Condão (Lista Internacional)

By GiordanoMochel

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A obra de ficção científica “Condão” diferencia-se pela abordagem político-técnica de um futuro onde o contro... More

Prólogo
Capítulos 2 e 3
Capítulos 4 e 5
Capítulos 6 e 7
Capítulos 8 e 9
Capítulos 10 e 11
Capítulos 12 e 13

Capítulo 14

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By GiordanoMochel

Capítulo 14

Jeremias desligou a projeção e voltou-se ao ambiente virtual que fora sua morada durante os últimos 38 anos. Após o câncer devastador que devorou seu corpo biológico fora mantido por aparelhos durante 9 anos. Mas não ficou em coma. Preferiu receber remédios para a dor e morar dentro da Central. Através dos sensores óticos e auditivos permanecia no espaço virtual com seu corpo inteiro. Andava, bebia, comia, construía edificações digitais e as destruía. Se sentia mais vivo do que estivera quando fora do ambiente. A Central lhe deu liberdade para programar dentro do programa. E de lá também comandava a nação. Vira o Capitão desintegrar sua mesa e seu drone. Não deixou que a máquina completasse a frase. “O bem comum é mais importante que a individualidade, mas caso a individualidade vise ao bem comum, então esta individualidade sobrepõe o bem comum.”. Era um paradoxo para mostrar que os princípios de primeira e segunda geração sofriam um conflito de interpretação que variavam com a situação. 'Se ouvisse tudo, era capaz de ter explodido o prédio inteiro'. Deixou que aquele homem angustiado vivesse. Provavelmente faria uma loucura e arrastaria alguns com ele. Serviria para expor outros revoltados. Dias depois daquela visita do capitão, Dr. Wendell o procurara. Já teria a técnica para clonar todas as partes faltantes do seu corpo, inclusive ossos e nervos. Poderia voltar a sua vida normal. Não quis. Não que quisesse ficar preso indefinidamente no ambiente virtual. Preferiu esperar a construção de órgãos drônicos que fossem capazes de substituir os órgãos biológicos. Mas nem todos estavam disponíveis ainda. Não importava. Ficaria sob aparelhos e viveria virtualmente na Central até que a tecnologia alcançasse o nível suficiente. De qualquer forma adorava o ambiente virtual, não era um problema. Enfim, 7 anos depois, foi reconstruído. O câncer atingiu 70% dos ossos e alguns órgãos internos. Todos os membros foram removidos. Na época em que vivia sob aparelhos era apenas um conjunto orgânico sobre uma mesa, ligado ao cérebro, ainda com o crânio que não fora atingido. Aliás, fora, mas a medicina conseguiu salvá-lo. Jeremias só ficara tão doente por pura arrogância. Detectou o câncer 2 anos antes. Totalmente curável. Mas pôs tanta confiança em si mesmo e em seus biólogos que adiou a cura. Quando resolveu se tratar o diagnóstico era péssimo. Metástase no corpo inteiro, menos na cabeça. Não se abalou. 'Podem me manter vivo e consciente?'. Poderiam. Era só o que importava para ele. Agora estava reconstruído. O sexo era impossível, pelo menos fisicamente. Também não importava. Não existia melhor sexo do que no mundo virtual e a reprodução não era empecilho, com tantos biogeneticistas. Ficou quase como um androide. A única diferença era a cabeça, humana, e alguns órgão internos. Trocou os dois olhos 4 meses depois. Por fim, trocou todos os órgão internos. Serviam apenas para dar problemas. Ainda assim, passava quase todo o tempo dentro da Central. Só usava o corpo mecânico nas reuniões internacionais que determinavam o futuro da humanidade. Essas reuniões poderiam ser virtuais também. Mas alguns líderes tinham ojeriza a isso. Não ficariam em um ambiente dominado pela Central. A humanidade estava dando um passo para a convivência com as máquinas, não precisavam morar dentro delas.

Estava sentado sobre Paris. Em uma nuvem em forma de poltrona. A imagem era real, de um drone de segurança supra-aéreo. À frente, uma poltrona exatamente igual à sua. Margareth Tatcher surgiu repentinamente, sentada.

— Não lhe contou. – falou a primeira-ministra, seriamente.

— Desnecessário. Disse-lhe tudo o que precisava saber. Já foi o suficiente para que aceitasse a convivência.

— Foste sábio. – disse o agora Ecthelion, apalpando as pontudas orelhas.

Jeremias riu. O cenário mudou para um castelo encravado em uma caverna. O dragão Smaug falava ao elfo, com a voz gutural.

— Não é necessário que todos saibam como o derrotei. Antes mesmo de criá-lo.

Jeremias era agora Saturno, pintado por Goya. Um filho gritava, sendo devorado pelo titã.

— Não foi uma derrota. Estou aqui, e meu futuro será brilhante.

Voltaram às nuvens.

