Folhas de Outono

By LizaSV_

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🏆 Vencedor do Wattys 2021 na categoria Chick-Lit 🏆 Evelyn Torinno tinha uma vida normal e monótona na cidad... More

☙ Dedicatória ☙
☙ Playlist • 𝐹𝑜𝑙ℎ𝑎𝑠 𝑑𝑒 𝑂𝑢𝑡𝑜𝑛𝑜 ☙
☙ Epígrafe ☙
I - Café Essência
III - Como as nuvens
IV - Como 𝐿𝑎 𝐺𝑖𝑜𝑐𝑜𝑛𝑑𝑎
V - Um bêbado em uma cama elástica
VI - 𝑆𝑜𝑛𝑜 𝑝𝑎𝑧𝑖𝑒𝑛𝑡𝑒, 𝑐𝑎𝑟𝑎 𝑚𝑖𝑎
VII - Astrologia e frangos
VIII - Se espalham como areia
IX - Um ciclo infinito
X - O que as cartas dizem
XI - Pedaços de um coração
XII - Uma criança inocente
XIII - Todos merecem o amor
XIV - 𝐿𝑒 𝑑𝑜𝑢𝑙𝑒𝑢𝑟 𝑒𝑥𝑞𝑢𝑖𝑠𝑒
XV - Uma carta a 𝐸.𝐻
XVI - Palavras nunca ditas
XVII - A promessa de São João
XVIII - Ao som da noite
IXX - As últimas luzes de Natal
XX - Sempre há um recomeço
XXI - Um passado não tão distante
XXII - Ventos de outono
XXIII - Uma breve e doce mentira
XXIV - Impossível amar o desconhecido
XXV - O renascer de todas as coisas
☙ Epílogo ☙
☙ Notas finais ☙

II - Um dia qualquer

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By LizaSV_

Capítulo II | Folhas de Outono

Ninguém superava Zahir no quesito latte art. Ela era esplêndida em todos os tipos de desenhos possíveis, mas a arte de desenhar em cafés...Bem, Eve achava que não era para qualquer um. Naquele momento, um garotinho de seis anos exigiu que seu Latte fosse acompanhado por um urso fofinho - tal como aquele que ele carregava para todos os cantos.

Zahir, atendendo o pedido do cliente, concentrava-se nas formas do urso sobre a superfície da bebida enquanto Evelyn olhava sobre seus ombros. Era uma pena que aquilo ia se desfazer no primeiro gole.

- Prontinho - Zahir colocou a xícara sobre a bandeja e ergueu para que Eve segurasse. Seus grandes olhos acastanhados admiravam sua obra de arte com orgulho. Evelyn, então, seguiu em direção à mesa do pequeno Daniel e a mãe.

O menino sempre ia com a mãe no Café Essência às sextas-feiras, sentavam-se no mesmo lugar e quase sempre pediam as mesmas coisas. Ao se aproximar, Daniel deixou o ursinho cor de caramelo sobre o colo e ergueu o pescoço, admirando o desenho sobre a espuma alva.

- Obrigado! - ele exclamou com excitação.

Eve sorriu com a alegria do menino e voltou para trás do balcão com a bandeja vazia. Nicole, com seus cabelos ruivos presos em um coque, lavava as últimas duas xícaras usadas. Rael varria a varanda, cujas folhas das árvores da avenida e da praça sempre invadiam o chão amadeirado. Não havia muita gente naquela hora - apenas um casal de idosos na varanda, o garotinho com sua mãe e uma universitária lendo artigos enquanto tomava um café. Nada de homens bêbados pedindo uma vodka.

Um homem de terno entrou no local e sentou-se em uma das mesas do lado de dentro. Ele também era conhecido por ali: sempre pedia um café enquanto relaxava jogando Candy Crush.

- Querida, você pode atendê-lo? - Zahir passou por Eve enquanto tirava o avental e alisava o hijab marrom-escuro sobre a cabeça. - Preciso ir ao banheiro.

