Garotas, o Sol, e as coisas l...

By sofianeglia

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Cecília Lages não tinha visitado sua família há três anos, porém, cansada da capital e tentando escapar das f... More

intro
1. De volta à fazenda

2. O projeto de mamãe deu frutos

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By sofianeglia

2. O projeto de mamãe deu frutos

Terminei de lavar a louça enquanto minha mãe ia e buscava algo, tudo parte do seu plano de contar a novidade, ou projeto, como ela começou a chamar. Durante o nosso almoço ela havia mencionado que eu era essencial para que tudo ocorresse da melhor forma possível, o que aumentou a minha ansiedade por completo e quase fez a comida voltar.

Tinha ajudado minha mãe com outros projetos, a maioria das vezes incentivando-a para que começasse algum. Enquanto meu pai era o homem dos negócios desde cedo, minha mãe era a pessoa que ficava em casa e cuidava dos filhos, cuidava de saber sobre os parentes, sobre os deveres da escola, sobre como estávamos nos sentindo.

Quando eu era pequena, acompanhava ela por todo canto para escolher os móveis novos, para ajudar uma tia, para cozinhar em um dos aniversários dos meus primos. Éramos os parentes ricos, mas a minha mãe sempre esteve acima de qualquer dinheiro para eles. Ela era a Monique. Só. Sem ser Lages, sem ser a mulher do homem das laranjas. Para os meus parentes, minha mãe era mulher certa para chamar quando se precisava de algo, porque ela resolvia as coisas. Resolvia até o humor deles com um simples sorriso e uma boa moqueca.

Eu encontrei uma forma, no meio da minha rebeldia, de incentivar ela. Enquanto eu ia e fazia o oposto do que meu pai mandava, agia conforme o que minha mãe precisava. Ela podia não pedir, mas eu sempre sabia.

— Filha... — Chamou minha atenção, segurando uma pasta e uma agenda nos braços. — Está pronta?

— Sim? — Respondi, sem certeza alguma.

Minha mãe sentou em um dos bancos altos e me chamou para sentar junto, largando o monte de coisas que segurava em cima do balcão.

Na capa da pasta de arquivo estava o nome "Monique Lages" em letra cursiva e dourada. Arrastando para minha frente, abri a capa de veludo e comecei a ver o conteúdo de dentro:

Convites diferentes, fotos de possíveis decorações, uma página inteira para os tipos de arranjos que podem ser feitos, com ou sem folhas de laranjeiras... tudo para casamentos.

— Eu montei uma experiência, Cecília, pra celebrar o amor. — Mamãe comentou, os olhos brilhando. — E, tudo isso, aqui mesmo na fazenda.

— Na fazenda? — Questionei, impressionada e curiosa, mesmo que tudo estivesse fazendo mais sentido a cada página que eu lia.

As mudanças das cores, a reforma de uma das cozinhas para algo mais clássico, até mesmo a geladeira cheia de novos ingredientes. Minha mãe tinha se tornado uma organizadora de casamentos?

— Sim, aqui na fazenda. — Respondeu, com um sorriso. — Tudo nessa área da fazenda. — Falou, apontando para a ala leste, onde estávamos na cozinha.

— E agora você é uma organizadora de casamentos. — Disse, impressionada e orgulhosa, mas ela acabou rindo do que eu disse.

— Cerimonialista.

— É. — Concordei, balançando as mãos. — Mas o que eu tenho a ver com isso?

Dona Monique pegou e pulou algumas páginas, indo até a parte onde dizia que no pacote estava incluso um design especial do nome dos noivos. Ela tinha separado diversas placas com caligrafia adornando peças de arte abstrata, com as cores escolhidas e feitas conforme as decorações escolhidas dos noivos. Artes parecidas com as que eu adorava fazer quando criança misturadas com caligrafia que era uma das minhas paixões.

— É uma parte nova que eu adicionei... — Ela disse, apreensiva.

— Mas você já fez outras cerimônias sem isso? — Perguntei, impressionada e sem saber se ficava chateada ou não. A resposta era não.

— Fiz três, para ver se as pessoas iam gostar do meu trabalho. — Respondeu. Na minha percepção, de tudo o que tinha visto minha mãe planejar, não tinha como pessoas não gostarem do que ela fizesse. — Os casamentos saíram lindos, Cecília, você tinha que ver... e tudo fui eu que organizei e montei, sabe?

