-Am... Alô?
Gaguejei como nunca antes. Meu corpo transpirava, meus lábios batiam um contra o outro. Trêmulos. Eu mal conseguia piscar os olhos.
-Fala direito!
Ele me repreendeu mais uma vez, um pouco mais agressivo. Pulei assustada. A cama pequena era a única coisa que nos separava, mas ainda assim aquilo estava apontado bem na direção da minha cabeça.
Pude reparar no quanto às suas mãos tremiam também. Talvez o medo fosse o que me mantinha em pé
-Oh, que bom que atendeu! Está tudo bem? Lauren, o que aconteceu?
David me olhava fixo. Eu queria, mas eu não podia.
-Está... Está tudo... Bem.
Eu disse falhadamente. David fez uma expressão com o rosto e eu fechei os olhos muito rápido, chorando mais uma vez.
-Lauren, me diz onde você está, isso é muito estranho, eu conheço você, eu posso te buscar.
-O que ele está dizendo? Diga que está bem, agora!
Ele sussurrou firme.
-Está... Tudo bem.. Harry.
Eu disse, colocando uma das mãos na minha boca. Era perturbador. Eu poderia morrer a qualquer momento e aquela era a minha única chance.
David fazia um jogo psicológico comigo e funcionava. Eu mantinha as mãos trêmulas na boca para não gritar, para Harry não escutar e eu não morrer.
Por Deus, eu precisava que ele lesse a minha mente! A forma como as lágrimas caíam pelo meu rosto e batiam no chão era desesperadora também.
-Algo definitivamente está errado.
Eu o escutava com atenção, sem tirar os olhos das mãos do David.
-Lauren se tiver algo errado, se você estiver precisando de alguma ajuda neste exato momento, diga o meu nome. Por favor. Deixe-me saber o que está acontecendo, eu já chamei a polícia e...
-Harry!
Eu o interrompi, baixo e rápido, como uma tentativa desesperadora de socorro. David deu dois passos, eu apertei os olhos e o silêncio do outro lado da linha me fez entrar em desespero.
-Meu Deus, o que... Oh, meu deus! Me escute, me escute com atenção.
Harry se embaralhou do outro lado e eu senti que sua voz estava mais fraca também. Eu só desejava que ele fosse rápido.
-Fique viva, por favor, eu vou te tirar da onde quer que você esteja. Fique viva.
David puxou o telefone brutalmente do meu ouvido, me fazendo encolher completamente no canto da parede.
Me abaixei e coloquei as mãos sobre a cabeça, cobrindo-a, como se aquilo realmente fosse me proteger de um tiro fatal enquanto chorava como um bebê.
-Pare com isso, levante-se.
Não me mexi.
-Porque você faz tanto drama? Porque chora tanto? Eu te trouxe aqui para nos divertirmos, para passarmos um tempo juntos e resolver qualquer problema do passado. Levante-se!
O obedeci. Por medo. David havia abaixado a arma.
-Poxa, eu batalhei tanto para ser escolhido naquele dia, e eu fui, e então fui jogado fora.
Ele começaria de novo. Limpei as lágrimas e tentei me forçar a prestar atenção. A ser esperta. Coloquei uma mão sobre a ponta da minha jaqueta e a puxei para dentro, cobrindo totalmente meu corpo.
-Mas eu perdoei. Eu esqueci. Porém, não me esqueci de você.
Arregalei os olhos.
-Eu só que você olhasse para mim também. O que há de errado nisso? O que há de errado em querer alguém?
David, muito devagar, caminhou até a cama e se sentou na ponta dela, sem olhar para mim.
Não sei como e nem da onde eu conseguia encontrar forças para pensar, mas minha cabeça já trabalhava de várias formas para tentar convencer ele de sairmos dali.
-Nós podemos tentar.
Tentei.
-Sim, nós podemos tentar. Mas não aqui, não desse jeito...
Silêncio.
