put your head on my shoulder...

By wgkahei

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PUT YOUR HEAD ON MY SHOULDER | vivi + haseul = viseul | drama, romance, espiritual em seus 17 anos, kahei sal... More

put your head on my shoulder

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By wgkahei

Faz algumas horas desde a última vez que me peguei sorrindo. Não sei se poderia justificar isso com o fato de eu estar perdida entre duas camadas que eu não sei para onde eu deveria ir ou se isso tem alguma relação com tudo o que eu deixei para trás. As minhas lembranças estão sempre presentes, me rodeando ou passando em minha frente para me recordar de como eu era feliz e de como tudo isso se esvaio de uma hora para a outra sem o meu consentimento.

Eu não sei muito bem como contar essa história mesmo sendo a minha vida com momentos vividos por mim e mais alguns antagonistas, com um roteiro romântico escrito por alguém pouco experiente mas com boas e dóceis palavras de acalento e suprassumo de ternura. Agora, eu vejo todas as minhas cenas e frases pairando pelo ambiente e eu me pergunto se posso tocá-las, interferi-las, sentir novamente o que eu senti quando ocorreu independente de ter sido ou não um bom sentimento.

Essa é a minha história, a última vez em que eu senti algo de verdade antes de sumir de vez.

Eu tinha 17 anos quando salvei a vida de um homem numa fila de um supermercado. Ele comia um pretzels que comprou na lanchonete do estabelecimento e comia com tanto gosto que eu cheguei a imaginar por quanto tempo ele não via um prato de comida. Eu era a sexta cliente numa fila de dez pessoas, ele estava mais à frente, na posição três, e como o cartão da mulher que estava sendo atendida no momento não estava funcionando por motivos de ser muito usado, eu passei a analisá-lo de acordo com os olhares de cada pessoa na fila.

A mulher que estava sendo atendida não notou a sua presença, ela estava nervosa demais e com vergonha da espera que estava nos fazendo passar. O segundo casal cochichava e intensificava a vergonha da cliente número um. A quarta pessoa cobria o nariz e tentava ficar distante do homem da posição três com pretzels em mãos. Ela não escondia que estava incomodada com o seu mau cheiro e queria que alguém lhe desse corda para que começasse a humilhá-lo e expulsá-lo da fila para optimizar o seu tempo.

A quinta pessoa mexia no celular, eu observava a todos, os mais atrás conversavam e viam semelhanças em suas compras, o que os dava mais ou menos seis minutos de conversa paralela sobre inflação e o preço do papel higiênico. O homem na posição três tinha unhas encardidas, camisa um pouco rasgada e uma cesta com o mais básico para a sobrevivência. Ele não parecia ter muito dinheiro, poderia ser alguém em situação de rua ou muito pobre. Quando tudo aconteceu, cada pessoa parecia estar em seu devido lugar para que eu entrasse em cena.

O cartão da cliente número 1 enfim pegou, o casal na fila começou a ser atendido, o homem pôs sua cesta em cima do balcão, a quarta pessoa manteve a distância e a quinta pessoa desistiu de esperar. O pretzels raspou em sua garganta e seus olhos se esbugalharam, deixando que o aperitivo caísse de sua mão junto aos seus joelhos. Ele torneou o pescoço com as palmas e depois desceu para o peito.

Ele estava tendo um infarto.

Gritavam por ajuda mas ninguém queria ajudá-lo pois ele estava sujo, e eu deixei a minha cesta de geleias de pêssego cair no chão para fazer uma massagem cardíaca até que alguém agisse como um ser humano e chamasse uma ambulância. Eu era muito franzina, meus braços eram extremamente finos e por mais que eu pusesse toda a força de meu corpo, parecia não adiantar. Todos me olhavam ansiosa para reanimá-lo, com a respiração casta exalando de minha boca, apreensiva e agoniada. Ele poderia sim morrer, mas não sem antes de ter dado todos os meus esforços.

As sirenes da ambulância chiaram ao lado de fora ao mesmo tempo que o homem deu uma longa lufada. Eu tinha conseguido amenizar o seu infarto. Os paramédicos me afastaram e o colocaram na maca, dando os primeiros atendimentos para que ele começasse a reagir. Um dos socorristas me parabenizou pela coragem e disse que se eu não tivesse interferido, ele não teria sobrevivido até a chegada da ambulância. Me aplaudiram no mercado e eu só queria mandar todos à merda.

