De Volta ao Santa Luz (romanc...

By NatanCaetano

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🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 NA CATEGORIA ROMANCE! 🥇 Se você pudesse voltar no tempo, você faria tudo de novo... More

⚠️🚨 AVISO AOS NAVEGANTES! 🚨⚠️
Capítulo 1: O Reencontro 🦋
Capítulo 2: A Viagem 🦋
Capítulo 3: O Novato 🦋
Capítulo 4: A Ascensão
Capítulo 5: O Crime
Capítulo 6: O Castigo
Capítulo 7: O Troco
Capítulo 8: O Covil 🦋
Capítulo 9: O Abate
Capítulo 10: O Cordeiro
Capítulo 12: O Terno
Capítulo 13: A Promessa
Capítulo 14: O Fogo
Capítulo 15: A Festa
Capítulo 16: As Guerras 🦋
Capítulo 17: O Tempo
Capítulo 18: O Reencontro 🦋
Capítulo 19: O Café [antepenúltimo!]
Capítulo 20: As Verdades [penúltimo!]
Capítulo 21: O Amanhã
💖 Comentários, agradecimentos e explicações

Capítulo 11: A Chuva

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By NatanCaetano

Os dias que seguiram foram de pouco contato até o final das férias. Fernando soube que Giovani foi passar uns dias na casa da mãe, que ele e Rodrigo finalmente conseguiram se encontrar e sair e passar algum tempo juntos como antigamente, e Laura veio comentar que estava surpresa com a forma como a relação do irmão com Giovani havia evoluído. Talvez ela também estivesse encenando, como Giovani sempre estava, mas ela parecia mais convencida de que, de toda a confusão que envolveu os dois, meses atrás, as coisas haviam feito uma curva inesperada e acabado em uma amizade estranha entre eles.

Depois voltaram as aulas, e, quando voltaram, todos pareciam estar de um humor extraordinário. Os rituais matinais se mantinham mais ou menos os mesmos: Laura encontrava Rodrigo na hora da chegada; quando Giovani estava por perto, Fernando ia falar com ele para saber quais eram os planos para o dia, ou para passar pelo que Giovani chamava de inspeção, que consistia em pegar o celular de Fernando para garantir que ele não havia aberto a boca e revelado o segredo a ninguém... E ele nunca encontrava nada, porque Fernando era mais esperto, e também porque, àquela altura, tanto ele já não tinha mais o que falar para os amigos quanto Giovani já nem estava mais tão interessado na integridade do segredo; ele só passava os olhos pelas pastas e mensagens para dar a impressão de que estava no comando e não tinha se esquecido de nenhuma ameaça, independentemente do que acontecesse entre eles na intimidade.

A mudança mais chamativa se deu em Lorenzo, que voltou das férias em uma versão muito mais moderada, semelhante à versão que colocou em ação na época do plano para flagrar Fernando no banheiro e tirar a foto incriminadora. Não ficava mais colado em Giovani o tempo inteiro como fazia semanas antes, passou um ou outro dia sem aparecer no refeitório, até chegou a desmarcar um dos encontros vespertinos em sua casa, o QG definido arbitrariamente por Giovani, que também notou a diferença no comportamento.

— Você não tá achando o Lorenzo diferente, Rodrigo? — ele perguntou um dia, quando almoçavam sem o garoto no refeitório.

— Aham. Acho que ele tá ficando com a Helô, vi os dois juntos esses dias conversando na entrada, cheio de risadinha e pah.

— A Helô não é amiga da sua irmã, fru?

— Não sei, não conheço de nome.

— Vou procurar saber disso aí — Rodrigo disse.

Fernando também fez sua parte. Conversando com Laura, descobriu que a tal Helô não só era amiga da irmã, mas também era a garota de quem Lorenzo tinha ficado no pé a noite toda na festa de Maitê, e isso explicava muito. O que ainda não se explicava tão bem era como ele conseguiu essa proeza depois de ter sido tão desprezado; mas isso era tarefa para Giovani, e Fernando não pretendia se meter.

Na verdade, não foi preciso se meter. Após ser visto publicamente com a garota no colégio, Lorenzo admitiu que eles estavam conversando com mais frequência e tinham se beijado uma vez, e que agora ele estava sendo cauteloso para não estragar o que conquistara a tanto custo. Nada disso foi dito na presença de Fernando, porém, pois Lorenzo sabia que ele faria perguntas e essas perguntas levariam a respostas que ele não queria dar. Mas também não foi preciso se esforçar para consegui-las: Giovani tratou de explanar os fatos.