- É claro - Eve assentiu e foi em direção ao jovem homem que acabara de chegar. Zahir desapareceu pela porta que dava acesso à área dos funcionários.

O homem, que fitava a tela de seu celular concentrando-se em um jogo repleto de frutas e doces coloridos, tinha um ar rebelde apesar da vestimenta séria. Seu cabelo loiro escuro estavam fixados para trás em ondas e cachos.

- Boa tarde, Giovanni. - Eve parou frente à mesa com as mãos nas costas. - O que deseja hoje?

Giovanni levantou a cabeça com um sorriso ardiloso, expondo suas covinhas nas maçãs do rosto anguloso.

- Evelyn - ele baixou a cabeça em cumprimento. - Você sabe que eu a adoro, mas... Gostaria que a outra moça me atendesse. - ele piscou um dos olhos, sussurrando: - Eu lhe pago uma gorjeta na próxima.

- Você não tem jeito - Eve balançou a cabeça em uma falsa reprovação. O rapaz fez um bico e mostrou-lhe a carteira, provavelmente cheia de dinheiro.

Evelyn soltou o ar pelo nariz e olhou por cima do ombro. Nicole enxugava as mãos no pano de prato enquanto observava o movimento do lado de fora. Seus olhos cor de avelã de repente pararam no cliente e na colega, e sua expressão mudou. Qual o problema?, ela parecia dizer.

Eve ergueu as sobrancelhas e fez um gesto para que Giovanni aguardasse. O rapaz sorriu e voltou-se para o celular; o terno frouxo em seu pescoço e as pernas esparramadas. Nicole, tão elegante em seu andar e com seu jeito gentil de sempre, olhou preocupada para o cliente relaxado.

- Aconteceu algo? - Nicole perguntou, a voz suave e levemente grave denunciando nervosismo; lembrando Eve a primeira vez que a viu.

- Ele só quer que você o atenda - Eve deu de ombros, como se não compreendesse os motivos do rapaz e suas preferências por tal funcionária. Assim que Nicole foi em direção ao rapaz, Evelyn sorriu e passou um pano molhado casualmente no balcão. Rael preparava um café espresso, mas Eve sabia que ele observava tudo ao redor.

Ele parou os olhos sobre Giovanni e Nicole e apontou para a tatuagem que ele tinha no antebraço esquerdo: um ideograma chinês para a palavra AMOR.

- Ele gosta dela - Rael disse, sorrindo.

Eve deu de ombros mais uma vez, fingindo que não havia visto nada. Como se estivesse atuando em uma peça de tragédia, Rael colocou a mão sobre o peito e fez uma expressão de desespero.

- Chen, Chen... Eu vi isso. - Nicole voltou-se para ele, séria, levando a mão reta no pescoço como se quisesse cortá-lo fora. Depois, olhou para Eve. - Um macchiato de caramelo para o Giovanni, por favor.

Eve assentiu e foi até a máquina de café. Ela se esforçou para compreender o que Nicole dizia a Rael; porém, pelo exagero dos sinais e as expressões, a moça apostava seu salário que era algo como: VOCÊ É UM IDIOTA. Sempre que Giovanni aparecia na cafeteria, ele deixava claro seu interesse por Nicole. Todos enxergavam isso, menos ela. Sua insegurança para com homens como ele era um tanto compreensível, mas Giovanni não parecia disposto a desistir assim tão fácil. Nicole era mesmo uma criatura que dificilmente passaria despercebida - não só pelos seus cabelos ruivos e longos e a postura elegante, mas pelo fato de ser quase uma gênia: falava cinco línguas, era fotógrafa, confeteira e trabalhava como voluntária em uma ong de animais - e , é claro, ainda era taróloga.