Meus braços doíam muito, meu coração sacolejava em meu peito e eu sentia que poderia desmaiar pelo esforço que fiz. Foi o meu primeiro contato com a maldade humana. Ninguém ajudou aquele homem por ele estar sujo, mal cheiroso e com uma expressão faminta. Isso me machucou muito e foi o que mais me motivou a salvá-lo, mesmo com a minha pouca experiência com massagem cardíaca — visto que eu nunca tinha feito em um ser humano de verdade, só em bonecos nas aulas de primeiros socorros. Eu não paguei pelas minhas geleias, elas poderiam esperar. Segui para o hospital pois queria saber do estado do homem antes de ir para casa.

Por volta das duas da tarde, tudo começou. Uma bela garota de longos cabelos escuros, com roupas que aparentavam ser mais caras que a minha casa e uma expressão preocupada atravessou a sala de espera. Ela parecia um anjo apesar de toda a aura entristecida que a rodeava. Não passou muito tempo até ela voltar com um sorriso aliviado e se sentar ao meu lado. Ela tinha cheiro doce, que combinava totalmente com a sua face e provavelmente, com a sua personalidade.

— Eu me chamo Haseul, tudo bem?! — foi o que ela me disse.

— Sim, olá.

— Soube que você salvou a vida do meu pai — ela ainda sorriu tão dócil e divina.

— S-seu...

— O meu pai tem alzheimer. Ele fugiu de casa há cinco dias dizendo que precisava se esconder antes da guerra começar... Ele lutou na segunda guerra mundial ainda muito jovem e isso lhe acarretou muitos traumas. Depois da guerra, ele investiu em bons negócios e se firmou na indústria como um bom empresário, mas a doença o deixou um pouco distante dessa vida. Ultimamente ele anda bem mal de saúde. Eu tinha ido para a faculdade e, quando voltei para casa, me disseram que ele tinha ido dar um passeio. Nossas câmeras de segurança captaram o áudio em que ele dizia sobre a guerra, sobre não querer lutar e sobre se esconder. Estou há dias em busca dele, e só de saber que você não só o encontrou como também o salvou me faz ter uma dívida eterna contigo, principalmente por ele estar bem agora. Como posso lhe recompensar?!

Eu fiquei boquiaberta. As pessoas provavelmente não o conheceram por suas roupas sujas, mas depois que ela comentou, eu me lembrei vagamente sobre uma reportagem que ouvi em um podcast que mencionava um ex-combatente do exército que lutou na guerra, montou um império, mas agora travava uma batalhada contra o alzheimer. Se aquelas pessoas na fila o tivessem reconhecido e soubessem de toda a grana que ele possuía, com certeza teriam feito fila para o ajudar em troca de bons trocados.

Haseul me perguntou como poderia me recompensar. De imediato, pensei no aluguel que estava devendo há três meses e que se não pagássemos mais uma vez, minha mãe e eu seríamos despejadas, mas então eu me lembrei que não tinha feito aquilo visando reconhecimento, eu o fiz pois achei que era o certo, e não seria justo cobrar por fazer o mínimo. Então, eu apenas respondi:

— Não precisa me recompensar.

— Tem que haver algo, pelo menos uma coisa mínima.

Eu fiquei pensativa e de imediato, me veio uma ideia à cabeça.

— Topa tomar um milkshake comigo?!

Haseul gargalhou mas não foi desfazendo de meu convite, foi algo puro e inocente seguido do assentir de sua cabeça. Eu ainda fiquei até as cinco antes de ir para casa e contar tudo para a minha mãe, que ficou sabendo por passar no noticiário. Eu me lembrei que o homem que salvei estava passando no quadro de desaparecidos no jornal da noite, e ver meu rosto e as câmeras de segurança estampando a minha ação como se fosse uma atração me causava arrepios. Os repórteres me parabenizavam por fazer o mínimo e diziam que ainda havia esperanças no mundo. É, eu também achava.

Naquela semana, tudo deu certo. Mamãe ganhou uma comissão altíssima que deu pra pagar os alugueis atrasados e adiantar dois meses, tínhamos feito enfim as nossas doações e eu pude me encontrar com Haseul. Ela era uma garota incrível. Além de linda, era inteligente, sábia e bondosa. Ela me confessou que nunca tinha ido naquele estabelecimento antes e eu fiquei imaginando que com certeza bons partidos a levavam toda semana para jantar nos mais caros restaurantes da alta sociedade, e eu a levei para tomar milkshake, vergonhoso!

