DEIXA A TRISTEZA IR

By Sertudoessencia

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Quatro profissionais ligados à música cruzam seus caminhos, descobrindo o amor e a amizade. Deparam-se com mo... More

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Algumas paisagens que inspiraram este livro

7 (final)

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By Sertudoessencia

− Ermelinda! Preciso que vá agora mesmo a este endereço levar uma coisa!

− Sim, menina? – respondeu a interpelada, abeirando-se da patroa com ar desconfiado.

Nunca lhe fora pedido anteriormente para fazer qualquer diligência daquele tipo. A sua função era somente limpar. Já era a segunda vez que Maria Eduarda a incumbia de realizar trabalho no exterior.

Olhou para o relógio de pulso barato, através do vidro rachado no mostrador e constatou que tinha apenas vinte minutos até à hora da saída.

Perguntou:

− É muito longe?

− Não! Eu chego lá em meia hora.

− Vai sempre de carro?

− Claro!

− A pé irei demorar muito mais, menina Maria Eduarda!

− Não sei nada disso... Tem de ir agora lá!

Enchendo-se de coragem, Ermelinda atirou o "barro à parede" para ver se colava, dizendo quase em surdina:

− Então, amanhã entro um pouco mais tarde para compensar...

A resposta foi um espanar ascendente da mão e um rodar lesto do corpo em direção ao quarto, a qual a empregada interpretou como aceitação. Mal se viu na rua, dirigiu-se a um carro da polícia estacionado mais adiante, para tentar saber onde se localizava a morada pretendida. Devidamente informada, indagou a umas pessoas, na paragem de autocarro mais próxima, sobre a melhor linha que a colocasse no local mais favorável para o seu objetivo e meteu-se numa das viaturas públicas em direção ao centro da cidade. Mal saiu, interpelou mais um transeunte, que a orientou para uma avenida a vinte minutos dali, a pé.

Embora antigo, o edifício, que fora restaurado, impunha-se sofisticado naquela via larga da parte velha da zona urbana.

«− Estou novamente no meio dos ricos!» − constatou para si mesma, suspirando.

Tocou e, pelo vídeo porteiro, informou sobre a sua proveniência, o que originou um zip imediato de abertura da porta.

Tomou o elevador para o décimo e último piso.

Mal saiu, uma porta em frente abriu-se, revelando uma senhora alta e forte, com cabelo louro platinado, trajando um vestido colorido e usando compridos brincos pretos. Muitas rugas, envolvendo um sorriso artificial, demonstraram ser talvez já septuagenária.

− Boa tarde. Vem, então, da parte da Eduardinha?...

− Sim, minha senhora. Trago isto para lhe entregar – esticou o braço, oferecendo um pequeno saco de uma perfumaria conhecida, contendo um gordíssimo envelope em branco, fechado.

− Entre!

− Com licença.

A senhora recebeu a encomenda, retirou o envelope e guardou-o numa das gavetas da cómoda rebuscada, com metais dourados, da entrada, carregada de bibelots.

− Como se chama?

− Ermelinda.

− É parente da Eduardinha?

− Não, minha senhora! Sou a mulher-a-dias. – respondeu, corando ligeiramente.

− Ai, sim? Mas então, deve estar com ela há muito tempo!

− Mais ou menos. Há... para aí... vai fazer sete anos.

− Mmm.... Conhece bem a cidade e os arredores?

− Sim... quer "se" dizer... mais ou menos. É assim: nunca me perco. Quem tem boca vai a Roma!

− Mmm.... É empregada de limpeza há quanto tempo?

− Sei lá... há muito... talvez há quinze anos. Os meus antigos patrões foram para um lar, já tinham muita idade. Foi quando encontrei a D. Maria Eduarda. De vez em quando vou lá visitá-los.

− Sabe o que está dentro do envelope que guardei?

− Não senhora! Não sei! – respondeu veementemente e com laivos de irritação.

− Fez muito bem não procurar saber... Mas diga-me sinceramente. É uma mulher muito esperta pelo que estou a perceber. O que acha que o envelope continha?

Ermelinda avaliou a situação e fixou a mulher que com olhar perspicaz a atravessava. Resolveu ser sincera. Algo dentro de si sussurrou-lhe que seria melhor fazê-lo.

