— Por que será que eles eram como eram? – perguntou aleatoriamente Scorpius, enquanto se arrumavam para o café da manhã. Ao acordar, ele agradeceu ao amigo pelo que fizera durante a noite, recebeu um "não há de quê" e tornaram a agir como se nada tivesse acontecido.
— Eles quem eram como? – perguntou confuso Albus, que ainda não tinha entendido do que o amigo estava falando — Pode me explicar do que exatamente você está falando?
— Meu pai. Seu pai – respondeu Scorpius, terminando de ajeitar os sapatos — Eu sei que houve muitas coisas no passado, mas hoje, sabe? Eu queria que fosse diferente – seu tom de voz ficou mais baixo. Os dois pegaram os livros, saíram do dormitório e caminharam para além do salão comunal da Sonserina, a fim de tomar um café no grande salão antes da primeira aula.
— Eles eram difíceis. O seu, o meu. E ainda são. Não acho que possa ter uma mudança a essa altura do campeonato, mas eles estão tentando se respeitar e isso já é um começo – disse Albus, enquanto caminhavam juntos pelos corredores — eu só não quero mais eles interferindo na nossa amizade por problemas que não são nossos – eles sorriram um para o outro e apressaram os passos.
Comeram uma coisa rápida para o café da manhã, depois correram até a biblioteca para devolver um livro e seguiram para aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Só depois de se acomodarem nas carteiras é que perceberam que esta matéria seria dividida com uma turma da Grifinória. Não é que Albus tivesse algo contra, até quis ser de lá um dia, mas desgostava muito da forma como os alunos da outra casa olhavam e sussurravam sobre ele e Scorpius. Já quis acreditar que não passavam de coisas da sua imaginação, e sempre tentava ignorar tudo, como Scorpius recomendava, mas não conseguia. Ter que participar de uma aula com a turma da Grifinória só aumentava o desconforto que sentir quando estava em Hogwarts.
— Hoje – começou o professor – iniciaremos o treinamento de um feitiço muito importante. A maioria de você já deve ter ouvido falar. Se chama o feitiço do Patrono – quando o professor terminou de anunciar, Albus sentiu olhares em cima dele e já sabia o porquê.
— Então, todos se levantem. Vamos afastar as carteiras e iniciar.
Todos os alunos se levantaram e com o uso da varinha, o professor afastou as carteiras, deixando um bom espaço para as práticas que ocorreriam. Os alunos se organizaram em um grande círculo, e o professor explicou como era o processo para a execução do patrono. — [...] e então pense na melhor lembrança que você tem, e digam com vontade "expecto patronum". Certo? Quem quer ir primeiro? – ele olhou ao redor, vários rostos tímidos – Que tal você, Potter?
O coração de Albus disparou. Não. Definitivamente ele não estava a fim de ir primeiro. Continuou parado no mesmo lugar, sentiu Scorpius apertar levemente sua mão como se quisesse lhe dar forças. — Vamos, Potter. Imagino que você tenha herdado os talentos de seu pai – afirmou o professor, acenando com o braço para que Albus fosse até ele. Albus pensou que, definitivamente, esse cara era novo na escola e não estava sabendo de nada sobre como ele era diferente de seu pai.
— E lá se vai mais uma vez, Albus Potter indo envergonhar o nome do próprio pai – disse levianamente Polly Chapman, uma garota desagradável com quem Albus tem o desprazer de conviver nos dias letivos.
— Sabe como prosseguir? – perguntou o professor quando Albus se aproximou.
— Hm, acho que sim – respondeu inseguro. Ele fechou os olhos e tentou pensar em suas lembranças mais felizes, mas não conseguiu pensar em nada que fosse forte o suficiente. Lembrou-se então de estar com seu pai na campina depois de todas as louras vividas no último ano. Tentou fazer daquela uma lembrança feliz. — Quando estiver pronto – ouviu o professor falar. Albus respirou fundo e abriu os olhos. Tentou se concentrar e pronunciou as palavras
— Expecto Patronum – uma fraca luz saiu de sua varinha, mas se esvaiu tão depressa quanto apareceu. Albus sentiu-se encolher de vergonha.
— Bom, isso foi bom. Tudo bem, é assim mesmo. Sempre iniciamos de uma forma fraca – explicou o professor – Obrigado, Potter. Pode voltar. Quem é o próximo?
Albus voltou para perto de Scorpius, que recebeu o amigo com um sorriso fraco. Estava se sentindo constrangido e só queria sair dali. "Okay, acho que posso fazer isso" pensou e então deu um leve belisco no braço de Scorpius e foi caminhando lenta e disfarçadamente entre os outros colegas — O que está fazendo? – sussurrou Scorpius, seguindo o amigo.
— Vou sair dessa aula. Pode vir comigo, mas se quiser ficar, vou entender. – dito isso, Albus virou-se de costas para o outro e saiu pela porta, seguindo para o corredor sem pensar muito bem para onde iria. Scorpius queria ficar, estava animado para essa aula, mas sabia que depois do que houve durante a noite, seria injusto deixar Albus sozinho agora. Assim, ele saiu da sala sem que fosse visto e tentou alcançar o amigo no corredor.
— Ei – disse, segurando no ombro do amigo – e para onde pretende ir? Não podemos ficar andando pelos corredores, vão nos achar e vamos nos encrencar.
