A passagem de Leandro

By Helenaldo

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Acompanhe a história de Leandro, um homem que morreu e precisa se adaptar a sua nova realidade como espirito... More

Nota do autor
Capítulo 01
Capítulo 03

Capítulo 02

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By Helenaldo


Quarta-feira – 11 de março de 1998

- Eu me lembro que estava num bar bebendo com amigos, estávamos rindo e comemorando o aniversário de uma amiga nossa, daí um deles me chamou e desafiou-me para uma corrida e.... Meu deus, agora eu sei de tudo, como pude ter participado disso. – Recorda-se Leandro.

- Lamentar não vai te ajudar, agora você tem plena consciência de que morreu, ficará mais fácil para aceitar seu novo ciclo daqui para frente. – Disse Baltazar. – Leandro então questionou:

- Ontem à noite me disse que não pertenço mais ao mundo dos vivos, porém ainda estou preso nele como você, porque ainda estamos aqui? Não deveríamos ter ido para o outro lado? – Perguntou ele.

- Leandro, não fomos para outro lado, simplesmente porque ainda não era nosso momento de partir, enquanto não for a hora, ficaremos aqui todo o tempo que for preciso, por isso acostume-se. – Explicou Baltazar.

- Algo está me mordendo por dentro, como faço para parar, está começando a doer forte, porque estou cheirando tão mal? Precisa me ajudar Baltazar. – Suplicou Leandro.

- Isso que você está sentindo é apenas seu corpo apodrecendo, enquanto não se separar dele irá doer cada vez mais, tem que se desprender da matéria ou então vai sofrer durante todo o tempo que permanecer por aqui. – Avisou Baltazar.

- E esse cheiro forte? Como me livrar dele? Preciso tomar um banho. – Pediu Leandro.

- Banho? Cara tá achando que isso aqui é um SPA cinco estrelas? Você morreu, morto não toma banho, não come, o cheiro que sente, é apenas o aroma pútrido da morte, não esperava mesmo que iria ficar com cheiro de colônia de funerária para sempre né? – Respondeu Baltazar rindo.

- Não! Mil vezes não, exijo que abram minha sepultura, vou tirar esses fungos, não vou deixar que devorem o meu corpo! – Disse Leandro assustado.

Como Leandro ainda parecia não compreender o que estava acontecendo, Baltazar novamente se retirou.

Caiu novamente a noite, o sol deu lugar a uma lua cheia e luminosa, o céu escuro era palco de várias estrelas brilhando, dentro do cemitério, era hora dos mortos darem o ar da graça e Baltazar logo foi buscar o Leandro.

- Venha rapaz, agora é hora de darmos um passeio por aqui, vai conhecer o cemitério por completo. – Disse Baltazar.

Os dois foram caminhando e Baltazar começou a explicar.

- Tá vendo aqueles túmulos ali? São de gente rica, suas lapides tem detalhes em bronze, e aquelas esculturas são de mármore, os espíritos que ainda estão aqui e residem nessas sepulturas são todos orgulhosos, em vida ostentavam suas riquezas como se fosse o maior feito da vida deles, depois de mortos continuam com a mesma atitude, achando que tem algum poder por aqui, não passam de espíritos iludidos, usam a matéria do mundo terreno para tentar camuflar a dor que sentem por seus restos mortais estarem apodrecendo lentamente. – Disse Baltazar.

- Desigualdade social até após a morte?! É, acho que definitivamente zeramos o mundo, e os outros túmulos, quem está lá? – Perguntou Leandro rindo.

- As gavetas tanto como as covas, são de quem não tem posses, mas não se diferem muito dos ricos, não eram apegados a bens materiais, mas vários deles eram orgulhosos dentro de si, morreram com pendências, e os que não pagam, não vão para o outro lado não importa se tiver chegado o seu tempo. – Respondeu Baltazar.

Ambos continuaram a caminhar até que chegaram perto dos fundos do cemitério, Baltazar então parou e alertou que tinham que voltar.

- O que tem daqui para o final que não podemos seguir adiante? – Perguntou Leandro.

- Daqui para o final ficam os túmulos dos indigentes, são espíritos que infelizmente nunca tiveram alguma ocupação ou familiares em vida, são jogados lá para o final após a morte, são espíritos perdidos que não se ajudam, sabotam-se uns aos outros, não é seguro transitar no meio deles, ou do contrário influenciarão a nunca mais sair daqui, mas se algum dia você entrar lá, pense positivamente, lembre-se muito bem disso. – Disse Baltazar com o semblante triste.

- Baltazar, você me disse que era o guardião daqui, afinal de contas para que isso serve e como você se tornou um? – Perguntou Leandro.

- Aconteceu há 21 anos, demorei para me desprender totalmente da matéria, durante esse tempo fui auxiliado pelo antigo guardião que ao fim do meu processo de evolução, finalmente pôde ir para o outro lado e me deixou encarregado de cuidar daqui, minha missão é ajudar quem chega. – Disse Baltazar relembrando sua história.

- Se é o guardião daqui como não pode ajudar os espíritos que aqui estão a se desprenderem de seus corpos e principalmente, porque não pode auxiliar os espíritos atormentados do final do cemitério? – Questionou Leandro.