− Bem... penso que trazia dinheiro...

− É o que eu digo... Preciso de uma pessoa assim para o meu negócio. Sabe ser discreta?

− Sim, minha senhora. Sei muito bem!

D. Fátima observava a modesta figura que quase passava despercebida, mas que ao mesmo tempo aparentava ser de confiança. Tinha o perfil ideal para a ajudar nos seus desempenhos profissionais.

Sabia avaliar as pessoas. Aliás esta era a chave do sucesso da sua profissão. Assim, convidou direta:

− Está interessada em trabalhar noutra casa?

Ermelinda não sabia como aquilo lhe viera cair nas mãos. Era milagre!

− Sim, senhora! Eu só trabalho durante quatro manhãs, mais um dia completo. Dava-me jeito ter mais umas tardes.

− Então dê-me o seu telefone, para combinarmos. Eu daqui a pouco tenho de sair...

− Obrigada, minha senhora!

Depois de receber o número de telemóvel, D. Fátima, "vidente e especialista em aprimorar a vida dos clientes" está visto que neste atributo ficava oculto o facto de que, para o efeito, prejudicava inúmeros não-clientes apresentou-se à nova assistente, dizendo que necessitava de alguém para fazer pequenos recados no exterior e manter-lhe a casa limpa. Vivia sozinha e comia fora, por isso não havia muita faxina a realizar.

O coração de Ermelinda vinha saltitante, quase todo na garganta de tão contente, quando deixou a senhora.

Telefonou à filha, que mais uma vez sugeriu que largasse a outra megera, a qual, contudo, recebeu como resposta:

− Por agora vou ficar com as duas e depois decido. O dinheiro faz muita falta. Nunca é demais. Faço sorna na casa da outra, para não ficar muito cansada. – riu-se nervosa.

Na semana seguinte, Ermelinda já tinha nova casa e mais receita a entrar no seu porta-moedas. Logo no primeiro dia, passou metade da tarde na rua para tentar saber onde vivia ou trabalhava uma determinada pessoa, cujo nome a nova patroa assentara num papel e lho entregara em tom de confidencialidade.

Sigilo era a máxima da profissão de D. Fátima que assim iniciara o processo de aprendizado nas áreas do oculto, daquela mulher simples, desenvencilhada e sobretudo honesta, pois trouxera aquele chorudo pagamento de Maria Eduarda, sem se desviar do que lhe fora ordenado.

A alguns quilómetros de distância, João almoçava com Luísa num elegante restaurante com pátio interno adornado de vasos gigantes, em terracota, os quais albergavam árvores de pequeno porte e plantas esmeradamente cuidadas. A mesa deles encontrava-se sombreada por um bonito guarda-sol branco.

O trato entre ambos começava a denotar muita intimidade.

− Minha querida, vamos ter o resto dos dias para estarmos juntos. Confirma-se que terei apenas uma tarde de reuniões, com o tal jantar de negócios onde vão também as mulheres. Por isso, vamos estar livres o resto do tempo!

− Que maravilha de oportunidade! Amanhã a que horas me vais buscar para irmos para o aeroporto?

− Pelas cinco da manhã.

Embora se sentissem um pouco nervosos, continuavam radiantes por se avizinharem uns dias de plena convivência em Nova Iorque.

Nessa mesma noite, Maria Eduarda fervia numa curiosidade intensa em inteirar-se sobre o desenvolvimento da situação do seu alvo, Daniel, a fim de poder prendê-lo somente a si.

Talvez estivesse a ser influenciada pela lua cheia que iluminava a noite e fazia fervilhar as psiques.

Tinha de enviar regularmente o elevado pagamento à vidente, pelo malefício encomendado, até morrer, caso contrário o sortilégio maldoso inoculado na vida de Beatriz voltar-se-ia para ela mesma.

Soubera que a professora de flauta estava a passar mal, pela Ermelinda, depois disso não tivera mais notícias.

Para não dar muita confiança à empregada resolveu ir ela mesma averiguar o estado da relação a fim de avaliar como iria aproveitar os estragos infligidos.

Vestiu-se de preto, com um gorro da mesma cor a tapar os cabelos, levou consigo uns pequenos binóculos embora fosse noite, poderiam vir a ser úteis.

