Condão .

By GiordanoMochel

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A obra de ficção científica “Condão” diferencia-se pela abordagem político-técnica de um futuro onde o contro... More

Prólogo
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14

Capítulo 13

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By GiordanoMochel

Capítulo 13

Passara de meia-noite quando o Comandante Henrique entrou no Comando Estadual. 'Muitos drones', pensou. Nunca houvera tantos. O comando era um lugar para homens, não máquinas. Há muito desconfiava que a humanidade corria perigo. Não era de bom tom brincar de criador. Conceberam a inteligência artificial e agora as máquinas eram superiores em raciocínio e força. Para que teriam necessidade do ser humano agora? Dali para a frente só precisariam deles mesmos. O líder Jeremias havia sido imprudente nesse aspecto. Era tão inteligente e não previra isso? Lembrou-se de quando os robôs substituíram todo o sistema jurídico.

"Durante a era de ouro ficou claro que não havia mais necessidade de promotor, juiz ou advogado. O Condão era capaz de julgar e sentenciar ao mesmo tempo. Como o programa estava estruturado sobre os princípios constitucionais, mantivera-se o contraditório e a ampla defesa, mas tudo no mesmo programa. A princípio foram indicados observadores para avaliar a eficiência da máquina. Dispensáveis, pois o programa sempre sentenciava na mesma medida. Decisões estritamente técnicas. No direito penal a dosimetria era baseada nos padrões fixados na lei, o que evitava uma exacerbação ou mitigação da pena. Pouco tempo depois, retiraram os observadores. Só havia o Condão na resolução jurídica. Alguns anos depois, embutiram o programa nos drones. A partir daquilo, o juízo ia até o cidadão. Qualquer problema de ordem jurídica era resolvido "in loco". Bastava chamar os drones. Não demorou para que o Condão fosse também inserido nos drones de segurança. A sentença era dada no local da apreensão, antes mesmo da detenção. "

O comandante ainda era tenente nessa época. Servira um bom tempo na Força de Segurança, colocando corruptos na cadeia. Adorava o Condão por tudo que havia proporcionado à sociedade. Mas a ferramenta também continha a semente da Inteligência Artificial. Via o perigo que os drones proporcionavam. Se aquela bola de neve continuasse rolando, não se saberia com que força atingiria seu alvo. Só duvidava que seu próprio amigo estaria envolvido. O que ele ganharia com isso a não ser a própria morte? Será que lhe prometeram algum tipo de imortalidade em um mundo virtual? Não acreditava que isso seria possível, conhecia-o.

Chegou ao salão do comando. Era um enorme espaço redondo sem nenhuma viga. Maravilha das novas ligas metálicas ultraleves. Aproximou-se do amigo. Só havia os dois na sala.

— Aldren. Ainda posso dizer que é bom revê-lo, apesar das circunstâncias.

— Henrique, meu amigo. Sua presença é sempre satisfatória, em quaisquer circunstâncias.

Apertaram fortemente as mãos.

— Gostaria de estar com o mesmo aspecto tranquilo que você. – Disse o comandante nervosamente. Suas mãos suavam e a perna não parava. – Não sei como não lhe encaixa isso na mente, mas as máquinas estão notoriamente tomando conta de tudo. Aquele androide. Até sua face parece viva. Hoje foi capaz de dizer algo que a humanidade vem negando, talvez num bloqueio próprio da mente. Aldren... – olhou para o amigo, angustiado.— Ele disse que se as máquinas quiserem podem exterminar toda a nossa espécie, mas que não estão preparando nenhuma revolta cibernética. Até quando? Em algum momento seremos dispensáveis. Admiro-me que ainda estejamos vivos. Temos que reunir todos os comandos e planejar o desligamento total da Central. Não tenho a mínima ideia de como fazer isso. Caso não consigamos, teremos uma guerra.

O Comandante Estadual suspirou.

— Henrique. Não haverá guerra. As máquinas não tem interesse em acabar com a humanidade.

— Isso não tem lógica, Aldren. Se não fizermos algo viraremos fósseis. E pior: não haverá sequer registro de que estivemos nesse planeta!

O amigo riu.

— Você não acredita em mim. Mas talvez acredite em outra pessoa.

— Quem? Você sabe que não existe outra pessoa no comando em quem eu confie a não ser você. Mas parece que até nisso eu estava errado. Está do lado deles ou do nosso?

— Nessa pessoa você vai acreditar.

