Capítulo especial: Ponto de vista de Melinda.
Melinda acordou meio confusa, mas quando viu Emma na cama lembrou de tudo. Suspirando e com mil pensamentos atravessando sua mente ela decidiu voltar para o seu quarto. Tentando ser discreta para não acordar Emma, ela catou suas peças íntimas da cama e vestiu seu robe, tendo cuidado ao fechar a porta quando saiu.
Melinda deu de cara com Marissa, que ficou parada a olhando sair sorrateira do quarto de Emma, segurando suas roupas íntimas na mão e com os cabelos todos bagunçados.
- Melinda? – Marissa sorriu baixinho.
Melinda fez uma caretinha quando se sentiu pega no flagra, mas correu nas pontas dos pés em direção à sua irmã, a puxando para seu quarto e fechando a porta.
- O que você fez? – Marissa não conseguia segurar o riso.
- Eu transei com a Emma.
- Você transou?!
Marissa deu mais uma risadinha e Melinda fez sinal de silêncio, chiando e a puxando até sua cama para conversar, como se tivesse cometido um crime, tipo matado alguém.
- Transei. Transei com a Emma. Marissa, eu transei com uma garota. Eu sou lésbica??? – Melinda ainda sussurrava.
- Mel... Esquece isso de lésbica, de hétero... Isso só vai te confundir mais. O que você está sentindo?
Melinda suspirou. Duas vezes.
- Eu não sei... Eu to tão confusa. Foi incrível, sabe? Ela fez... Ela... foi incrível. – ela sentiu suas bochechas esquentarem. – Mas... Eu to me sentindo péssima. Eu não quero machucar ela. E se eu não for lésbica? E se eu continuar ficando com ela e aí sentir falta de ficar com homens?! Eu não quero fazer isso. Acabaria com ela.
- Você tem que parar de se preocupar com todos esses rótulos. Quando você ta com um cara que você realmente gosta, você sente vontade de ficar com outros caras? Eu sei que você não é uma adepta do poliamor ou de relacionamento aberto como o meu, então quando você gosta de uma pessoa, essa pessoa basta.
Melinda passou as mãos no rosto, querendo chorar, mas segurando com todas as forças.
- Você gosta dela?
Mais um suspiro.
- Eu... gosto. Eu não sabia que gostava dessa forma, até hoje. Quando o Jacob me beijou mais cedo, eu só pensava nela! Eu morri de ciúmes quando vi você com ela, eu morria de ciúmes quando eu sabia que ela estava com outra pessoa, mas eu ignorava tudo isso e tentava me convencer de que era coisa da minha cabeça, que eu só estava confusa e continuei ficando com o Jacob... Meu Deus, o Jacob... Ele nunca iria me perdoar por isso.
Marissa olhou pra ela negando com a cabeça, como um sinal de reprovação.
- Quer um conselho? Faça o que você quiser. Quer ficar com a Emma? Fique. Quer ficar com o Jacob? Fique. Quer ficar com os dois? Fique. Vocês não são casados, se quer namoram, pelo amor de Deus. Deviam parar de complicar essas coisas e simplesmente fazer o que quiserem enquanto podem. A vida é curta.
- Marissa! Isso não seria justo com ninguém, as pessoas tem sentimentos sabia? Fazer isso seria egoísmo da minha parte.
- Se você não pensar em você, quem mais vai? No fundo todos precisamos ser egoístas.
Melinda respirou fundo quando percebeu que escolheu a pessoa errada para pedir conselhos. Marissa era tudo que ela não era, tinha conceitos totalmente diferentes dos dela, mas por um momento achou que ela lhe ajudaria de alguma forma e aliviaria sua cabeça. Pensou errado. Agora ela estava ainda mais confusa.
- Ai, deixa pra lá! Eu me resolvo sozinha, como sempre fiz.
- E vem dado certo pra você?
Melinda bufou e expulsou Marissa do seu quarto, do jeito delicado que só irmãs fazem. Marissa saiu rindo e falando:
- A vida é curta, Mel!
Fechando a porta Melinda deslizou até sentar no chão. Ela sinceramente não sabia o que pensar naquele momento. Ela tinha amado sim ter essa noite com Emma, tinha amado cada segundo que passou naquele quarto, mas não sabia se estava pronta para ter um relacionamento com ela. Ou com ninguém! Antes ela tinha que se decifrar e entender o que queria e o que sentia, para não piorar tudo em sua cabeça.
Naquele momento com Emma, naquela cama, ela tinha certeza do que queria. Queria Emma, queria mais dela, queria tudo que ela tem para oferecer. Mas o mundo não girava em torno daquela cama, infelizmente.
Melinda se organizou e foi dormir, com seus pensamentos a torturando a cada segundo até ela pegar no sono.