Estavam a sós na casa dele outra vez; Lorenzo estava para chegar. Iam estudar para um exame interdisciplinar e trocaram o ponto de encontro para a casa de Giovani desta vez. Antes da chegada dele, Giovani falava, também tentando não demonstrar a verdadeira dimensão de seu entusiasmo, sobre como havia sentido falta de Rodrigo. Falava do jeito dele, como se tivesse sentido mais falta da companhia de Rodrigo do que de Rodrigo, para não perder a pose de durão, mesmo Fernando sabendo o que ele queria dizer de fato. A palavra saudade não foi mencionada, tampouco sentir falta; ele só dizia coisas como "Fazia tempo que", ou "Foi bom demais quando", ou ainda "O Rodrigo é foda", e fazia essas manobras retóricas pelo mesmo motivo de Lorenzo:

— Você sabe que isso é tudo culpa sua, né? — Giovani disse ao acabar de discursar nebulosamente sobre seus sentimentos.

— Culpa de quê?

— O Rodrigo ter voltado a falar comigo, o Lorenzo estar saindo com essa menina... Ele me disse que vocês conversaram na festa, que você deu umas dicas pra ele e tal. Você não me contou isso.

— Hm, eu não diria que "dei dicas"; eu só sugeri que ele deixasse a Helô de lado um pouco, que, se ela 'tivesse mesmo a fim, uma hora ela viria falar com ele.

— E pelo visto funcionou. E agora ele te adora.

— Me adora? — Fernando franziu o cenho e encolheu as sobrancelhas.

— É. Disse ele—em segredo, claro, ele nem sonha que eu tô te contando isso e ele também nunca admitiria—; disse ele que, se não fosse você, ele não teria conseguido ficar com ela nunca.

— Eu não acho. Eu posso ter dado um empurrãozinho, mas...

— Bobagem. O Lorenzo sempre foi péssimo com as meninas, ele tava precisando de umas aulas. Mas ele te adora há muito tempo, desde aquele trabalho de Biologia que você fez pra ele. Ele já até me falou pra jogar aquela foto fora e te deixar em paz, acredita?

Enquanto essa parte da conversa acontecia, ele chegou. Tocou a campainha duas vezes, como sempre fazia, e esperou Giovani, que sinalizou para que Fernando encerrasse o assunto, ir recebê-lo. Estava com a mochila escolar nas costas, cabelo penteado, sorrindo, ainda mais lindo agora que estava todo todo. Quando viu Fernando, tentou vestir a máscara de bad boy, mas não durou muito: era difícil fingir detestar o responsável por sua alegria. Cumprimentou-o com um aperto de mão, coisa que nunca fazia. Essa era sua maneira de demonstrar afeto e gratidão, decerto.

A verdade era que Fernando já estava afeiçoado àqueles dois, e agora a ideia de que um dia a chantagem acabaria trazia certa apreensão, porque... o que viria depois? Se, por qualquer motivo, Giovani deixasse para lá a ideia de tirar Fernando do armário para os pais, os três perderiam o estranho vínculo que construíram, pois o vínculo era essencialmente a chantagem, o testemunho, o segredo. Quando isso acabasse, todo o resto acabaria junto. As tardes de estudo, as conversas absurdas entre Lorenzo e Giovani, as investidas sexuais misteriosas de Giovani... Tudo a perder; tudo a ponto de Fernando não saber ao certo se queria que a chantagem não existisse mais.

— Já comeu ela? — Giovani perguntou, quando já tinha cansado de estudar e voltado às suas palavras cruzadas.

— Não... Mas acho que vai rolar, cara.

— Ih, vai perder o cabacinho...! — o amigo cantarolou. — Você é virgem, fru?

Pareceu que todos os olhos do mundo se viraram para Fernando, que não esperava que o assunto fosse se voltar contra si. Tanto Giovani quanto Lorenzo pararam o que estavam fazendo para ouvir a resposta.

— ...Sou.

Os dois pares de sobrancelhas se ergueram, como se esperassem tudo de Fernando, menos que ele fosse virgem.

Lorenzo não disse nada, apenas desfez o olhar e continuou anotando o que estava anotando. Giovani, porém, demorou alguns segundos analisando Fernando, sorrindo de lado, maquinando.

— Quando? — dirigindo-se a Lorenzo, voltando ao assunto anterior.

— Não sei. A gente só ficou desse jeito uma vez, né, mas... o negócio foi intenso.