Com a sua fala, minha mãe acariciava as folhas da apresentação dela.

Ela estava sozinha a maior parte do tempo naquela mansão inteira, dava pra perceber, mas com aquele projeto? Parecia que tristeza não existia e quem estava colhendo frutos e gerando uma renda agora era ela. E estava fazendo isso com as próprias laranjas que foram o motivo de toda a sua solidão. Da nossa solidão.

— Achei incrível, mãe. — Falei, sincera. Coloquei meu braço na volta dos seus ombro. — Mas como que eu vou conseguir ajudar? Estando aqui só esses dias? Não é um pouco rápido demais?

Ela sorriu pra mim, prestes a explicar o processo, porém o barulho de um carro freando na entrada chamou nossa atenção.

Minha mãe pulou do banquinho e eu me diverti com a possibilidade de irritar meu irmão. Indo até a entrada, não consegui escutar direito o que estavam falando, mas logo enxerguei meu pai. Dos dois, meu pai era o que tinha me dado a maioria dos genes. O cabelo escuro com cachos largos, o corpo mais quadrado, o rosto cheio de retas. Tinha apenas a cor da pele da minha mãe, que tinha descendência indígena.

— Papai. — Falei ao ver ele caminhando na minha direção, acenando com a cabeça.

— Bom ver você, Cecília. — Ele disse, sorrindo de lado e transmitindo verdade através dos seus olhos. Parecia estar bem, segurando a mão de mamãe e analisando meus pés descalços que ele detestava, a bermuda jeans e a camiseta branca. Me ofereceu mais um sorriso antes de ser interrompido pelo meu irmão.

— Vai ficar até quando? — Foi a primeira pergunta dele. Minha mãe e pai reviraram os olhos.

— Não comece, Júnior. — Disse meu pai, o que surpreendeu tanto à mim quanto minha mãe. — Sua irmã merece essas férias e ela vai ajudar sua mãe com os clientes de hoje.

Meu irmão, a cópia do meu pai e mais branco ainda, tinha crescido bastante e continuava sendo outra versão minha no espelho.

Quando ele não respondeu nenhum dos dois, eu cruzei os braços e voltei para sentar na cozinha assim que ele deu indícios de vir na minha direção.

— Sem provocações, Júnior, por favor. — Falei. Não era um pedido, era um aviso para que ele não me incomodasse.

Minha mãe balançou a cabeça e riu quando meu irmão desistiu e saiu reclamando, subindo as escadas para o seu quarto na ala oposta da minha. Papai comentou algo com ela que eu não escutei e veio me dar um abraço, antes de voltar a qualquer coisa que tinha que fazer.

— Ai, ai... como eu amo uma boa e carinhosa conversa em família. — Disse. Voltando a analisar as apresentações. — Papai falou sobre clientes de hoje?

Quando decidi vir para a fazenda sabia que não teria nenhuma rotina e esperava o tédio que viria, só não esperava que fosse acontecer o oposto e tudo junto logo no primeiro dia.

De novo, antes que minha mãe pudesse responder, ele voltou segurando dois chapéus.

— Sim, falei. Uma noiva que está a fim de fechar todo o contrato com a sua mãe. Por que você já não dá um pulo e se arruma pra ajudar, Cecília?

Ao terminar, papai pegou um copo e se serviu de água, tomando tudo e lavando logo após. Ele entregou um dos chapéus para minha mãe e veio me dar um beijo na testa. Senti vontade de chorar, lembrando da última vez que ele tinha feito aquilo.

— Um pulo? A piscina tá limpa?

— Desde que você se arrume depois... sim. Vamos, vai ser bom você acompanhar desde o início o processo todo.

Concordei com a cabeça. Um banho de piscina era uma ótima ideia pra mim e tudo o que eu queria.

Minha mãe me deixou e foi com o meu pai caminhar entre as árvores. Podia afirmar que ele estava se atualizando como eu tinha feito sobre meu irmão, mas agora minha mãe o atualizava sobre mim.