Tudo o que eu sabia sobre Jo Haseul era que ela tinha 19 anos, cursava música na faculdade, já havia estrelado em algumas peças de teatro e era cantora lírica. Eu fiz várias perguntas tolas como se a garganta dela doía, como era ter tanto fôlego ou ter um vocal tão angelical que até falando "feijão" poderia parecer a voz da salvação divina. Ela riu e eu decidi que minha função era fazer de tudo para ela me dar mais daquele lindo sorriso. Naquele mesmo dia, eu disse que era meu aniversário e que estava completando 18 anos. Haseul ficou tão feliz como se fosse o aniversário dela!

Nós ficamos admirando o pôr do sol sentadas em um banco do parque, em meio ao clima gelado do fim de ano. Haseul colocou a sua cabeça em meu ombro e disse que aquela foi a melhor tarde de toda a sua vida. Ela me perguntou se podíamos continuar nos encontrando e eu confirmei com toda a certeza do mundo. Eu queria ter notícias do pai dela mas também estar cada vez mais perto para a fazer sorrir.

Passei a frequentar a casa de Haseul com pouco tempo em que nos conhecemos. Era um verdadeiro palácio, com seguranças por toda parte e muitos médicos também. A primeira vez que revi o seu pai, ele estava sentado na poltrona, com uma peça de quebra-cabeça em mãos, olhando para o jogo semi-montado na mesinha de centro. A enfermeira que cuidava dele naquele período não estava com muita paciência então resolvi ajudar.

— Não sabe onde pôr?! — ele me olhou perdido, como se fizesse esforços para saber quem eu era. — O quebra-cabeça é como as mãos de duas almas gêmeas — ergui minhas mãos para mostrá-lo —, não importa como elas estejam, em algum momento, elas se tornarão o encaixe perfeito ao qual nasceram para ser.

Ele afirmou com a cabeça, olhou novamente a peça e encaixou exatamente no espaço que estava faltando. Ele me reconheceu, me deu as boas-vindas em sua casa e voltou a jogar, dessa vez com uma enfermeira mais paciente. Era um novo ano e eu me dirigi até a casa dos Jo para notificar Haseul de que eu tinha entrado na faculdade. Ela ficou tão feliz que me abraçou e me rodou ao ar. Nós construímos uma genuína relação de amizade, mas tudo mudou naquela tarde, em seu imenso quarto banhado a luz do sol.

Quando Haseul me pôs no chão, os seus olhos divertidos e apertados desceram para a minha boca, e o encostar de seus lábios aos meus me derreteram em seus braços. Ela era tão quente, doce e me fazia querer tirar os pés do chão por imaginar a minha utopia mais inimaginável possível. Suas mãos desceram pelos meus e deram a volta na minha cintura enquanto as minhas passaram pelo seu pescoço. Perdemos a noção de quanto tempo passamos nos beijamos, mas sei que foram longos minutos pois o sol conseguiu nos atingir enquanto a Terra girava ao seu redor.

Naquele dia, eu voltei para casa saltitante, com uma grande compota de geleia de pêssego. Contei as novidades para a minha mãe e ela chorou. Eu imaginei que fosse de decepção, mas ela só estava começando a aceitar que eu cresci.

Os dias com Haseul foram se passando. Desde que eu passei a ir para a sua casa, o seu pai apresentou grandes melhoras. Os medicamentos e a atenção que ele recebia o fazia ser calmo novamente. Eu amava passar as tardes naquele sofá branco-gelo aninhada a Haseul enquanto ele contava suas divertidas e tristes histórias da guerra.

Em nosso primeiro ano de namoro, eu a levei para conhecer a minha mãe. Elas se tornaram grandes amigas e eu odiei o fato delas passarem a tarde inteira admirando a minha bundinha de neném em fotos antigas. Haseul conheceu o meu quarto, e com ele, tivemos um das melhores noites de nossas vidas. Eu lhe prometi amor para sempre, e ela sorriu com os olhos afundados em lágrimas. Haseul derramou algumas enquanto repousava a sua cabeça em meu ombro e eu não entendi o porquê, então ela me respondeu com "enquanto eu estiver caídas de amores por você, eu não permitirei que ninguém me levante".

Em nossa primeira briga, Haseul ficou sem falar comigo por uma semana. Me dava nos nervos vê-la passar pelas ruas próximas da minha faculdade e virar o rosto, se fazendo de difícil. Enquanto ela passava em nosso ponto de encontro favorito — a loja de milkshakes —, eu a tomei à cintura em uma viela e lhe ofertei um de meus sanduíches com geleia de pêssego. Ela estava enfurecida comigo mas não pôde recusar. Não acreditei que nos reconciliamos com geleia!