— Teve mão boba?

— Teve... Minha e dela.

— Dá-lhe, Lorenzete! — Giovani atirou uma bolinha de papel do sofá, mas errou a mira e acabou derrubando um copo vazio sobre a mesa. — Já agradeceu o Fê?

— Agradecer por quê?

— Porque se não fosse por ele você não ia ter pegado nos peitinho da Helô.

Lorenzo ficou vermelho feito um tomate. Os comentários de Giovani... Sempre pontualmente desnecessários.

— Não tem nada pra agradecer — Fernando interveio antes que Lorenzo respondesse ou Giovani causasse mais embaraço. — Eu não fiz nada.

— Fez sim e você sabe disso, fru, o Lorenzo te deve uma. Vai: "Sinônimo de unir", quatro letras, a segunda é T.

— Atar...

— O Giovani tem razão. Valeu aí pela força, Fernando.

Ainda causava estranhamento a versão bom-moço de Lorenzo, que por vezes parecia estar aprendendo esse novo lado de si mesmo. Se a mesma conversa tivesse acontecido semanas antes, ele jamais teria sonhado em agradecer Fernando "pela força", ainda mais na frente de Giovani.

As coisas aconteciam em certa ordem canônica quando os três se juntavam para estudar à tarde na casa de quem quer que fosse. Primeiro conversavam sobre assuntos adolescentes enquanto se organizavam para decidir o que estudar e por quanto tempo, depois decidiam o que iam fazer quando acabassem, depois perdiam minutos incontáveis divididos entre o tédio do estudo e a pergunta ontológica "O que o Fernando vai fazer pra gente comer?", depois estudavam de fato e, por fim, quando se cansavam ou a matéria acabava, iam jogar vídeo game na sala, geralmente quando já estava na hora de os pais voltarem para casa.

Luiz, pai de Giovani, era praticamente o quarto elemento do grupo. Sempre estava por perto, na sala ou na cozinha, ou até mesmo sentado no sofá assistindo os meninos jogarem. Não gostava de jogar, mas gostava de assistir e palpitar, especialmente em jogos que exigiam raciocínio ou resolução de quebra-cabeças. Fernando não sabia exatamente qual era a dele. Luiz devia ter seus quase quarenta anos; era um tiozão bonito. Falava bastante, mas revelava pouco. Uma das únicas coisas que Fernando sabia era que ele namorava uma dentista, a quem se referia carinhosamente como minha doutora, e que tinha uma profissão curiosa, que o garoto só descobriu por acaso quando Giovani, não tão por acaso, falou algo que deixou claro para o pai que Fernando era gay e isso não gerou nenhuma repercussão. Ih, fru, relaxa, Giovani disse, meu pai adora viado. Foi então que ele disse que Luiz era empresário de um dos maiores cantores do país, cuja homossexualidade era pública e notória, e isso explicava Luiz quase todo, incluindo o senso de humor e as respostas ácidas pontuais, quase naturalmente gays, com que ele às vezes aparecia.

Passaram a tarde quase toda estudando. Giovani também logo cansou das palavras cruzadas e foi assistir TV. Fernando acabou fazendo um bolo de cenoura que todos comeram juntos—até Luiz, que foi o último a chegar. Este era sempre o primeiro a elogiar profusamente os dotes culinários do garoto, que já nem ligava mais para o fato de sempre ficar com a função de cozinheiro oficial: no final das contas, era uma massagem bem reconfortante para o ego.

Escureceu cedo. O tempo esteve fechado o dia inteiro, e nenhuma conversa trivial sobre o clima conseguiu definir se choveria ou não. Jogando Need For Speed com Fernando enquanto Giovani mexia no celular, Lorenzo disse:

— Vou capotar aqui hoje, pode?

— Pode. Você podia ficar também, fru.

— Não, já tá ficando tarde, daqui a pouco eu vou indo.

— Não vai, não — Giovani retrucou de forma brusca e assertiva, como se se lembrasse de que era dele o voto soberano. — Vai dormir aqui com a gente, que eu tô mandando.

— Giovani, eu já falei que não gosto de dormir fora de casa...

— E eu já falei que quem manda aqui sou eu.

— Mas eu nem tomei banho, preciso escovar os dentes...

— Aqui tem banheiro.

Estava decidido antes mesmo de o argumento começar. Restou a Fernando suspirar e avisar os pais que só voltaria no dia seguinte.

