feito. Um barulho tão alto que me fez encolher e tampar os ouvidos pedindo por socorro.
Abri os olhos e tremi com o que eu via. O sangue caía de seu peito parado, formando uma grande poça em sua volta.
-Não, não...
Sussurrei no chão.
-David! O que você fez? David!
Gritei indo até ele. Toquei em seu ombro e o chacoalhei por um segundo, gritando pelo seu nome, chorando em frente à um corpo sem vida.
Em vão, ele estava morto. Havia se matado diante dos meus olhos.
Me levantei devagar e fui me afastando, tomando conta do que acabara de acontecer. Olhei em volta e eu ainda estava trancada. Não era um pesadelo.
Corri até a porta velha e bati nela com toda a minha força, tentando abrir a qualquer custo. Não era um pesadelo.
Eu não tinha voz e muito menos coragem, minha visão estava embaçada e minha cabeça perturbada. Me debati contra ela várias e várias vezes até o meu corpo chegar ao limite.
Me afastei mais uma vez e voltei para onde ele estava. Não era um pesadelo, ele continuava sangrando. Morto.
Um passo para frente e aquele era o limite. Eu caí. Eu caí e não pensava mais em me levantar. Eu caí e tudo o que eu via agora era parte de suas costas nuas e seu braço mergulhado numa imensidão vermelha.
Eu caí e senti que meus gritos já não eram suficientes, que meu choro já não poderia ser ouvido. Meus braços doíam, minhas pernas queimavam, meu estômago me fazia contorcer de dor e a bexiga me fazia chorar em desespero.
Eu não conseguiria fechar os olhos e tampouco morrer em paz. Eu olharia para ele até os meus minutos finais.
-O quê você fez... -sussurrei-
Harry me vinha à cabeça. Harry e seus olhos brilhantes, seu cabelo macio, sua voz grossa, sua mão suave e seu coração bonito.
O homem que tomou minha vida e a bagunçou desde o primeiro dia. Me veio à cabeça a forma como ele me abraçava e fazia questão de dizer o quanto eu estava bonita.
O homem que me fez sorrir sem esforço, que me amou por completo e que me fez ser grata todos os dias. O homem que mudou qualquer conceito que eu tinha sobre amar. Ele se lembraria de mim?
Um dia, quando alguém achar o meu corpo vazio e com buracos, ele se lembraria? Me perguntava se existiria uma música feita para mim quando eu partisse.
Por Deus, nesse chão frio e habitando esse corpo cheio de dores agora, haviam tantas coisas que eu gostaria de dizer à ele.
Voltei a sentir o choro passear pelo meu rosto, doía tanto. Eu morreria sozinha e nunca mais saberia como era ter Harry ao meu lado.
Nunca mais.
Tentei não olhar mais para o que antes era o David e fechar os meus olhos. Eu tentava, com tudo o que me restava.
-Eu não vou conseguir te esperar...
Sussurrei baixinho, quase que sentindo a presença dele comigo. Eu me sentia tão cansada e fraca, com fome, com sede.
Ao mesmo tempo que me sentia violada, usada e maltratada, me sentia errada e suja. A vida do Harry continuaria, a minha e de David não.
E era isso que me mataria.
- - -
Pov Harry
Eu estava pasmo, não havia o que dizer. Eu até poderia duvidar de tudo o que ela me disse mas eu não o fiz. A maneira como ela me olhava me mostrava que estava falando a verdade.
Bianca me mostrou o endereço e eu não fazia ideia da onde poderia ser, mas eu estaria indo até lá.
-Ele está armado, você não pode ir sozinho.
Ela disse, me fazendo parar.
-Armado?
A olhei completamente perdido. Lauren estava trancada com um cara armado que já tentou abusa-la uma vez.
Caminhei até os dois policiais, não me importando se estaria interrompendo ou não.
-Eu sei onde ela está, nós precisamos ir, agora. Ele está armado.
-O que você está falando?
Bufei, não tínhamos tempo para aquilo.
-Eu recebi um endereço, depois vocês analisam, mas nós precisamos ir até lá. Ela está com o David e ele está armado, se não forem comigo eu vou sozinho e...
-Você não vai sair sozinho daqui.
Ele disse firme.
-Não podemos simplesmente pegar um endereço qualquer e sair até lá e esperar que encontremos a garota.
Ele disse e eu revirei os olhos, me desviando.
-Harry, para! Calma, se acalma.
-Bianca, eu não quero me acalmar. Eu não aguento mais esperar, eu disse à ela que iria. Se aquele cara tocar nela eu...
-Câmbio?
O som nos fez calar. Mary, Gabriella e Linz estavam próximas à mim de novo. O policial me olhou.
-Nós temos um endereço, estamos indo até lá.
Minha respiração se acelerou.
-Mande reforços enquanto mandamos as coordenadas, mantenham contato.
-Certo, mandem.