- Porque eu não posso ir contra o livre arbítrio de suas consciências, apenas mostro o que vai acontecer mas o poder de decisão está em cada um de nós, evoluímos se quiser assim como também regredimos, lembre-se quem decide é você. – Respondeu Baltazar.

A mensagem de Baltazar penetrou a mente de Leandro e ao voltarem para o começo, ele observou alguns espíritos que gritavam por água.

- Porque esses espíritos gritam? Não tem água para eles? Vão se remoer de dor assim mesmo? – Perguntou Leandro.

- Esses espíritos são de pessoas que tiveram seus restos mortais cremados, embora seus corpos tenham virado cinzas, são capazes de sentir o fogo os consumindo devido a nunca terem se desprendido emocionalmente da vida terrena e de seus bens materiais, logo irão sentir essa dor até começarem a amenizar essas emoções. – Explicou Baltazar.

Leandro ficou horrorizado com o que ouviu e não perguntou mais nada naquela noite.

Passou-se três dias e as dores de Leandro aumentavam a medida que seus restos iam apodrecendo...

- Eu preciso da sua ajuda Baltazar, não aguento mais sentir esses malditos fungos me comendo por dentro, preciso me separar do meu corpo. – Suplicou ele.

- Se quiser se desprender do seu corpo, terá que esvaziar sua mente, esqueça as memórias terrenas, concentre-se apenas na sua paz, faça seu espirito aceitar que não precisa mais da matéria. – Disse Baltazar.

- E minha aparência vai ficar assim mesmo? Não aguento mais me ver dessa forma. – Perguntou Leandro.

- Faça o que eu disse, à medida que seu espirito se desprender da matéria a sua aparência vai se regenerar junto, agora quanto mais preso você ficar mais irá adquirir a mesma imagem dos seus restos mortais e o mesmo cheiro deles. – Respondeu Baltazar.

Passaram-se alguns meses e ele finalmente foi começando a se desprender de seu corpo, e sua aparência também foi melhorando, um dia ambos estavam caminhando no cemitério, era uma tarde fria e nublada, bem semelhante a mesma do dia do seu enterro, ambos avistaram uma mulher de preto colocando rosas em uma das sepulturas, logo depois acendeu uma vela, ajoelhou-se e começou a rezar, ao observar a cena Baltazar comenta com Leandro:

- Sabe qual o mal do ser humano? Não falar o que sente em vida, passam anos brigando por motivos fúteis e só reconhecem que erraram depois que um deles faz a passagem ai acontece o que estamos presenciando, velas e rosas agora não adianta. – Disse ele.

- Pelo visto ainda vou ver muito disso por aqui né? – Disse Leandro.

- Sim, todo dia 02 de novembro. – Disse Baltazar.

- Baltazar, você está aqui a muito tempo né? Exatamente quando você chegou a esse cemitério? – Perguntou Leandro.

- Faz tanto tempo mas ainda lembro bem dessa data, foi em 13 de dezembro de 1969, trabalhava como segurança de uma empresa, havia uma enorme confusão na rua, os militares tentavam conter uma manifestação de estudantes, comecei a ouvir tiros, tentei correr para me proteger mas senti um deles perfurar o meu peito, minha visão já não acompanhava mais os meus passos, a gritaria foi ficando distante e tudo escureceu, quando me dei conta já estava aqui dentro. – Respondeu Baltazar.

- Você morreu na ditadura? Lamento que tenha sido uma das vítimas desse período. – Disse Leandro.

- Faz tanto tempo que nem me importo mais com isso, estou aqui há quase 30 anos porém nunca me interessei em saber quem foi que interrompeu meu ciclo como mortal, se brincar eu até já devo ter cruzado com meu algoz por aqui e nem sabia. – Respondeu Baltazar.

- Sério que você nunca quis saber quem lhe tirou a vida? – Perguntou Leandro surpreso.

- Mesmo que eu soubesse ainda não voltaria a viver, logo, o tempo me acostumou a conviver nessa nova realidade. – Respondeu Baltazar com sabedoria.

- Agora entendo porque é o guardião daqui, estou só há alguns meses e já aprendi muita coisa com você. – Disse Leandro reflexivo.

- E terá todo o tempo possível para aprender mais, não precisa ter pressa para ganhar experiência, o tempo e suas ações falarão por você. – Falou Baltazar sorridente.

Passou-se 11 anos e Leandro finalmente havia se desprendido do seu corpo, sua aparência finalmente voltou ao normal e agora era um novo espirito, totalmente adaptado com o ambiente e bastante prestativo com os novas almas que ia chegando, até que chegou um dia e Baltazar falou.

- Leandro, depois de 40 anos neste local finalmente chegou a hora de descansar, vou para o outro lado, não sei o que irei encontrar mas gostaria de dizer que foi um ótimo aprendiz, adorei muito ter a sua companhia. – Disse ele.

- Você não pode ir agora, precisamos ajudar quem chega por aqui, temos muito a fazer. – Implorou Leandro.

- Todos tem o seu tempo, o meu foi concluído hoje, é hora de sair de cena, tenho certeza que vai se virar muito bem, adeus Leandro. – Disse Baltazar.

Ele sumiu no ar e algo havia mudado em Leandro, ele agora possuía o chapéu e a capa de Baltazar, ele era o novo guardião do cemitério.

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