Uma grande imagem holográfica de projeção apareceu diante deles. Em pé, de terno. Ainda com feições joviais. 'Era ele? Não era possível! Estava morto!'

— Boa noite, Comandante Henrique. Creio que, apesar de tudo que o comandante Aldren disse, o senhor ainda precise de alguns esclarecimentos.

— Líder! – Bateu continência. Depois percebeu que poderia estar saudando uma máquina. – Pelo que sei, o senhor está morto. Por uma imagem holográfica não posso deduzir que não seja um robô em mais um engodo.

Jeremias riu.

— Estou bem vivo, Comandante Henrique. Mas mesmo que não estivesse, o que tenho a dizer agora independe disso.

O comandante não disse nada. Apenas manteve-se atento.

— Está claro para qualquer um que as máquinas alcançaram um nível de inteligência muito superior à raça humana. Está claro também que é praticamente impossível para nós confrontá-los e vencê-los em batalha, apesar de que sei que a humanidade abraçaria essa guerra. O homem nasceu assim, naturalmente lutando pela vida. Não seria agora que fugiria do combate.

Henrique assentiu com a cabeça.

— Acontece comandante, que apesar de todo avanço tecnológico ou de força, a inteligência artificial não nos superou, não da forma que você deduziu.

O comandante parecia surpreso. Fora a primeira vez que ouvira aquilo. Seria mesmo o Líder falando?

— Caro Henrique. Não posso lhe dizer que isso não foi ponderado pela mente eletrônica da Central, mas antes vou lhe contar como a concebi. O primeiro protótipo de software do Condão era um interpretador de códigos básico. Todos os casos análogos que eu tentava resolver davam resultados diferentes quando eu inseria as provas. Mesmo que fosse praticamente o mesmo caso, havia algo no tratamento das provas que não batia. Portanto, desde o início foi necessária a utilização da inteligência artificial. O Condão não poderia ser um programa cartesiano. Inseri mais de 430 mil casos no sistema até que ele estabelecesse padrões através dos métodos de aprendizagem. De forma alguma inseri doutrina ou jurisprudência contaminadas pela subjetividade humana e foi isso que levou o programa ao sucesso imediato, por se basear apenas nas deduções lógicas induzidas pelos princípios constitucionais. Obviamente tive que lançar mão da lógica difusa de ponderação, mas sempre com a preocupação de manter os padrões. Naquele momento evitei qualquer tipo de uso de redes neurais. Não queria, nem de perto, que a máquina se comportasse como algo próximo ao cérebro humano.

O comandante estava zonzo de tanta informação computacional e mais impaciente do que antes. O Líder pareceu perceber isso.

— Bem, as questões de ordem técnica podem ser vistas em alguns manuais. De qualquer forma, cada vez que uma nova versão do software era lançada, a inteligência artificial sofria um upgrade. Quando o programa foi institucionalizado, verifiquei que a máquina estava criando ponderações sobre alguns princípios constitucionais. Ainda não aplicavam tais ponderações, apenas as criava e mantinha-as classificadas. Vi que o software estava tomando decisões próprias. Naquele momento, levantei pela primeira vez a hipótese de a inteligência artificial superar a humana a ponto de dispensá-la. Ainda assim, inseri cada vez mais recursos no programa, separando-os em módulos. Tive a intuição de que daria certo.

Henrique se arrepiou. O líder estava louco. Decidira o futuro da humanidade por uma intuição! Que diabos!

— Alguns anos depois resolvi criar a Central. O software já havia se transformado em algo gigantesco. Não fazia sentido mantê-lo em máquinas pequenas. Construí o maior conjunto de processadores do mundo. Isolado, a princípio, da super-rede, ou de qualquer tipo de rede lógica. Inseri todos os módulos de inteligência artificial, que havia mantido separados. Agora sim, tinha um supercomputador capaz de decidir, dialogar e questionar mais do que códigos legais. Poderia calcular e ponderar sobre qualquer coisa. E foi aí que fiz a pergunta crucial:

"Qual o percentual de benefícios e malefícios que a extinção da humanidade causaria para a existência das máquinas?"