Nosso namoro ia de bem a melhor até que algo começou a me assustar. Não era em Haseul, em seu pai ou em minha mãe, era em mim. Começou com um desmaio, seguido de outro, e outro e mais outro. Tudo bem que a faculdade estava me consumindo e eu fiquei um tempo sem comer, mas isso não era justificativa. Em um exame de rotina, descobri que estava doente e que precisaria passar por uma cirurgia.

Eu não queria contar para ninguém, então escondi esse fato por algumas semanas até a conclusão da cirurgia, que foi bem sucedida; eu disse para a minha mãe que passaria um tempo no acampamento de oficinas na faculdade enquanto me recuperava no hospital. Imaginei que estava livre mas meu organismo não foi forte o suficiente para banir um tumor no estômago.

Eu precisei contar para a minha mãe e para Haseul, que quase me bateram por eu ter passado pela cirurgia sem o apoio de ninguém. Pelo menos dali em diante eu teria o apoio delas para passar por outra bateria de exames e cirurgias. Eu sempre fui muito esperançosa mas depois precisar passar por quimioterapia, as coisas ficaram um pouco estranhas e confusas na minha cabeça. Nesse meio tempo, mamãe gastou todas as nossas economias para cuidar de mim, o que nos fez perder nossa casa.

Haseul abriu as portas de sua casa para nós e foi bom morar lá pois tinha muitas enfermeiras que podiam me ajudar também. Eu tentei não me abater com tudo, mas era inevitável. Acho que a pior parte da minha doença foi precisar trancar a faculdade e um belo dia acordar com tufos de cabelo pelo meu travesseiro. Eu sabia que iam crescer novamente, mas aquele era o sinal mais forte de que eu estava morrendo.

Eu nunca tive medo da morte, mas o que ela proporcionava a quem ficava vivo era demais para mim. Eu via a minha mãe chorando pelos cantos, acariciando o meu rosto nas fotos antigas, via Haseul na banheira tentando ser forte para não chorar em minha frente, via todos sendo legais comigo pois sabiam que eu não tinha chances e estava partindo. Eu estava muito fraca para quem tinha atingido o auge dos seus 25 anos. Os remédios me fizeram engordar mas eu nunca fui a louca do peso, então isso não me interferiu.

Quando eu precisei raspar a minha cabeça, Haseul fez o mesmo. Ela riu para mim e disse "olha como eu pareço uma peça de Ludo", e isso me fez chorar. Não foi pela brincadeira, foi porque eu sabia que perderia tudo aquilo. Eu havia me acomodado e eu amava a minha vida, estava em minha zona de conforto desde os meus 18 anos e esse foi o primeiro grande acontecimento pelo qual eu estava sendo testada. A gente nasce tendo a certeza de que vai morrer, mas as intromissões de fatos da vida fazem com que esqueçamos que um dia ela vai chegar.

Quando se tem uma doença ou se está na guerra, a morte é a sua melhor amiga. Ela é calma, delicada e sua melhor aliada, e quanto mais horas se passam, mais ela vai se entranhando em seu corpo para se acomodar de vez. A morte estava tão perto de mim que eu não tinha mais motivação para esconder que eu estava triste. Eu não me importava de morrer, eu só não queria deixar para trás todas aquelas coisas boas que a vida me deu.

Eu não melhorei nos últimos tratamentos e não aguentava mais ver Haseul sofrer. Ela não sorria mais, não tinha aquele mesmo brilho em seus olhos apertados e curiosos, ela não cantava mais em seu melancólico tom, ela só era a mais deprimida flor do meu jardim. Se aquela seria a minha última noite, então eu a faria valer a pena. Enquanto ela saíra para tomar um ar, eu solicitei aos empregados que fizessem um lindo jantar. Pus o meu melhor lenço, deixei a casa em puro silêncio e esperei pela sua chegada. Quando Haseul retornou, eu a esperava com o seu jantar favorito: macarrão com camarão ao molho branco e bastante queijo ralado.

Tomamos um bom suco de uva que tinha um gosto sensacional de vinho, conversamos sobre coisas diferentes como fazíamos antes de tudo me acontecer, dançamos uma música lenta e eu a ouvi cantar e tocar piano. Ela estava linda naquela noite, sem maquiagem, com os cabelos negros começando a crescer e a expressão cansada e mesmo assim dócil. Aquela foi a última noite em que Haseul me amou e deitou a sua cabeça em meu ombro. Ela dormiu em meus braços e eu acordei fria.