Para Eve, a presença dos colegas de trabalho era quase que como colocasse uma enorme placa na fachada do Café Essência com os dizeres: PROIBIDA A ENTRADA DE INTOLERANTES (não só a lactose). Afinal, não era todo lugar que admitia tamanha diversidade - e, definitivamente, não era qualquer estabelecimento cujos donos judeus contratariam uma muçulmana, uma cristã e um agnóstico sem o risco de não haver uma guerra de bolinhos recém-assados e cafés caríssimos. Evelyn gostava disso pelo fato de tudo se tornar tão natural ao seu redor. Entretanto, para os conservadores daquela cidade, o lugar poderia se chamar muito bem Café dos Delinquentes. Algo bom saía de toda aquela situação ultrapassada: não era qualquer um que entrava e saía daquela cafeteria. O ambiente era agradável e harmonioso - não só pela organização impecável e o cheiro agradável, mas toda a estrutura do lugar: Havia uma área exclusiva para leitura. Uma estante com livros e chaveiros a venda sempre estava cheio, mas os leitores de plantão adoravam o espaço discreto e as poltronas de couro. A decoração contava com pequenas placas com mensagens positivas para alegrar o dia dos clientes (a preferida de Evelyn era: SORRIA SEMPRE! ☺ Você está sendo filmado).

Em seu horário de almoço, Evelyn despediu-se de seus colegas e tirou o avental. Antes de virar-se e entra à área restrita aos funcionários, a moça olhou ao redor. Havia sete pessoas ali - um rapaz de óculos lendo um livro em uma das poltronas, uma mulher de meia-idade de cabelos curtos e camisa social concentrava-se em uma revista e outros clientes habituais saboreavam seus pedidos. Do outro lado, na varanda com vista para a avenida, um rapaz de cabelos escuros havia acabado de chegar. Nicole foi atendê-lo de imediato. Eve não viu seu rosto, mas ela tinha certeza que nunca o tinha visto ali antes - era comum aparecerem pessoas de outras cidades ou bairros.

Tudo estava como deveria estar - como um dia qualquer. Entretanto, por que ela sentiu como se algo tivesse fora do lugar de repente? Como se ela deveria ter feito algo, mas não tivesse com a atenção plena o suficiente para agir de acordo.

Dando de ombros, ela se virou e atravessou a porta. Enquanto pegava suas coisas em seu armário, seu celular vibrou. Eve franziu o cenho e olhou para a tela iluminada. Já estou na porta!, a mensagem dizia. A moça quase bateu a própria cabeça na parede. Havia se esquecido completamente de Alice. Elas havia combinado de almoçarem juntas em um restaurante próximo, mas se esquecera completamente que era aquele dia. Evelyn só aceitou pois Alice insistiu que pagaria sua sobremesa.

Eve apressou os passos e correu pela calçada, observando os carros estacionados e parando ao lado de um veículo vermelho. Respirando fundo, ela abriu a porta e jogou-se no banco ao lado da amiga.

- Até que enfim! - Alice exclamou, tirando os óculos escuros para encarar Evelyn. Seu par de olhos azuis-gélidos analisou seu rosto com desconfiança. Seus cabelos castanhos e lisos, impecáveis como sempre, cheirava a algum produto anti-frizz. A franja escura tampava toda a sua testa. - Misericórdia... O que aconteceu com você?

- O que foi? - Eve olhou para o próprio reflexo no espelho retrovisor. Seus olhos ficavam ainda maiores com aqueles óculos de grau, destacando suas olheiras resultantes de uma péssima noite de sono. O cabelo castanho escuro também não estava nada bem: presos em um coque, parecia mal-cuidado e sem vida. Seus lábios cheios estavam pálidos e ressecados.

Eve já estava acostumava com todas as críticas vindas de Alice em relação a sua aparência e suas roupas, mas, dessa vez, ela tinha razão. A moça não se achava feia, tampouco uma pessoa atraente.

- Não dormi muito bem esses dias. - Eve respondeu. - É isso.

- Bem, eu vou deixar passar... - Alice ligou o carro. Eve colocou o cinto de segurança, aguardando um sermão. - Mas andei pensando sobre a conversa que tivemos no Natal passado.