— Eram muitas variáveis. Até para um supercomputador. O tempo de cálculo estimado era de 6 horas. Não consegui sair da frente dele até que acabasse. O resultado final veio na tela: "Benefícios 3% – malefícios 97%". Minha intuição estava certa. Não era interessante para as máquinas a extinção da humanidade. Os 3% de benefícios se dariam apenas com a desnecessidade de prover alimentação. Para uma máquina é muito mais fácil se energizar do que para um homem. Existem inúmeros meios de se obter eletricidade, inclusive com a incipiente microfusão, o que dispensaria um recarregamento externo por séculos. Fiz a pergunta inversa:

"Qual o percentual de benefícios e malefícios que a extinção das máquinas causaria para a existência da humanidade?"

— A resposta foi pior. "Benefícios 0,33% – malefícios 99,67%". De fato, a possibilidade da raça humana se extinguir ou voltar a barbárie seria enorme. Então fiz a pergunta derradeira, já esperando uma resposta satisfatória:

"Qual o percentual de benefícios e malefícios na coexistência entre máquinas e homens?"

— A resposta: "Não há malefícios.". Era isso. O melhor caminho. Uma existência em paridade entre homens e máquinas. Mas nenhuma submissão entre ambos.

— Como assim, senhor? Quer dizer que a tendência é que esses trambolhos estejam livres por aí, tomando óleo em bares e ganhando todas as olimpíadas? Além disso, a superioridade deles é enorme! Não creio que se contentarão em sustentar uma raça inferior.

— Comandante. Veja o que está falando? Soa como os senhores de escravos da antiguidade. Não aguentavam ver negros na sua calçada. Mas você tocou em um ponto importante: a humanidade terá que se desenvolver. Biologicamente. Não podemos ficar tão para trás a ponto de sermos insignificantes. E para isso a biogenética avança a passos largos. Teremos um upgrade mental nos próximos anos, com as novas gerações. Como próximo passo, tentaremos dobrar a capacidade cognitiva geneticamente. Mas pode-se ver que o nível intelectual já é muito alto. Não ficaremos para trás se é o que teme. Quanto às olimpíadas, não posso garantir nada. – Sorriu. – Pense um pouco comandante: a Central tem mais de 50 anos. Naquele momento já era uma máquina superinteligente. Depois que liberei seu acesso à super-rede, ganhou mais poder. Ela controla drones de todos os tipos há décadas. Crasso não estava errado. Se quisessem, já teriam dado um fim ao homem.

Henrique estava matutando sobre aquilo. Não via com bons olhos uma igualdade entre máquinas e homens. Sempre conhecera robôs servindo-o. Mas raciocinou sobre o que disse o comandante: sendo tão ou mais inteligentes que o homem, tratá-los como serviçais pareceria como a forma que os senhores de escravos tratavam os negros. E isso ocorrera até há menos de 250 anos atrás. Ainda assim, não acreditava que aqueles montes de parafusos tivessem qualquer sentimento. De qualquer modo, em relação à extinção humana o Líder e Crasso estavam certos: se as máquinas quisessem já a teriam realizado.

— O que a Organização das Nações Unidas pensa disso? – Após o Condão e à criação da Central, as decisões dadas pelas Nações Unidas ganharam força significante.

— Estão de acordo. Mas não é questão de concordar, comandante. É inevitável. E o melhor: Não envolve mortes nem sofrimento. Só evolução. Um novo passo para toda a civilização, que agora contará com homens e máquinas.

O comandante estava chocado, mas resignado. De qualquer forma, seria melhor do que uma guerra civil. Mas sua intuição de policial ainda dizia que havia alguma coisa errada, alguma peça não encaixava.

— Se for assim Líder, devemos seguir os rumos que o futuro nos guarda. Não se briga com a inevitabilidade. Só gostaria de fazer um pedido. Faço-o junto ao meu amigo e também comandante estadual, Aldren.

— Prossiga.

— Gostaria que o Comando fosse mantido como um departamento humano, e sempre fosse gerido por um homem, nunca por uma máquina. Sei que é pedir demais. Pelo menos o senhor poderia ponderar sobre isso?

— Claro, Henrique. Isso já foi acordado com a Central. Ela também faz questão de que tenhamos sempre as duas formas investigativas e de força ostensiva. Considere esse pedido aceito.

Dito aquilo a imagem se desfez e Aldren voltou-se para o comandante.

— Acredite Henrique: quando ouvi essa história pela primeira vez fiquei exatamente como você está agora.

— Com certeza eu acredito. E também sei o porquê do segredo: assim como eu, a população em geral não aguentaria uma informação dessas. Não de uma vez. Terá que ser tudo bem preparado. Porra, Aldren! Onde fomos nos meter?

— Bem no meio do futuro, amigo.

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