Apesar dos pesares, a casa de Giovani era um lugar agradável, onde Fernando se sentia confortável mesmo na presença do pai, que tratava os meninos como iguais, feito adultos. Sabia da vida do filho, entendia que nem todas as conversas precisavam da presença ou da opinião dele, tinha um timing quase profissional para fazer seus comentários sagazes e nunca os aborrecia com qualquer inconveniência. Era sempre o último a chegar e o primeiro a se recolher, porque dormia cedo, acordava cedo e gostava de deixar os meninos à vontade para tratarem de seus assuntos particulares. Por volta das nove e meia da noite, já se encontrava deitado no quarto.

Os mais novos estavam na sala assistindo filme quando começou a chover; todos jantados e de banho tomado, Lorenzo deitado em um sofá, Giovani deitado com as pernas sobre o colo de Fernando em outro. O que começou como um chuvisco logo se intensificou para uma chuva moderada e insistente, que despertou a atenção de Fernando e o fez procurar as janelas da sala com os olhos para vigiar o que acontecia lá fora. Sua bicicleta estava a salvo, guardada na garagem, mas, em sua mente, sempre que começava a chover mais forte, surgia uma sensação estranha e incômoda, um mal-estar que não se justificava. Para com essa perna, fru!, Giovani disse, sentindo o joelho de Fernando subir e descer conforme ele batia o calcanhar no chão nervosamente. Fernando se desculpou e tentou se controlar, mas era difícil, e ficou ainda mais difícil quando surgiram os raios e trovões, que pareciam anunciar uma catástrofe bíblica. Que foi? Tá com medo da chuva?, Giovani perguntou, mas não recebeu resposta, pois Fernando sabia que aquilo se voltaria contra ele em forma de zombaria se ele admitisse. Mas era uma luta esconder a verdade quando a cada explosão de som Fernando se abaixava como se o raio pudesse atingi-lo mesmo dentro da casa.

— Onde cê vai dormir, Lô?

— Aqui mesmo. — Lorenzo sempre dormia no sofá em que estava deitado assistindo ao filme, mesmo que o quarto de hóspedes tivesse duas camas de solteiro livres.

— Quer dormir comigo, fru?

— Não, eu vou ficar no quarto de hóspedes.

Fernando teve a impressão de que Lorenzo sabia das intimidades entre ele e Giovani, uma vez que Lorenzo, que nunca deixava passar uma oportunidade de zombar do amigo, não fez nenhuma observação a respeito de os dois dormirem juntos.

Ao final do filme, começaram a se organizar para dormir. Enquanto Giovani buscava travesseiros e um edredom para Lorenzo, aconteceu o que Fernando mais temia: acabou a luz. A casa inteira mergulhou em trevas e só se ouvia o barulho da chuva e o ecoar furioso dos trovões. Ahh, meu caralho!, Giovani exclamou do quarto. Lorenzo perguntou onde tinha velas para acender, Luiz logo apareceu com uma lanterna para ajudar os garotos e Fernando passou uns bons segundos completamente paralisado. Sua mente entrou em pane, desligou sua capacidade motora e só a ativou outra vez quando Luiz apareceu com a luz.

Voltou à realidade em um estalo, quando Giovani perguntou pela segunda vez se estava tudo bem. Sim, estava, Fernando respondeu, tentando voltar a agir com naturalidade e ignorar que o mundo parecia se acabar em água e vento lá fora. O coração batia acelerado e um estado de ansiedade generalizada parecia querer tomar conta enquanto os quatro iam de lá para cá atrás de velas, fósforo e travesseiros. Enquanto acompanhava os demais na tarefa de organizar os dormitórios, Fernando travava uma luta árdua contra si mesmo para não deixar transparecer seu pânico.

O quarto de hóspedes era todo dele. Duas camas de solteiro separadas por uma mesinha, uma poltrona de linho, uma cômoda, uma pintura abstrata pendurada na parede e nada mais. A vela ficou acesa sobre o móvel, perto do abajur apagado. Giovani segurava a lanterna enquanto o pai ajeitava a cama para o visitante. Agora estava tudo feito: cada um seguiria para os seus respectivos aposentos e dormiria uma noite tranquila enquanto Fernando passaria horas e horas acordado, alerta, até a chuva ir embora e deixá-lo dormir em paz.