Evelyn suspirou baixinho. Então, ela não havia se esquecido daquilo. Eve e Alice eram amigas desde a infância - mais especificamente, desde o maternal. Ambas se conheciam o suficiente e, apesar de não terem nada a ver uma com a outra, a amizade era inabalável. Alice conseguia ser bastante tóxica quando queria, mas Eve sabia de seus esforços e não ligava muito quando falava mal de seu cabelo ou algo do tipo.

- Sobre o que estava pensando? - ela perguntou, fingindo não saber do que se tratava. - Nós conversamos muitas coisas. E eu estava bêbada.

Alice buzinou para um carro à sua frente enquanto mastigava um chiclete exageradamente.

- Deixe-me lembrá-la com uma palavra chave: mudança - ela falou. - Você disse que esse ano queria algo diferente. Sabe, algo a mais que trabalhar, estudar e lavar louça.

- Sim, eu disse, mas...

- E eu estou disposta a ajudá-la, é claro - Alice a interrompeu. - Começando pelas roupas. Há quanto tempo seu guarda-roupa se parece com o de uma criança de doze anos?

Eve baixou a cabeça e riu. Nessa parte, sua amiga tinha total razão. Ela não comprava muitas roupas desde os quinze - o que não era muito tempo, já que ia fazer vinte ainda naquele ano.

- Não exagere. - Evelyn retrucou.

- Não estou exagerando! - Alice disse. - Segunda coisa: você precisa sair mais. Como vai conhecer pessoas? Sou sua única amiga nessa cidade, pelo que eu saiba... E quem sabe você não conheça um rapaz para namorar, já que terminou com o Lucas. - Alice olhou para ela quando parou o carro no estacionamento do restaurante. - Em falar nisso, eu ainda não entendi o porquê. Aquele Lucas não é de se jogar fora.

- Há coisas que vão além da aparência e das condições financeiras, Alice - Eve falou. - Às vezes falta química.

- Oh, certo. Química... - Alice franziu o cenho, encarando a fachada do restaurante. Eve preferia comer em um lugar mais simples e barato, mas sua cara amiga de infância tinha suas preferências.

- E amigos... Bom, eu tenho uma boa relação com o pessoal da cafeteria - Evelyn continuou, soltando o cinto e de descendo do carro. Alice soltou uma risada anasalada e alcançou-a, jogando sua bolsa no ombro.

- Tsc, tsc. Desculpe, Evelyn, mas não sei se trabalhar com uma muçulmana, um japonês cego e uma travesti vai lhe oferecer muitas coisas.

- Alice! - Evelyn franziu o cenho ao notar o tom pejorativo. - Isso fo...

- Mas é verdade! Nada contra, querida, mas é verdade. - Alice ergueu as palmas em rendição.

- ...E Rael é surdo, e não cego. - Eve murmurou, mal-humorada. - E ele é descendente de chineses.

- Qual a diferença?!

Evelyn bufou e acelerou os passos, deixando Alice para trás. Às vezes, ela conseguia passar dos limites. Eve não estava a fim de discutir com ninguém, sobretudo com alguém que não sabia controlar a língua.

Alice não disse mais nada sobre seus planos de mudanças para Evelyn Torinno, muito menos sobre as companhias que ela julgava ideais para sua vida. Ela basicamente falava sobre festas e rapazes os quais ela saía. Eve fingia que se interessava por suas paqueras enquanto alimentava-se.

Seus olhos de repente foram atraídos para a rua; além das mesas de madeira e os passantes que entravam e saíam do restaurante. Um carro cinza passava pela rua como qualquer outro - uma mercedes-benz, para ser mais exata. Havia muitos veículos como aquele rondando pela cidade, mas algo a fez encarar aquelas janelas escuras até desaparecer na esquina - como se em seus olhos houvessem imãs que os atraíssem para aquela lataria suja.

- O que foi? - Alice perguntou, procurando o que havia chamado sua atenção.

- Nada. Só estou pensando. - ela se voltou para a amiga e empurrou o prato vazio. - Então, vai me pagar uma sobremesa ou não vai?

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