No outro dia ela acordou com a ajuda do despertador e deixou todas as suas coisas organizadas, eles teriam que sair em mais ou menos uma hora e foi exatamente o tempo que ela levou para se arrumar.
Três batidas na porta e Melinda sabia exatamente quem era antes de abrir. Jacob a abraçou e beijou sua cabeça.
- Está pronta?
- Sim e você?
- Também. Vou verificar a Emma.
- Ok... – Melinda sentiu seu coração acelerar só de ouvir o nome dela.
Melinda foi para o hall de entrada e quando viu Emma chegar sentiu seu coração acelerar tanto que doeu, mas Emma estava estranhamente lhe evitando, ela se quer olhava para Melinda por mais de um segundo e isso a incomodou, mas não tinha o que fazer.
Depois de todo mundo se despedir de seus pais e de Marissa, eles foram para o carro e a viagem começou. Por uma ironia do destino Melinda estava sentada entre Jacob e Emma. Jacob cochilava e apoiava o braço por cima de seus ombros e Emma estava quase atravessando a porta do carro de tão contraída que estava, com seus fones de ouvido.
Melinda a observou detalhadamente. Emma tinha traços lindos mesmo estando com esse humor. Sem pensar direito, Melinda desceu sua mão e encontrou a de Emma disfarçadamente, acariciando com o dedo mindinho. Emma rapidamente afastou sua mão, evitando o contato e isso fez o coração de Melinda doer mais um pouquinho e seus olhos encherem de lágrimas. Com um longo suspiro ela se controlou para não incomodar mais Emma e para segurar suas lágrimas todo o caminho até o aeroporto.
A viagem de volta pareceu ser bem mais longa do que a de ida. Emma ficou afastada todo o tempo, dormindo, dizendo estar com enxaqueca ou algo do tipo. Melinda dava o seu melhor para não demonstrar a Jacob como estava realmente se sentindo, mas não conseguia disfarçar totalmente. Deu uma desculpa de que estava de tpm e ele não lhe incomodou com mais nenhuma pergunta desse tipo a viagem inteira.
Quando chegaram, Jacob praticamente correu para resolver algumas de suas coisas de trabalho que Melinda realmente não entendia o que era, mas reuniões eram constantes. Melinda e Emma voltaram para seu apartamento e o clima não poderia estar mais estranho. Quando chegaram no quarto Melinda tentou conversar com Emma e aliviar toda essa tensão.
- Emma, vamos conversar.
- Não precisa. – Emma jogou sua mochila em cima da cama e enquanto a abria e tirava suas coisas, se quer virou para Melinda. – Não precisa se preocupar, Melinda. Só vamos fingir que nada daquilo aconteceu, eu não vou atrapalhar sua vida. Só preciso de um tempo e aí tudo volta ao normal.
- Você acha mesmo que vamos voltar ao normal um dia?
- Eu não sei. – Emma suspirou. – Mas vou fazer de tudo para que sim.
- Eu só... Estou tão confusa.
Emma se virou e a olhou.
- Melinda, não se preocupe com nada disso. De verdade. Você não tem com o que ficar confusa. – Emma voltou a dar atenção a sua mochila. – Isso nunca daria certo, foi um erro.
Melinda se calou engolindo o choro. "Foi um erro". Aquilo realmente a machucou. Saindo do quarto para que Emma não a visse chorando, ela foi para o banheiro e desabou. Chorou tudo que tinha para chorar. Abriu seu peito e deixou com que doesse, com que sentisse, chorou por vários minutos até ficar com os olhos inchados. Ela iria aproveitar esse momento de choro e de tristeza e se entregaria totalmente, porque depois que saísse daquele banheiro ela não derramaria mais nenhuma lágrima e faria como Emma tinha falado: fingiria que nada daquilo aconteceu.
............................
Três semanas se passaram. Os primeiros dias haviam sido muito difíceis. Melinda e Emma raramente se falavam e se olhavam, mas com o passar do tempo as coisas foram ficando mais fáceis. Elas ainda não tinham a amizade de antes, mas estavam caminhando lentamente. Melinda não podia dizer que tinha superado completamente o que tinha acontecido, seria uma grande mentira, mas estava mais cicatrizada.
Ela focou sua atenção em Jacob, que sempre estava ali por ela. O que mais ela poderia querer? Jacob era um homem atencioso, carinhoso, fazia ela se sentir como o centro do universo, demonstrava sem pensar duas vezes tudo o que sentia e além de tudo era tão lindo que chamava atenção. Um pacote completo, não é?
Melinda estava deitada nua na cama de Jacob num sábado à noite. Eles haviam acabado de transar e ela não tinha do que reclamar.
- O que acha de sair pra beber um pouco? – perguntou Jacob enquanto ia para o banheiro.
Sim, Melinda estava precisando respirar um pouco.
- Perfeito. Hoje vai rolar uma festa legal no The Pub.