Todos disseram seus boa-noites e saíram de cena, e então se fez o silêncio que deixou por conta da natureza todos os sons que preencheram a casa. Os pingos de água batiam contra a janela com uma força que parecia capaz de quebrá-las. O vento uivando e as folhas das árvores farfalhando soavam como a primeira trombeta do apocalipse. O medo e a insegurança eram tamanhos que Fernando se preocupava até com os pais e a irmã, que estavam sãos e salvos dentro de casa, assim como ele. E se cair uma árvore em cima da minha casa e eles morrerem enquanto eu estou aqui?, ele pensava, mesmo não morando perto de árvores capazes de causar um estrago daquela dimensão.

A chama da vela ardia solitária, iluminando só o suficiente para deixar saber onde pisar caso precisasse sair do quarto. A vela estava pela metade; já havia sido queimada antes, e isso significava que ela não duraria mais que uma hora e meia acesa, e essa foi outra preocupação que tomou conta de Fernando em dois tempos. Essa chuva tem que parar antes dessa vela apagar, ele pensou; mas, naquela noite, parecia que todas as comportas do céu haviam se aberto e não tinha quem fechasse. A intensidade da água caindo aumentava e diminuía, mas nunca cessava, assim como os clarões que se viam pela janela e os rugidos distantes a cada quinze, vinte segundos.

Os ponteiros demoraram uma eternidade para fazer uma volta completa no relógio. Uma hora de chuva e Fernando ainda alerta, o coração ainda batendo pesado dentro do peito, a vela agora do tamanho de um dedo mindinho. Fernando rezava, rezava, rezava, mas Deus não conseguia acalmar seu sofrimento—ao menos não da forma como ele esperava. Só depois de mais de uma hora de agonia é que lhe ocorreu que ele estava dormindo sozinho naquele cômodo por vontade própria, que Giovani o chamou para dormir com ele.

Assim que o pensamento se formou na cabeça, Fernando pulou da cama. Não trouxe nem a vela: só pegou um travesseiro e seguiu, pé por pé, em direção ao quarto do outro, que ficava a poucos passos de distância. A porta estava entreaberta; a luz da vela de Giovani também se apagaria logo, mas ele, deitado de bruços com o rosto virado para lá, parecia repousar tranquilo, sem nenhuma das preocupações de Fernando.

O rangido da madeira não o acordou, pois ele não estava dormindo. Ao ouvir o som dos passos de Fernando se aproximando, Giovani olhou por cima dos ombros para ver quem entrava em seu quarto. Identificou o garoto e não disse nada, apenas se afastou do meio da cama e puxou o edredom para que ele se achegasse.

Naquele momento Fernando amou Giovani profundamente. Quis abraçá-lo e agradecê-lo e enchê-lo de beijos, mas apenas se acomodou sobre a cama com o máximo de cuidado para causar o mínimo de perturbação ao descanso de Giovani. Quando a cabeça repousou sobre o travesseiro macio, Fernando fechou os olhos e respirou tão fundo que seus pulmões até chiaram. Um peso mórbido saiu de seus ombros e seu espírito se encheu de uma paz plena, e da sensação de que agora, sim, tudo ficaria bem.

Estavam de costas um para o outro quando Fernando chegou, seus corpos a uma distância onde caberia uma terceira pessoa entre eles. Quando acordou no meio da madrugada, estava abraçado a Giovani, com a cabeça encostada nas costas nuas dele, fechando a conchinha. Era madrugada e o despertar durou menos de um minuto; Fernando mal se deu conta do que estava acontecendo, só fez se encaixar melhor nas curvas do corpo do garoto, fechar os olhos e voltar para o mundo dos sonhos. Da segunda vez, o que o acordou foi a luz do dia, que ultrapassou a barreira das cortinas apenas o suficiente para anunciar que a tempestade já acabara e o sol estava no céu outra vez.

Agora o braço direito de Fernando repousava sobre a barriga de Giovani; suas pernas direitas também uma sobre a outra. Quando sua consciência firmou e Fernando se lembrou da noite anterior e de onde estava, sua primeira reação foi se afastar de Giovani, pois, junto dessa consciência, veio a lembrança de que a única vez em que se deitaram juntos Giovani estava de ressaca, encarnado em outra versão de si mesmo. Sem saber que Giovani era aquele que estava ao seu lado agora, Fernando julgou que o melhor era não tomar liberdades.