-Ainda temos tempo, David. Somos jovens. Eu e Harry terminamos e... -respirei fundo- Podemos sair daqui e conversar.
David permaneceu em silêncio, olhos vermelhos sobre os meus agora. Eu tremia, mas tentava não demonstrar.
-As coisas começaram errado entre nós, mas... Eu posso... -raspei a garganta- Eu não sei, eu posso tentar. Mas fora daqui.
Ele balançou a cabeça levemente, em sinal negativo. Dei um passo para frente, encostando a canela na cama.
Ele desviou o olhar e eu também, notando que a arma estava na cômoda bem próxima de mim agora.
Olhei para ele de novo e então de volta à arma. Eu certamente estava enlouquecendo. Os anjos com certeza estariam vendo meus pensamentos agora e me repreendendo de longe.
Mas eu precisava. Precisava tentar. Precisava sair.
-Nós somos adultos, eu sei que podemos resolver...
Um passo para trás. Olhos no revólver. Suor na testa. Olhos no David. Sorri fraco.
-Eu posso esquecer, você pode esquecer e então começaremos de novo...
-Meu emprego também?
Ele perguntou, me fazendo assustar e voltar toda a minha atenção à ele. David apoiou um dos braços na cama e eu respirei aliviada, ele não havia notado.
Um passo para trás. Dois para o lado.
-Eu posso conversar com o Harry e convencê-lo...
-Oh, ele nunca me perdoaria pelo o quê eu fiz.
Parei. Meu peito pulava, minha respiração era o único som daquele lugar frio e escuro.
-Eu o convenço. Mas precisaria que confiasse em mim, agora.
Silêncio.
-Eu precisaria que quisesse voltar atrás...
Um último passo e eu estava de costas para ela. David me olhava e desviava várias vezes, ele parecia como alguém que usava drogas. Várias delas.
Talvez tivesse usado. Eu sentia tanto medo naquele momento, sentia o sangue correndo por entre os meus braços. Sentia tudo na pele.
Minha garganta estava seca e doída de tanto segurar. De tanto engolir.
-É tarde demais, eu já estraguei tudo. Fala sério! -apontou- Eu estou com uma das coisas mais importantes para o Harry agora.
O olhei, levando meus braços para trás bem lentamente.
-Você.
-Mas e se... E se eu quisesse... Você?
Raspei a garganta.
-Tentar com você? -tremi-
-Comigo? Eu e você?
-Sim quero dizer... Assim que saíssemos e fizéssemos aquilo tudo...
Raspei a garganta novamente e ele fechou os olhos, me parecendo sonolento. Eu sentia nojo pelas minhas próprias palavras.
-Depois que saíssemos e conversássemos...
Desviei o olhar e...
-O que está fazendo?
David deu um pulo da cama e eu dei outro, deixando o revólver cair e perdendo a minha chance de viver naquele instante.
Ele o pegou imediatamente e apontou para baixo, colocando no mesmo lugar.
-Você é uma bela de uma mentirosa, huh?
Ele chegou mais perto, eu tentei desviar.
-Tentando me convencer enquanto planejava me matar?
David aumentou o tom de voz, eu sentia meu corpo reagir de novo.
-Uma pena que eu seja mais esperto do que você! Sua...
Ele gemeu um som e no mesmo instante empurrou um banquinho que eu não tinha visto, com os pés, o quebrando em vários pedaços. Me encolhi por medo. Talvez eu fosse a próxima.
-Eu estou com tanta raiva agora, eu...
Ele me olhou. Eu parei de respirar.
-Você acha que ele vai aparecer naquela porta e te salvar como aconteceria em um filme? Acha que alguém vai te achar? Aqui?
Silêncio.
-Responde!
Ele gritou. Murmurei um "não" em meio à soluços descompassados, levando as mãos até minhas orelhas.
-Hum, você não é tão ingênua quanto parece. E se eu diminuísse as chances?