Olhando eles se afastando pelas portas laterais da cozinha, suspirei e fui até meu quarto, abrindo as gavetas e examinando as roupas que minha mãe tinha organizado para caso algo faltasse.

Um maiô vermelho escuro apareceu exatamente como eu pedi e logo eu estava me vestindo para pular na piscina por alguns minutos. Era uma das coisas que eu mais sentia falta da fazenda. A privacidade quando eu quisesse e a piscina. Quase sempre era a piscina.

Pegando uma toalha do meu banheiro, desci as escadas em pulinhos, passando pela cozinha, pelas portas e caminhando até os fundos da mansão para a piscina. Era uma piscina grande, com os arredores de pedras brancas e um tipo de cerca de pedra para ninguém cair lá dentro.

Sem pensar duas vezes, pulei na água gelada, escutando as bolhas subirem nos meus ouvidos e sentindo minha pele arrepiar. Estava bem, mas debaixo da água a minha cabeça flutuava para os motivos de eu ter demorado tanto para voltar. A facilidade que eu tinha de chorar pelos mais simples gestos de carinho vindos do meu pai estava no topo da lista, além das tentativas frustradas de conversar com o caçula ou fazê-lo entender que eu não o abandonei e o sentimento de culpa por eu ter ido.

Debaixo da água tive conversas com meu orgulho sobre a fazenda, como quase todo dia, mas ele me ignorava e continuava pensando que era sinal de fraqueza admitir meus problemas com aquela casa.

Nadando debaixo da água de um lado para o outro e voltando à superfície só para respirar, cansei meu corpo até todos possíveis pensamentos saírem. Não sabia o tempo completo que eu tinha ficado ali até decidir que tinha que deixar a piscina e meus dedos estarem murchos por causa da água.

Deixei a água escorrer pelo meu corpo e fui para dentro da mansão, secando o meu cabelo para não molhar tanto o chão precioso do lugar. Não passei da cozinha.

— E eu pensando que não tinha como esse lugar ficar mais bonito. — foi o que escutei e que forçou meus pés a pararem.

Na minha frente estava uma garota. Uma mulher. Os cabelos ondulados eram loiros com um toque de ruivo, os olhos feito duas bolotas encaravam os meus com intensidade por entre um rosto repleto de sardas. O rosto inteiro dela tinha as pequenas manchas, até mesmo possuía alguns nos lábios. E eu travei.

— Oi. — falou, mexendo os dedos no ar. Não respondi. — Eu não mereço um oi? Talvez apenas um aceno?

Não conseguia falar.

Soltando uma pequena risada, deu alguns passos na minha direção, me olhando dos pés a cabeça. — Bonito o maiô.

Mesmo ao limpar a garganta, tudo o que eu conseguia fazer era ficar encarando. Encarando o seu rosto, os acessórios simples e dourados que ela usava, a calça de alfaiataria, a blusa de gola redonda que não escondia os seios fartos, a expressão tão acostumada a dominar. Eu só conseguia encarar e sabia o quão patética estava sendo.

Ela era a prova de que eu gostava de garotas. E, nossa, como eu gostava de garotas.

— Cecília! — minha mãe gritou e chamou minha atenção. — Você fez uma poça no chão, filha!

A garota sorriu de lado e pôs suas mãos nos bolsos, mordendo de leve o seu lábio e, com o rosto safado, deu um passo para trás e deu espaço para minha mãe passar. Atrás da minha mãe estava outra mulher, mexendo freneticamente seus dedos.

Merda.

— Desculpe, mamãe. — consegui falar antes do pânico tomar conta do meu corpo e fazer com que eu largasse a minha toalha no chão pra secar a bagunça. Ela começou a pedir desculpas para as outras duas e mostrar o caminho da onde eu tinha vindo. Rápido e passando por mim, a segunda mulher que pareceu nem notar o que estava acontecendo, examinando os móveis de jantar e a decoração — Me desculpem. — completei olhando para elas, tentando ignorar a garota com uma sobrancelha arqueada, sentindo os seus olhos em mim assim que fugi em direção a escada, minha palma esparramada sobre o meu peito.

Meu corpo arrepiou mais do que com a água gelada da piscina e minha mente não conseguia esquecer a visão inteira dela parada na cozinha, com o sol entrando pelas janelas e seus olhos tão intensos. 

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