Com o cuidado de tentar não acordá-lo, ele tirou o braço e a perna de cima de Giovani e se virou para o outro lado, dando-lhe as costas mais uma vez. Instantes depois, a resposta veio. Giovani se espreguiçou sem abrir os braços, esticando as pernas, o tronco e o pescoço. Aproximou-se de Fernando e o envolveu pela cintura, deixando um beijo em sua nuca: era sua forma de dizer bom dia e de avisar que ele não precisava sair de perto. Tomado pela preguiça matinal, livre da obrigação de fingir que ainda estava dormindo, Fernando se virou, ficando de frente com Giovani, que ainda tinha os olhos fechados; recolheu os braços e levou uma mão ao rosto sereno do garoto, acariciando-lhe a bochecha languidamente com o polegar, agora também de olhos fechados: era sua forma de dizer bom dia.

As pernas se encontraram novamente. Envoltos pelo conforto do colchão, dos travesseiros, do edredom, sentiam manifestar-se um impulso de ternura quase instintivo. Giovani passou o braço por debaixo do pescoço de Fernando para que ele deitasse a cabeça em seu ombro. A mão que estava no rosto de Giovani pousou sobre o peito dele e logo uma mão estava sobre a outra. A perna esquerda de Giovani, dobrada sobre o colchão, balançava de um lado para o outro; sua mão direita acariciando os cabelos macios de Fernando com as pontas dos dedos.

Permaneceram assim, imersos em silêncio, acompanhados do cantar dos pássaros, de olhos fechados, compartilhando aquele afeto estranho, sem-nome e escorregadio, fruto da doçura matinal que certamente se esvairia assim que eles se levantassem. Permaneceram assim até Giovani quebrar o ritmo de sua respiração com um suspiro. O estufar e esvaziar de seu peito veio junto de uma aceleração súbita de seu coração, que Fernando sentiu sem comentar. A mão de Giovani estava sobre a dele, e num movimento delicado o primeiro a tomou pelo pulso, o que deixou Fernando um pouco mais atento. Giovani abaixou a perna outra vez, e foi esse gesto que distraiu o outro do fato de que sua mão estava sendo guiada para aquela direção.

Fernando encontrou Giovani duro feito pedra entre as pernas. As mãos dos dois postas sobre a ereção; a de Giovani por cima, a de Fernando por baixo, sentindo o algodão macio do short com que ele dormiu. Agora foram o coração e o fôlego de Fernando que saíram da conformidade, pois ele sabia o que viria a seguir.

Primeiro ele tocou o contorno do pênis de Giovani por cima do tecido e ouviu um arfar quando o apertou entre o polegar e as pontas dos outros quatro dedos, bem como um leve puxão em seus cabelos. Isso bastou para colocar os ânimos de Fernando no mesmo estado. As coxas roçaram uma contra a outra, as mãos logo se tornaram menos castas: as de Giovani se prontificaram a abaixar o short e jogá-lo para longe, deixando-o só de cueca; a de Fernando explorou o torso do garoto antes de encontrar seu caminho para dentro da cueca, onde agarrou o pau pulsante de Giovani em carne. Era quente, se encaixava na mão como se fosse feito para estar ali. Fernando se apoiou sobre um cotovelo para ter maior visibilidade do que fazia; Giovani fez o mesmo. Seus olhares se encontraram por um segundo, e, no de Giovani, Fernando buscou resposta para uma pergunta que ele não saberia formular; mas não encontrou. Giovani tampouco tinha respostas, só queria que Fernando continuasse fazendo exatamente o que fazia.

A cueca logo se perdeu entre os lençóis. Fernando agora tinha o esplendor da nudez de Giovani inteiro para si. Enquanto o masturbava com leveza e agilidade, registrando com mão hábil cada centímetro daquele membro, beijava e sorvia com cuidado o pescoço, os ombros, o peito, a pele macia do garoto, que se preparava para o próximo ato, que nem precisou ser sugerido ou anunciado, pois Fernando sabia o que fazer desde o princípio.

Giovani não cabia inteiro em sua boca, mas isso não o impediu de tentar e de fazer o melhor que pôde. Ávido, intenso, Fernando o chupou como se aquele momento fosse um delírio do qual ele logo despertaria. Segurando-o pela base, hora ou outra manipulando as bolas lisas e roliças do garoto, Fernando mergulhava fundo naquele mar de sensações. De olhos fechados, sentidos à flor da pele, engolia-o o devolvia-o como se o esculpisse com os lábios. Beijava-o em adoração; mordiscava o prepúcio, lambia cada dobra, cada detalhe. Podia jurar que não queria nada além de se afogar em Giovani quando ele anunciou em um sussurro:

— Eu vou gozar, Fernando...!