- Eu fiquei sabendo! – Jacob voltou para o quarto. – A festa do beijo, quem está disponível usa o colar verde e quem não está usa o colar vermelho. – Ele sorriu. – O que acha de nós dois usarmos o vermelho hoje?
Melinda sorriu de volta, não tinha como dizer não para ele.
- Acho que devemos sim usar o vermelho.
- Ah é?
- É...
Jacob riu e se jogou na cama, a agarrando e a enchendo de beijos por todo o rosto. Melinda riu enquanto recebia todo aquele carinho.
- Vou me arrumar e saímos, ok? Vou tentar não levar uma hora.
Jacob riu alto.
- Não me iluda, sei que é impossível. Mas te espero. – ele a beijou carinhosamente.
Mais tarde naquela noite eles estavam na festa. Havia mais gente que o normal, mas ainda era um bom lugar para se passar o tempo. As músicas eram animadas e Melinda e Jacob que estavam usando o colar vermelho que ascendia no escuro, começaram a beber, animados.
Algum tempo depois Melinda começou a sentir a bebida fazer efeito e lhe animando ainda mais. Ela estava precisando se divertir daquele jeito. Ela dançava animada com Jacob na pista de dança até que uma cena fez seu coração quase parar.
Emma estava do outro lado da pista com Serena. Elas estavam com o colar verde então não estavam... Melinda as viu se beijarem intensamente enquanto dançavam, tirando as dúvidas dela.
Ela respirou fundo e disse a Jacob que precisava descansar um pouco, então voltaram para o bar, onde continuaram a beber. Melinda pegou um pouco mais pesado a partir daí. Já estava na sua segunda garrafa de alguma bebida doce que ela nem sentia mais o gosto do álcool. Quando ela se levantou para ir ao banheiro percebeu que estava mais bêbada do que o esperado, mas conseguia andar, então pediu para Jacob esperar.
Melinda usou o banheiro com certa dificuldade, se controlando para não tombar para o lado se segurando na parede. Quando saiu ela ainda teve a consciência de lavar as mãos e o silêncio ali dentro estava quase ensurdecedor.
Se olhando no espelho ela limpou ou pelo menos tentou limpar o que tinha de borrado em sua maquiagem, mesmo sentindo tudo girando. Merda, ela devia ter bebido menos. Arrumando seus longos cabelos ela tentou se recompor, ficando reta e fazendo um carão para seu reflexo no espelho.
Quando ela se virou para sair, teve que se segurar na parede. Alguém entrou no banheiro.
- Você está bem?
Melinda olhou pra cima e viu Emma. Seu coração acelerou tanto que a deixou enjoada.
- Merda. – murmurou ela. – Estou bem.
- Não parece.
- Eu estou bem! – Melinda tentou gritar, mas nem energia para isso tinha.
Voltando a se concentrar em manter seus pés firmes, ela tentou andar novamente para a porta do banheiro, precisava sair dali. Mas mais uma vez falhou, cambaleando e quase caindo. Emma a segurou.
- Vamos, eu vou te levar. Você não está bem.
- O Jacob está me esperando.
- Vamos achá-lo.
Emma andou guiando Melinda pelo caminho até encontrar Jacob.
- Ela está muito bêbada, precisa ir embora! – falou Emma por cima do barulho da música.
Jacob acabou concordando porque tudo ficou bem confuso, mas algum tempo depois ela estava no dormitório.
- Você cuida dela? – Melinda ouviu a voz de Jacob. – Eu estou tão bêbado quanto ela, irmão, só iria atrapalhar.
- Tranquilo, eu estou bem, eu cuido dela.
Com certa dificuldade Emma levou Melinda para sua cama e a deitou. Tudo estava girando descontroladamente, mas Melinda tinha alguns poucos momentos de consciência. Ela viu Emma tirar os sapatos de salto de seus pés e os colocar de volta na cama.
- Estou com frio. – Melinda disse em um desses picos de consciência.
- Ok, tudo bem. – Emma pegou um quente edredom e a cobriu.
Melinda a puxou para a cama antes que Emma pudesse se afastar.
- Fica.
Emma suspirou, mas obedeceu. Se deitando na cama com ela, que entrelaçou suas pernas nas dela e a abraçou forte. Melinda enfiou o rosto no pescoço de Emma e respirou fundo, inalando seu cheiro e pensando que aquilo lhe trazia uma paz momentânea.
- Essa distância... Está me machucando. – Melinda pensou que estava pensando em voz alta, mas na verdade estava falando.
Emma não respondeu, mas talvez fosse melhor. Ela estava agindo sem pensar, a bebida trazendo à tona um lado seu que ela lutou com tanta força para deixar guardado.
Quando Emma a abraçou, Melinda a apertou com mais força, querendo morar naquele abraço. Antes de adormecer, Melinda sentiu algumas lágrimas esquentarem seu rosto, mas ela estava exausta demais até para chorar.