Eles desligaram.
-Ok, você está em boas condições para dirigir?
-Sim, claro que sim!
-Certo, nós vamos na frente e você logo atrás em outro carro.
Ele chegou mais perto.
-Sem alarde e, quando chegarmos, faça apenas o que eu mandar.
Passei minhas mãos nas pernas, a fim de cessar o suor frio.
-Eu vou.
-Linz, eu...
-Não adianta, eu vou.
-Eu também, não vamos deixar você ir sozinho.
Elas tentaram me convencer e, por mais que eu preferisse ir sozinho para não pôr mais vidas em risco, eu não tinha o direito de decidir por elas. Fiz sinal positivo e as vi passar por mim e caminhar até o lado de fora.
Procurei por Bianca e a vi parada no mesmo lugar, olhos vermelhos. Eu não entendia o que havia acontecido nos últimos minutos, mas agora não queria entender também.
-Obrigado.
Digo honestamente, a envolvendo rapidamente e friamente em meus braços. Ele sussurrava um "boa sorte" para mim.
Caminhei até o estacionamento e peguei o carro que Mary havia alugado para usar aqui. Como de costume, era alto, preto e espaçoso. As películas me esconderiam durante o percurso.
Gabriella entrou logo ao meu lado e Linz atrás de mim, colocando os cintos.
-Ei, ela vai estar lá.
Gabriella colocou suas mãos sobre as minhas, ao me ver suspirar.
-Viva?
Perguntei, quebrado.
-Viva.
Ela esboçou um sorriso e eu vi que estava na hora de seguir em frente. Dei partida no carro e posicionei o papel com a letra dela em uma das saídas do ar condicionado, onde eu poderia ver durante todo o percurso.
O carro da polícia foi na frente e eu os seguia atrás, com uma certa distância.
As meninas não disseram uma palavra e eu mantinha os olhos na pista, apesar de a cabeça estar longe. Muito longe.
Os dois últimos dias foram definitivamente os piores que eu já presenciei. Era cruel, desumano, preocupante.
Eu não poderia mentir e dizer que não estava com medo. Era tudo o que eu sentia. O sentimento ia e voltava como ondas, eu estava me afogando na dor de amá-la.
Eu só desejava que Lauren estivesse viva. Queria que meu telefone acendesse agora mesmo e o nome dela aparecesse pedindo para nos encontrarmos.
Falaríamos como se nada tivesse acontecido e nenhum tempo tivesse passado, rindo de tudo depois.
Eu faria qualquer coisa para estar com ela novamente. Segura. Em meus braços.
Olhei de relance e vi que Gabriella adormeceu, respirei tranquilo. Ou quase tranquilo.
...
Parei o carro com dificuldade por entre aquele chão cheio de buracos e liguei o farol alto, iluminando uma casa caindo aos pedaços. Senti calafrios ao ver aquilo.
-Será que...
-Eu estou com medo...
Gabriella e Linz disseram de uma vez, eu as tranquilizaria mas precisava estar tranquilo para tal ato. E eu não estava. Obviamente.
Me movimentei no banco e inclinei meu corpo para o lado, olhando para os policiais. Eles continuavam imóveis, que tipo de plano era aquele?
-Alguém precisa entrar, e se ela estiver mesmo ali?
Gabriella me olhou, tenho certeza que ela podia ouvir o meu coração bater.
-Porém, se o doente do David estiver lá também, ele atiraria em todo mundo e então acabaria.
Ambos olhamos indignados para trás.
-Se ele estivesse lá, já teria notado o movimento.
-Sim, mas não tem como entrar, com certeza está trancado.
Enquanto elas discutiam, desliguei e liguei os faróis altos novamente.
-A porta vai ser arrombada, isso é o de menos agora, Linz.
Desliguei e liguei de novo, algo refletindo no chão me chamara atenção. Inclinei meu corpo contra o volante e semicerrei os olhos, tentando descobrir o que seria aquilo.
-Pelo amor de Deus!
Foi o que consegui dizer. Arranquei o cinto do meu corpo e abri a porta em um segundo, pulando para fora sem nem olhar para trás.
-Harry!
-O que você está fazendo?
-Garoto, volte!
Eles gritaram mas eu não podia acreditar no que meus olhos estavam vendo. Os caras já estavam atrás de mim com as armas apontadas para frente.
Me abaixei no chão e senti uma onda gelada atravessar o meu corpo ao ver o celular da Lauren jogado, no meio da terra.
-O que...
Arrastei a mão para o lado e encontrei outro celular, ambos desligados.
Você já sentiu como se não tivesse controle nenhum sobre alguma situação ou sobre o seu corpo? Você já se sentiu encorajado o suficiente para enfrentar o desconhecido?
Me levantei completamente atordoado e subi os dois celulares e a chave de um carro na mão esquerda.
-O que é isso? Estavam no chão?
-Ela está aqui.