O aviso veio por gentileza, mas foi rápido demais para reagir a tempo. Os primeiros jatos encheram a boca de Fernando com urgência; os últimos caíram sobre o púbis sem pelos de Giovani, que tentou se afastar para evitar que acontecesse o que aconteceu. Os olhares agitados se cruzaram e havia uma preocupação mútua em ambos. Cospe aqui, Giovani disse e se virou para pegar a xícara de café que usou para segurar a vela agora extinta na noite anterior. Mais uma vez, não deu tempo. Fernando só balançou a cabeça para indicar que não seria necessário. O sêmen tinha uma consistência pastosa e pegajosa, mas a temperatura era agradável. O gosto em si não era necessariamente bom, mas vinha de Giovani.

Sentaram-se na cama. Giovani devolveu a xícara inutilizada à mesinha e esfregou os olhos. Procurou a cueca para se vestir sem tentar esconder sua nudez enquanto o fazia. Sem encontrá-la de imediato, abandonou a ideia; levantou-se e, descalço, foi até o banheiro da suíte, entrando sem fechar a porta. Começou a murmurar uma música qualquer enquanto escovava os dentes. Fernando continuou sentado no colchão. Também não sentia vergonha, mas sentia alguma coisa. Não sabia o que fazer, para onde olhar, se devia ficar onde estava ou sair de cena. Olhou para todos os cantos do quarto esperando que alguma voz divina o guiasse, mas não encontrou nada além dos pôsteres, dos livros na prateleira, da cueca perdida jogada ao pé da cama, da porta do guarda-roupa entreaberta, do cheiro da pele de Giovani impregnado em cada molécula de oxigênio que respirava... Ei, vem aqui, ele chamou de dentro do banheiro, e Fernando foi.

Giovani encheu a boca com uma tampinha de enxaguante bucal e entregou a embalagem para que Fernando fizesse o mesmo, sabendo que ele não tinha tido a chance de trazer sua escova de dentes no dia anterior. Fernando agradeceu e encheu a boca. Estavam frente a frente de novo. Olharam-se no fundo dos olhos enquanto bochechavam. Sem dizer nada, disseram muito. Fernando cuspiu primeiro, depois Giovani. Bora tomar banho, ele disse, entrando no box.

Em três passos, estavam dentro do cubículo, protegidos pela intimidade das portas fechadas. Giovani abriu a torneira e regulou a temperatura para que ela ficasse agradavelmente quente. Molhou-se da cabeça aos pés, jogando os cabelos para trás com as duas mãos, esfregando o rosto, buscando o xampu no organizador. Pegou o sabonete e deu espaço para que Fernando se molhasse. Era a primeira vez que ficava completamente nu na frente de Giovani, e isso o fez se sentir observado, medido, avaliado. Mas não envergonhado. Giovani podia ser fisicamente imponente para um garoto de sua idade, mas isso não atingia Fernando. Mesmo com aqueles olhos analíticos sobre si, ele sabia que Giovani não era melhor que ele.

Giovani parecia perceber isso. E gostar. Sentia-se desafiado, de certa forma, pela segurança irritante de Fernando. Enquanto faziam a dança peculiar do entra-e-sai típico dos banhos compartilhados, olhavam-se nos olhos e nenhum dos pares fazia um esforço voluntário para evitar o contato: não havia constrangimento, afinal. Por isso Giovani sorria aquele sorriso matreiro, que significava mil coisas e nada ao mesmo tempo; e, enquanto sorria, ensaboava o pescoço, os ombros, o peito de Fernando; e, quando estava debaixo d'água, ensaboava as costas, as nádegas, espalhava xampu pelos cabelos... E Fernando, por sua vez, fazia o mesmo por ele, com as mesmas tranquilidade e diligência.

Já haviam se lavado por inteiro quando ficaram frente a frente de novo e Giovani simplesmente se aproximou devagar e abraçou Fernando pela cintura. Sua boca se encaixou no pescoço dele e lá deixou uma mordida leve o bastante para não deixar marcas, mas segura o suficiente para enfraquecer os joelhos de Fernando e arrancar dele um gemido débil. Se ele não tivesse se apoiado nos ombros de Giovani, poderia jurar que teria caído; mas Giovani o segurou. Suas mãos passearam pelas costas de Fernando, acima e abaixo, até encontrarem nádegas firmes e a apalparem; e logo ele sentiu no centro do próprio corpo a ereção de Fernando. Era lá que ele queria chegar.