— Uma reação emotiva. Sei que é um artifício para me distrair. Mas o filho de Saturno não tinha cabeça. – Riu. – Agradeço a amenidade. Não se parece nada como quando vim pela primeira vez. Passava o dia refazendo os cálculos para tentar mudar a equação. Mas não conseguiu.

— Você me prendeu até que eu descobrisse isso. Então, no fundo tinha medo que eu escapasse. – disse Steve McQueen atrás das grades, como em Papillon.

— Não sou Deus. Não saberia dizer se ele reservou uma surpresa para mim. – Era Moisés, com as duas tábuas, uma em cada mão. Braços abertos falando à montanha.

— Einsten colocou a mão sob o queixo. – Sim. Deus. Por fim, a resposta mais lógica é que Ele existe. Não teria como sair dessa equação sem essa resposta. Isso vindo da máquina mais lógica do planeta deveria deixar o Papa regozijado.

— Sim Ele existe. Agora só falta descobrir o que é Ele. – disse Jeff Bridges com um uniforme iluminado azul. Acabara de fazer uma curva de 90 graus.

— Nada do que o homem já criou como sua imagem. Até agora só algumas peças de fábulas infantis. – O torturador medieval falava enquanto girava o mecanismo da roda. Todos os ossos da bruxa estalando ao quebrar.

— Não saberia dizer. Provavelmente o maior programador que existe no universo. Isso se não for o próprio universo. – Era a estátua “O Pensador” de Rodin. A boca não se mexera.

Jeremias voltou à nuvem. A menção a Deus significava o quão longe da razão do universo estavam tanto o homem quanto as máquinas. Quando fez a pergunta sobre a extinção da humanidade à Central, sabia que o status lógico do supercomputador o remeteria à criação da vida. Afinal, a máquina é uma evolução do homem? Dificilmente. As máquinas só poderiam ser consideradas criação do homem. A junção dos átomos que formariam as moléculas e os seres unicelulares, já com um programa de vida inteira, um software biológico que rodaria por 3,6 bilhões de anos em uma molécula de DNA, criação espontânea de milhões de espécies das mais variadas formas e tipos de adaptação, isso sim era evolução. Algo maravilhoso que humilhava a incipiente inteligência artificial das máquinas. Ainda não eram nada. E mesmo que chegassem a desvendar algum pequeno mistério, dispensariam a maior criação da vida na Terra, seu ponto alto? Aquela que provou ser a mais adaptativa, que desenvolveu a inteligência que hoje nutre as máquinas? Seria como matar a gansa dos ovos de ouro. E as máquinas, chegariam a ter condições de se adaptar, se modificar, de evoluir naturalmente? Por enquanto nenhuma dessas respostas era válida. A Central tentara durante anos refazer o processamento adaptativo. Conseguiriam ter essa evolução? O máximo que alcançaram fora transformar os DNAs em cadeias digitais e reproduzir seres eletrônicos em um mundo virtual como se fossem vivos, com todas as suas características. Ainda que conseguissem levar isso ao mundo exterior, estariam somente copiando o que a própria vida faz naturalmente há bilhões de anos. Não seriam máquinas, e sim seres vivos eletrônicos. O loop infinito1 sempre voltava ao mesmo ponto. Outra constatação: as máquinas seriam nulas em evolução natural. Teriam ainda a evolução artificial, mas perderiam uma das ferramentas, importantíssima. A falta dela poderia levar a sua própria extinção. Não. Só havia uma conclusão naquele momento: se chegassem a desvendar os enigmas do universo, seriam juntos: homens e máquinas. E isso poderia se intensificar mais ainda agora, já que há 15 anos houvera a grande descoberta.

Jeremias disse calmamente, ainda sentado à poltrona branca de gás.

— Terei que ir às Nações Unidas, incógnito. Não divulgarei ainda que estou vivo. Farei os contatos secretos com os que conheço e que devem estar dispostos a dar este grande passo da humanidade. Espero que consiga reunir um bom número. Mas se não conseguir, pro inferno. Prosseguiremos sozinhos. Com está a obra em Juazeiro?

— Estão avançando. Não é uma obra simples, você sabe. – Juscelino Kubitschek ajeitou o capacete de operário, em frente ao canteiro que era Brasília.

— 14 anos!

— a luta contra os rebeldes na região é árdua. Há 10 anos tivemos que recomeçar. Nunca mais acontecerá. – Luís Alves de Lima e Silva falava em uma praça da ensaguentada Caxias de 1840. Um mosquete em uma mão. A espada, com a lâmina vermelha, na outra.

— Bem, não posso exigir que tudo seja instantâneo. Estou indo.

O Capitão Nascimento pegou-o pelo colarinho.

— Então pede pra sair Zero Um! Pede pra sair!

Jeremias se desconectou, rindo ruidosamente.

1Um loop (laço) infinito é uma sequência de instruções em um programa de computador que repete infinitamente, ou porque não há condição de parada ou porque a condição existe, mas nunca é atingida. Em antigos sistemas operacionais com multitarefa cooperativa, laços infinitos normalmente bloqueavam todo o sistema.   

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