Abri os olhos, não podia estar acontecendo.
-E se...
Ele não completou a frase. David sorriu com os dentes e correu até o outro cômodo do lugar.
Qualquer pessoa esperta teria permanecido ali, mas eu fui atrás. A luz não nos favorecia em nada, mas ainda assim eu conseguia ver claramente o que estava prestes a acontecer.
-Não, por favor! Não, não faz isso, David!
Chorei olhando para as suas mãos. David havia aberto a janela velha e empoeirada e estava com as mãos com o meu celular, o celular dele e todas as chaves penduradas para fora.
-Não, por favor! Eu faço o que você quiser, mas me deixe sair daqui!
Eu gritava. De repente o medo se ausentara. De repente, tudo o que eu sentia era vontade de viver. De sobreviver. Como Harry me pediu.
Ele estava completamente louco e eu com instinto de sobrevivência. Ele nunca me encontraria. Ninguém nunca me encontraria.
-Eu imploro!
Agarrei o seu braço, ele se esquivou.
-Você não vê? Nós vamos ser felizes agora, só as melhores histórias morrem por amor, você não vê?
-David, por favor!
Eu chorava tão forte que eu mal sentia alguma coisa além das vozes em minha cabeça.
Ele inclinou o corpo para frente e eu o puxei para trás, tendo meu corpo empurrado logo em seguida.
Eu via a minha vida passar por entre meus olhos. Eu caí, ele jogou.
Ele soltou o celular primeiro, seguido do meu, seguido pelas chaves que fizeram barulho do outro lado.
Eu me levantei rapidamente e corri até lá, tentando pega-las, mas não consegui. Eu não conseguiria. Suas mãos envolveram minha cintura enquanto eu gritava, enquanto eu me debatia da maneira que me era possível.
Eu gritava com tudo o que ainda restava em meus pulmões enquanto sentia meu corpo ser carregado de um lado para o outro naquele lugar.
-Cala a boca! Eu não quero te machucar!
-Socorro!
Era tudo o que eu dizia.
-Ninguém pode te ouvir daqui, não seja estúpida!
-Me solta! Socorro! Socorro!
Era em vão. Minha vida parecia em vão.
Eu o chutava com minhas pernas e braços enquanto sentia minha voz se perder em meio a tantos gritos vazios de desespero.
Fui perdendo as forças e parando de lutar contra ele, que foi me colocando no chão sem qualquer cuidado.
Afastei o cabelo do meu rosto e corri de volta para a janela, passando a mão em todos os cantos e percebendo que ela só abriria por dentro com uma chave.
Me virei para ele.
-O que você quer? Me matar? Acabe com isso, talvez você seja mais feliz depois.
-Oh não, com certeza não. Se eu quisesse fazer isso, já teria feito, princesa.
-Não me chame assim.
-Você não precisa agir dessa forma, não precisa gritar. -pensou- Espere, tudo bem, é culpa minha.
David começou a falar e eu tirei outra mecha de cabelo dos olhos. Como se aquilo me fizesse escutar melhor.
-Eu só quero passar o resto do meu tempo com você. Só isso.
-Como assim?
Perguntei irritada.
-Como assim o quê?
Ele estava pálido. Eu também, eu imaginava. Estávamos à uma distância considerável.
-O resto do seu tempo.
-Oh, claro. -riu- Eu quero morrer sabendo que estou bem com você.
-Do que você está falando?
Perguntei mas, no mesmo segundo, as coisas começaram a se juntar em minha cabeça. Olhei em volta e senti falta de ar nos pulmões ao notar que não havia nada. Absolutamente e literalmente nada.
Não havia água, muito menos comida. O plano dele era me manter presa até que morrêssemos por falta de opções.
Senti meu estômago vazio se embrulhar e revirar. Senti minha visão se comprometer e me fazer cambalear por um mísero segundo.
Ele não queria me matar. Ele queria morrer.