Enquanto beijava o pescoço e mordiscava o lóbulo da orelha de Fernando, Giovani o masturbou sob a água, tendo-o praticamente imobilizado em seus braços. Fernando não poderia resistir nem se quisesse; então apenas se deixou levar pela pegada certeira, pelo punho firme que envolvia seu pênis, pelo devaneio que era a boca de Giovani deslizando livremente sobre sua pele, pelos arrepios inexplicáveis que açoitavam seu corpo sem piedade... até que atingiu o clímax e gozou mais do que imaginava ser capaz, acertando a região pélvica de Giovani, que também já estava ereto outra vez.

Foram lavados pela mesma água. Ainda em silêncio completo, Giovani limpou os dois com um pouco de xampu e logo desligou o chuveiro, sempre com aquele semi-sorriso. Enrolou-se em uma toalha e saiu do box e do banheiro para buscar uma para que Fernando também se enxugasse. Entregou-a a ele na porta e foi se secar para lá enquanto buscava uma cueca nova para vestir. Fernando veio logo atrás, pensando que também precisava de uma troca de roupas. Vê se te serve, Giovani disse enquanto vasculhava, agachado, uma gaveta no armário ao lado da cama. Fernando pegou a cueca que o outro lhe entregou, uma boxer vermelha, analisou-a e a vestiu, pensando que não serviria. Devia ser um número, talvez dois, maior que o dele, mas serviu.

— Tá ótimo — ele disse, observando-se sem se olhar no espelho. Giovani fazia o mesmo enquanto se trocava.

— Pode ficar com ela — ele respondeu, e fechou a porta do guarda-roupa onde se olhava no espelho. — Você tá com fome?

— Um pouco...

— Bora tomar café, meu pai já deve ter acordado.

Não passaram a manhã toda juntos. Assim que acabaram o café, Lorenzo anunciou que estava de partida; Fernando aproveitou a deixa para fazer o mesmo. Luiz insistiu que ficassem para o almoço, mas os garotos estavam decididos: Lorenzo tinha coisas para fazer em casa e Fernando... precisava refrescar a cabeça, digerir o que acontecera mais cedo e tentar entender que diabos estava se passando consigo, entre ele e Giovani, com sua vida, com tudo.

O que ele mais queria, na verdade, era poder contar aquilo para alguém. O problema era que, das pessoas com quem ele podia conversar sem comprometer Giovani ou o segredo da chantagem, nenhuma conseguiria entendê-lo, pois nenhuma, ele pensava, seria capaz de conceber como era possível se apaixonar por um chantagista; e todas viriam com algum tipo de plano para acabar com aquela situação de uma vez, mesmo que isso significasse acabar com o que existia entre eles. E nem Fernando ele mesmo sabia o que era aquilo que existia entre ele e Giovani; ele só sabia que não queria que acabasse.

Assim sendo, julgou que o melhor era ficar quieto, guardar para si; que, se a oportunidade surgisse, ele contaria para alguém, talvez depois que tudo já estivesse resolvido. Quem sabe a irmã, o grupo de amigos, até mesmo o próprio Giovani? Qualquer um era uma alternativa, mas o timing ainda não era o melhor.

Não tocaram mais no assunto da manhã pós-tempestade. Foi como se nunca tivesse acontecido. Fernando esperou, em seu íntimo, que em algum momento ao menos um "Não conta pra ninguém" fosse vir de Giovani, mas não veio, e não veio porque Giovani o conhecia tão bem a ponto de saber que ele não contaria para ninguém sem precisar avisá-lo, que não contaria nem se a chantagem não estivesse em vigor. O que aconteceu, no entanto, foi algo quase oposto ao que se esperava: uma aproximação ligeira, mas delicada, cordial, da parte de Giovani, aproximação esta que Fernando não foi bobo de julgar espontânea. Giovani andava cheio de toques, de braço passado pelo pescoço, de massagens nos ombros, de encostar ombro com ombro quando estavam sentados, de conversar olhando no olho, de abraços macios... Tudo muito gratuito e explícito, para todos os olhos do Santa Luz verem. Perplexo—e a cada dia suspirando mais por Giovani—, Fernando resolveu questionar a mudança de comportamento.

"Percebi que ganho muito mais sendo fofo com vc em público. E eu sei que vc curte ser meu viadinho de estimação ;)"

Nem de longe a explicação que ele esperava receber. Talvez fosse melhor não ter perguntado, pois Giovani tinha a capacidade de machucá-lo sem nem sequer tentar. E ler aquelas palavras doeu, de alguma forma. Esse jogo tem que acabar logo, Fernando pensou, que eu sei que eu sou o único que vai sair dele perdendo...

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