Com toda certeza já não sou mais eu, mesmo que pareça, agora, há uma sombra, que se arrasta atrás de mim.
Posso sentir o antigo Vênus saindo por minhas entranhas.
Agora serei culpado por cada morte que acontecer, cada gota de sangue e cada lágrima derramada por causa desse maldito jogo.
Estou no Hall de entrada e o sol se põe aos poucos enquanto eu o observo pela janela.
Ouço um som de piano vindo do corredor onde há várias salas de aula, a maioria dos alunos estão na grama do lado de fora observando o pôr do sol.
Caminho seguindo o sol e percebo que vem da sala de música, um lugar grande com instrumentos e cadeiras, janelas altas e paredes em tom creme, as luzes estão acesas e para minha surpresa, Jonathan está no piano.
O observo e ele percebe minha presença, parando imediatamente de tocar.
— Ah! É você.— Seus olhos me encaram e logo se desviam de mim de volta para o piano.
Cruzo os braços e encaro a parede a minha frente.
— Isso me lembra do meu pai.— Digo.
— Ele tocava piano?— Jonathan pergunta e sinto seu olhar curioso e interessado sobre mim.
— Flauta.— Digo e me sento ao seu lado no banco estufado em fente ao piano.
Jonathan fica em silêncio, seus dedos parecem suaves pela primeira vez, e com um leve toque ele tecla uma nota aguda do piano, que se estende por toda a sala me deixando com a impressão de que o som nunca vai parar.
— Parte da nota ainda pode ser sentida, mesmo depois que o som se vá.—
— Eu não o sinto, nem sua coragem, nem sua força, não sinto nada.— Sem pensar, minha olhos se enchem.
— Se você libertar-se de si mesmo, poderia ver do que é capaz, e pode fazer isso hoje.—
— Vênus.— garota loira que vive grudada em Jonathan apareceu de repente chamando por mim.
— Sim.— Disse com um olhar confuso.
— Precisa se vestir, é o desafio de Clãs.— A loira disse séria, seus olhos azuis e sua roupa preta são estonteates, pela primeira vez percebo que mechas pretas brilhantes balançam eu seus cabelos dourados enquanto ela anda.
— Você e Jonathan combinam.— Puxei ussunto enquanto subíamos as escadas.— Quer dizer, você é praticamente a sombra dele.—
— Ah, não! Quer dizer, eu gosto dele e somos noivos desde a infância, mas sei que ele não sente o mesmo por mim e agora que seus pais se foram, ele está livre para decidir se quer continuar com isso ou não.— Ela disse cabisbaixa e pude sentir verdade no que dizia, a loira é mesmo apaixonada por Jonathan.— A propósito, sou Isabela, ou Isa como preferir.—
Ela sorriu de forma meiga e amigável.
— Como deve saber, sou Vênus.— Sorri.
— Ou Vêe.— Ela continuou sorrindo.
— Olha, não se preocupe com Jonathan e essa coisa de noivado, quer dizer, somos tão jovens e a vida é tão curta, acho que você deveria pensar, se é isso que VOCÊ quer.— Disse e finalmente chegamos no quarto.
— Obrigada.— Ela disse e eu sorri.
Lucas não está no quarto, a luz está acesa e a mesma roupa branca da noite de ontem está sobre a cama, limpa e passada.
A observei com nervosismo e me vesti sem muita cerimônia.
Me encarei no espelho pela última vez antes de sair daquele quarto com atmosfera incrivelmente melancólica.
— Se vestiu rápido.— Isa comenta me observando com cautela e um pequeno sorriso.
— Quanto mais cedo você tira uma bala, mais cedo a ferida cicatriza.— Talvez essa não seja a frase certa, parecia mais um tumor, que continua crescendo e apesar de tira-lo, ele sempre reaparece num lugar diferente
Os alunos que estavam na frente do internato, agora já não estão mais, uma pequena garoa respinga sobre a grama e ameaça se intensificar enquanto Isa e eu caminhamos para os prédios.
Tudo aqui é igual, a fogueira, a música, mas algo está estranho, talvez os olhares ou a música, não sei bem.
— Precisa subir, Henrique está esperando você no Clã do Fogo.— Isa diz próximo aos prédios e percebo que tenho que seguir sozinho daqui pra frente.
Lucas, Kira e Jonathan não parecem ter chegado, ou eu apenas não os vi.
Mas seus olhares fazem falta.
— Olá meu pequeno jogador.— Henrique me cumprimentou com um sorriso maligno, sentado em uma cadeira.
Está sem camisa e usa uma calça preta rasgada com botas também pretas.
Está sozinho ali.
Há na sua frente uma mesa pequena de madeira e peças de um jogo de xadrez.
Há uma câmera num tripé, numa parede atrás de si, piscando uma luz vermelha.
Henrique segura seu microfone e logo a música lá embaixo para.
Todos olham para cima e Henrique se levanta.
— Estamos aqui para o início, para a entrada esperada de um sangue jogador, sangue de Vênus Willians.— Gritos e aplauso vem de baixo.— Vênus!— Henrique vira-se para mim.— Sua escolha definirá seu Clã até o fim de sua vida aqui.—
Em nossa frente há 4 peças: um peão, um rei, um cavalo e a rainha. Ele quer que eu escolha uma, mas qual escolher? Se é que isso importa.
Meus olhos encararam as peças, não é uma escolha difícil, mas a escolha certa, pode significar minha sobrevivência aqui, em meio ao caos.
Os gritos e vibrações que vinham lá de baixo de uma plateia eufórica, agora cessou.
Todos observam a mim e a meus dedos que dedilham o ar sobre as peças.
O peão, sacrifício, primeira peça usada, começo.
Bispo, diagonal, poder, ao lado do rei e da rainha.
O rei, a peça mais importante do jogo.
A Rainha, a peça mais poderosa, qual escolher?
Minha voz grita em minha cabeça, e seguro firme minha peça, a peça preta brilhando com o reflexo das luzes ali, eles gritam, todos gritam, eu fiz minha escolha, estou oficialmente no jogo.
— Escolheu bem.— Henrique diz com um pequeno sorriso, talvez decepcionado, mas satisfeito por saber que já não tem mais volta pra mim, não depois disso.