Entram Maria e Feste.
Maria – Não, eu te peço: enfia este hábito, e coloca esta barba. Faz ele acreditar que tu és Mestre Topázio, o cura. Rápido. Enquanto isso, vou chamar Sir Toby.
[Sai.]
Feste – Bem, me visto com o hábito e dentro dele me disfarço. Muito me agradaria pensar que sou o primeiro a dissimular-se em trajo igual a este. Não sou alto o suficiente para exercer a função a contento, e não sou magro o suficiente para me tomarem por um estudante aplicado. Mas se dizem que sou um homem honesto e bom anfitrião, isso vale tanto quanto dizer que sou trabalhador e um grande acadêmico. Eis que chegam os competidores.
Entra Sir Toby (e Maria).
Sir Toby – Que Júpiter te abençoe, senhor vigário.
Feste – Bonos dies, Sir Toby, pois, como o velho eremita de Praga, que jamais viu tinta e pena, muito sabiamente disse à sobrinha do Rei Gorboduce: "O que é é". Assim é que eu, sendo o senhor vigário, sou o senhor vigário. Pois o que é "o que" senão "o que", e o "é" outra coisa que não um "é"?
Sir Toby – A ele, Mestre Topázio.
Feste – Mas que olá, digo eu! Que a paz reine nesta prisão!
Sir Toby – O patife imita bem; é muito bom patife.
[Malvólio, de dentro.]
Malvólio – Quem chama?
Feste – Mestre Topázio, o cura, chegando para visitar Malvólio, o lunático.
Malvólio – Mestre, Mestre Topázio, meu bom Mestre Topázio, procure por minha patroa.
Feste – Para fora, demônio hiperbólico! A que ponto perturbas tu esse homem! Não falas de outra coisa que não de mulheres?
Sir Toby – Bem-pensado, senhor vigário.
Malvólio – Mestre Topázio, nunca um homem foi tão ultrajado. Meu bom Mestre Topázio, não pense que estou louco. Eles me puseram aqui, nesta escuridão odiosa.
Feste – Que vergonha tu, desonesto Satã! (Estou te chamando pelos nomes mais modestos, pois sou um desses cavalheiros que falam ao próprio diabo com cortesia.) Dizes que a casa é escura?
Malvólio – Escura como o inferno, Mestre Topázio.
Feste – Ora, mas ela tem janelões transparentes como barricadas, e os clerestórios que dão para o sul-norte são resplandecentes como ébano. Ainda assim te queixas de obstrução da luz?
Malvólio – Não estou louco, Mestre Topázio. Estou lhe dizendo, esta casa é escura.
Feste – Homem doido, estás incorrendo em erro. Afirmo que não há escuridão, mas sim ignorância, na qual tu estás mais perdido que os egípcios em sua bíblica neblina.
Malvólio – Afirmo que esta casa é escura como a ignorância, embora a ignorância seja tão escura como o inferno. E afirmo que não há nem nunca houve homem mais ultrajado que eu. Sou tão louco quanto o senhor. Pode testar-me, fazendo-me perguntas que exigem raciocínio.
Feste – Qual a opinião de Pitágoras com relação a aves de caça?
Malvólio – Que a alma de nosso avô pode eventualmente habitar o corpo de um pássaro selvagem.
Feste – E o que pensas tu dessa opinião?
Malvólio – Tenho as almas em grande apreço, e de modo algum coaduno com a opinião de Pitágoras.
Feste – Passar bem. Permanece para sempre na escuridão. Vais corroborar a opinião de Pitágoras antes que eu passe certificado de teu juízo mental, e vais ter medo de matar uma galinhola que é para não desalojar a alma de tua avó. Passar bem.
Malvólio – Mestre Topázio, Mestre!
Sir Toby – Meu mais excelente cura, Mestre Topázio!
Feste – Sim, eu sei beber de todas as águas.