Eu estava sentada na poltrona quando a vi se levantar em sua mais pela camisola de cetim, desesperada, chamando pelas enfermeiras. Ela sabia que eu estava morta mas não queria admitir. Ela gritava "façam alguma coisa" mas ela já tinha acreditado que nada me faria voltar. Eu estava bem ali, atrás dela, me sentindo incapaz de a fazer feliz naquela situação. Eu disse que iria a amar por toda a eternidade, mas esqueci que em todo amor, também temos a parte que nos machuca. Eu estava machucando o meu amor e não poderia fazer nada para sarar a sua enorme ferida que abriu-se em seu coração.

Naquela tarde, Haseul preparou o meu enterro. Ela estava linda com o meu lenço pela cabeça, e me doeu vê-la abraçar os meus vestidos e eu não estar neles para sentir o seu calor. Ela sorria como se pudesse me ver a admirando no canto do nosso quarto, e sua tristeza era tão bela quanto uma pintura romancista da segunda geração. O seu pai não precisava saber que eu não voltaria para jogar quebra-cabeça com ela, ela havia dito que eu tinha saído para comprar geleias de pêssego e eu preferia uma mentirinha dessas ou não me perdoaria caso algo acontecesse com ele.

Haseul se preocupou em pedir peônias rosas para mim, ajeitou o melhor vestido e ficou olhando o meu lugar na cama. Ainda estava desforrado porque ela queria acreditar que a minha presença ocupou-se ao seu lado e que eu voltaria a me deixar ali ao anoitecer.

— Você se lembra daquele dia em que viajamos para Paris?! — sim, eu lembrava.—​ Eu já tinha ido várias vezes, mas era a sua primeira vez. Você estava tão encantada com a parte histórica da cidade, quando navegamos no Rio Sena, você me disse que teve um sonho em que me via do alto. Você estava do meu lado, mas também me via de cima, e eu estava lá, dizendo o quanto te amava, e você brigando comigo por querer que eu admitisse você que me amava mais... Era disso que você estava falando?! Você está aqui agora?! Me olhando de cima?!

As cortinas de seda balançaram e ela olhou para a janela. Foi um tremendo sol e ela sorriu par ele, o que me fez quebrar por inteiro.

— Sabe, eu acho que a morte é uma grande vadia infeliz, mas ela também nos dá a certeza de que a gente tem que fazer tudo antes dela nos dar as mãos. Eu não me lembro como era a minha vida antes de você chegar, Kahei, e eu não sei como eu vou viver agora, mas eu viverei por você. Eu não sei quanto tempo ainda tenho, mas eu prometo que vou viver como se fossem os meus últimos. Eu não sei o que o futuro me espera, eu não sei se outra pessoa vai me aparecer, mas você sempre será a minha única, com as suas compotas de geleia... Eu nunca te disse, mas geleia de morango é muito melhor que pêssego.

— Não é não! — disse como se ela pudesse me ouvir e ela riu como se tivesse me escutado.

— Eu nunca vou te esquecer, e pode ficar tranquila que eu vou cuidar da sua mãe... Dos seus livros, das suas playlists de músicas... Vai doer, está doendo muito, mas eu vou viver por você, para lembrar que o nosso amor é por toda a eternidade.

Aquilo me machucava tanto e eu sabia que precisava ir, mas eu ganhei um pouco de tempo par me despedir.

Haseul se sentou no chão, de frente para o sol e fechou os olhos. Eu sentei ao seu lado e esperei. Minha pele estava corada novamente, meus cabelos ruivos tinham o seu comprimento maior e eu podia sentir o formigamento da pele dela embaixo da minha. Ela pôde me ver uma última vez e sorriu, me dando o seu beijo mais doce possível. Depois disso, Haseul deitou sua cabeça em meu ombro e engoliu o choro, fungando alto e apertando as pontas do meu lenço que estava cobrindo seu curto cabelo.

—​ Você é tudo para mim e eu não quero que vá, mas assim como você, eu também prometi amor eterno, e a forma mais verdadeira de provar o meu amor é te deixando ir em paz. Descanse, eu vou ficar bem.

—​ Vamos?!

A voz doce atrás de mim me fez acordar de meu transe entre o carnal e o espiritual. A morte tinha olhos calmos, não gostava de ser chamada assim, preferia ser chamada de Seohyun, e sua mão estendida para mim me fez a agarrar. Ela era a paz após a morte, e o seu abraço aqueceu o que eu podia chamar de coração. Ver Haseul erguer a cabeça e sorrir quando um raio de sol brilhou mais forte em seu rosto me deu a certeza de que eu ainda havia de encontrá-la em algum momento, sendo ele em plano espiritual ou carnal.

Nós ainda teríamos muitos encontros, e em todos, ela colocaria a sua cabeça em meu ombro e esperaria pelo meu amor.

~×∆×~

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