— Eu não sei, eu... – Albus olhou para o amigo com cara de dúvida – em que andar estamos mesmo?
— Como assim, Albus? Estamos no primeiro – respondeu ao amigo, com tom de obviedade.
— Certo, então já sei a onde vamos. Me segue.
***
Albus acelerou os passos e Scorpius colou nele. Alguns corredores e curvas depois, estavam em frente ao banheiro feminino do primeiro andar, aquele em que ninguém ousava entrar. Os dois garotos entraram e caminharam para o fundo do banheiro. Era grande e espaçoso, e onde um dia fora a câmara secreta, agora havia uma banheira elegante como a do banheiro dos monitores. Quando houve a reforma, a diretora e os professores imaginavam que o banheiro voltaria a ser frequentado naturalmente como fora há muitíssimos anos. No entanto, a fantasma de Myrtle Elizabeth Warren ainda residia ali, e ninguém que quisesse usar um banheiro em paz, teria paciência para frequentá-lo.
Os meninos se sentaram nos ladrilhos ao fundo, as costas apoiadas na parede, um silêncio pairava entre os dois.
— Ah, olá – uma voz feminina melindrosa os cumprimentou – eu estava com saudades.
— Olá, Murta – respondeu Albus sem ânimo e sem olhar para a fantasma.
— Sabe, me admira como vocês andam juntos. Acho tão... interessante essa... amizade. Uh-hum – melindrou Murta, flutuando agora próxima aos dois – Olá, Malfoy.
— Olá, Myrtle – Scorpius respondeu, sorrindo simpaticamente para Murta-Que-Geme.
— Ah! – gritou ela – Acho que lindo como você me chama pelo meu nome. Me faz sentir tão... viva – Murta deu uma risadinha estridente e continuou admirando os dois. — Será que vocês dois, rapazinhos bonitinhos, não deveriam estar em aula?
— Estava um saco – respondeu Albus, afrouxando a gravata do uniforme.
— Me expliquem, meninos – disse ela entre risos – como foi que ficaram tão amigos? Os pais de vocês quase se mataram, aqui, nesse banheiro mesmo – afirmou Murta e deu uma pirueta no ar, depois voltou a olhá-los. Scorpius estava boquiaberto, curioso pra saber do que exatamente ela estava falando — Está inventando isso, Myrtle? O que aconteceu?
— E você acha que eu iria inventar coisas, moleque? – bradou Murta, ofendida — Foi aqui. No sexto ano. Malfoy estava triste. Então Potter entrou. Ele disse um feitiço horrível que o acertou. Draco ficou estirado no chão, sangrando. Estaria morte se aquele professor rabugento não tivesse o socorrido — o drama na voz de Murta só deixava a história mais trágica.
— Isso... eu não sei o que dizer – Scorpius olhou para Albus.
— Eu não sabia disso. E eu não sou igual a ele, Scorpius – respondeu Albus, só conseguia encarar o chão.
— Não, você não é – intrometeu-se Murta — Nem um de vocês é como o que eles foram. E se está triste por isso, Albus, não deveria.
Os dois meninos ficaram surpresos com as palavras de Murta. Ela deu mais uma pirueta no ar e se afastou, mergulhando em um dos boxes na frente. Os dois ficaram em silêncio por uns segundos, até que Scorpius resolveu quebra-lo.
— Acho que ela está certa. – Os dois se entreolharam. Albus com a gravata solta, Scorpius com o cabelo meio bagunçado. — Não temos que ser heróis ou rudes como eram e... principalmente... não temos que nos odiar.
— Me senti pequeno naquela aula. Eles continuam me comparando ao meu pai.
— E vão fazer isso por muito tempo, mas podemos mostrar quem nós somos também.
— É estranho se eu falar que... eu amo a gente? – Albus disse, um sorriso fraco saiu. Scorpius partiu para abraça-lo, mas por súbito momento, algo que nenhum dos dois entendeu aconteceu, e Albus encostou sua boca na de Scorpius com um selinho. Os dois se olharam assustados, sorriram constrangidos.
— Foi sem querer, eu juro. Desculpe – pediu Albus, ainda constrangido. Scorpius passou a mão no cabelo e olhou para o chão, respondendo com um "não foi nada". Os dois voltaram a se olhar, ainda com um rubor no rosto.
Passaram-se minutos.
— Não foi tão ruim, se quer saber – Scorpius afirmou timidamente.
— É... – concordou Albus, envergonhado.
Passaram-se mais minutos. Então, eles se olharam mais uma vez.
Albus colocou as mãos no rosto do amigo, o levantando um pouco. Eles ainda estavam sentados no chão. Os rostos se aproximaram lenta e delicadamente, Scorpius fechou os olhos e esperou. Albus respirou, seu coração bateu mais rápido. Então encostaram os lábios novamente, mas agora sabiam o que estavam fazendo. Ambos sentiram o sangue esquentar, o coração acelerar. Beijavam lentamente, como se o tempo estivesse parado. Albus ainda estava com as mãos no rosto de Scorpius quando pararam, um olhando profundamente nos olhos do outro.
— Vocês, garotos, definitivamente não se parecem em nada com seus pais – Murta voltara. E ela assistira tudo.
***