Maria – Tu poderias ter feito isso sem barba e sem hábito; ele não te enxerga.
Sir Toby – Conversa com ele, mas agora com a tua voz, e depois vem me contar o que achaste dele. Queria eu que já estivéssemos livres dessa brincadeira. Se ao menos pudéssemos soltá-lo sem maiores inconvenientes! Estou agora tão malvisto por minha sobrinha que não tenho como prosseguir em segurança com esta nossa diversão até a rodada final. Vem depois até os meus aposentos.
[Sai, com Maria.]
Feste – [Cantando:] Ei, tu, Robin! Robin, meu amigo.
Diz de tua dama, fala comigo.
Malvólio – Palhaço!
Feste – Minha dama é cruel, cruel.
Malvólio – Palhaço!
Feste – Mas por que isso, Deus do céu?
Malvólio – Palhaço, estou chamando!
Feste – Ela ama outro... Quem está me chamando?
Malvólio – Meu bom palhaço, se algum dia desejaste provar de minha gratidão, arranja-me vela, pena, tinta e papel. Cavalheiro que sou, viverei para ser-te eternamente grato por isso.
Feste – Mestre Malvólio?
Malvólio – Sim, meu bom palhaço.
Feste – Deveras, sir, como foi que perdeu o juízo?
Malvólio – Bobo, nunca houve homem tão notoriamente ultrajado. Estou em meu juízo perfeito, tanto quanto tu.
Feste – Tanto quanto eu? Mas então o senhor está louco varrido, se o senhor não tem mais juízo que um bobo.
Malvólio – Eles me tratam como uma coisa e se acham donos de mim. Estão me mantendo no escuro, mandam religiosos me visitar (aqui entre nós, uns burros) e fazem tudo o que podem para me tirar do meu juízo.
Feste – Cuidado com o que fala: o religioso está aqui. [Como Mestre Topázio:] Malvólio, Malvólio, teu juízo os céus agora te restituem. Concentra-te em dormir, e esquece esse teu blablablá inútil.
Malvólio – Mestre Topázio!
Feste – [Como Mestre Topázio:] Não troque palavras com ele, meu bom camarada! [Como Feste:] Quem, eu, sir? Eu não, senhor. Que Deus o acompanhe, bom Mestre Topázio! [Como Mestre Topázio:] Deveras, amém! [Como Feste:] Sim, senhor, sim, está certo.
Malvólio – Palhaço, palhaço, estou chamando!
Feste – Deveras, sir, tenha paciência. O que está dizendo, senhor? Serei repreendido por falar consigo.
Malvólio – Meu bom palhaço, arranja-me alguma luz e papel. Eu te asseguro que estou em meu perfeito juízo, tanto quanto qualquer outro homem em Ilíria.
Feste – Quisera Deus que estivesse, sir!
Malvólio – Por esta minha mão, é verdade! Meu bom palhaço, um pouco de tinta, papel e luz, e tu levas o que vou escrever até minha patroa. Isso vai te ser vantajoso; mais recompensado serás que qualquer mensageiro.
Feste – Vou ajudá-lo com isso. Mas, diga-me a verdade: o senhor não está louqueando, não? Ou está apenas fingindo?
Malvólio – Acredita-me: estou são da cabeça, e essa é a verdade.
Feste – Não, eu nunca vou acreditar num louco até que possa enxergar-lhe a massa cinzenta. Vou buscar-lhe luz, e papel, e tinta.
Malvólio – Bobo, eu saberei recompensar-te em alto estilo. Agora peço-te: vai.
Feste – [Cantando:] Já estou indo, e também já /volto
Que é pra ter consigo logo, logo.
Ao Velho Vício, eu vou num salto;
Estando lá, de seu pedido eu trato.
Ele, adaga de ripa e grande ira,
Feito rapaz doido, ao Diabo grita:
"Apare as unhas, Pai.
Adieu, Monsieur Satã!"
[Sai.]