Meteu-se no carro em direção à casa de Daniel, esperançada, porém na sua cabeça a questão: «Será que consigo arranjar forma de o espiar?» não parava de martelar a sua estabilidade emocional.

Mal chegou perto da propriedade do visado, o astro noturno estava em pleno, revelando perfeitamente quem queria ficar invisível. Não gostou da claridade e por isso estacionou na obscuridade de uma árvore frondosa, numa zona deserta de casas.

Atravessou a estrada estreita e, do outro lado, contornou o muro do compositor até encontrar um acesso favorável para o poder galgar. A sorte estava consigo, pois encontrou um ponto onde este tinha derrocado até metade.

Invadiu o espaço privado mantendo-se camuflada pela vegetação e aproximou-se da casa. Sabia que Daniel não tinha animais de estimação e por isso estava segura quanto à possibilidade de poder ser detida por algum canídeo vigilante.

Junto de uma árvore de tronco grosso, quase pisando um buraco de um musaranho, o qual veio cuidadosamente espreitar deveras assustado, avistou, ao fundo na casa, duas janelas iluminadas sem cortinas.

Foi fácil vislumbrar com os binóculos, para além delas, o proprietário e a namorada num abraço intenso, naquele preciso momento. Ambos sorriam felizes e beijavam-se.

«− Afinal está tudo a correr bem!? A bruxa enganou-me!!» − comentou em surdina para si mesma, absolutamente irada.

Estes dois pensamentos minaram de imediato a sua autoconfiança. Como repudiara durante toda a sua vida apresentar-se aos outros como uma vítima, não se enquadrando minimamente nesse papel, decidiu, como lhe era habitual, passar para o outro extremo – ser o algoz. A sua mente contorcida pelo fracasso excretou raiva suficiente capaz de linchar tudo e todos naquele momento. Inúmeras atrocidades imaginadas vieram-lhe à cabeça, mas o seu lado mais lógico dissuadiu-a de causar danos de forma impulsiva, que a viessem a prejudicar mais tarde. Tinha de urdir um plano para se vingar da bruxa que a trapaceara e empurrar Beatriz para longe de Daniel.

Enquanto estava nestas cogitações, não se apercebeu que era observada por uma presença muito arguta e ágil, situada um pouco acima do nível da sua cabeça, num dos ramos mais baixos da árvore.

Furiosa por não ter a sorte do seu lado e induzida pela parte tortuosa da sua mente, que acabou por vencer sobre a lógica, a cantora decidiu vingar-se ali mesmo, tentando livrar-se daquela irritação que persistia em envenenar-lhe o coração.

Correu, sorrateira, para a parte da casa que permanecia às escuras, saltou sobre o pequeno curso de água e subiu um pouco a encosta, entrando no pátio. Pegou com ambas as mãos na pedra maior que encontrou numa das esculturas naturais de Landart criadas por Daniel, deixando que uma parte da peça de arte desabasse um pouco por falta de apoio e atirou-a com toda força, na medida da sua raiva, para a porta envidraçada que dava para o pátio traseiro, fazendo um estrondo de vidros estilhaçados e um baque na aterragem do projétil sobre um solo de madeira, capaz de acordar os mais surdos.

Rindo-se consigo mesma, mais aliviada da pressão que tinha dentro de si, apressou-se a voltar para o carro, pelo mesmo percurso, através da mata, correndo ainda mais lépida.

Ao passar esbaforida pela árvore onde se tinha antes encostado para espiar, devido à potente iluminação natural vinda da lua, viu um ratinho que a deixou apavorada. Maria Eduarda possuía musofobia.

Na precipitação do susto, ao tentar contornar o ponto onde o avistara o certo é que o animalzinho sumira num ápice pousou mal o pé sobre uma das grossas raízes, desequilibrando-se. Naquele preciso momento, sentiu também um forte embate sobre a cabeça que a fez quase desmaiar, torcendo o pescoço e cair, por fim, desamparada no solo.

Este incidente passou-se em poucos segundos.

De imediato, uma dor e um ardor na face e no peito obrigaram-na a gritar.

Era algo pesado que arranhava profundamente a sua carne, como garras.

Ao procurar defender-se com as mãos começou a ser mordida, com finas agulhas que se espetavam nos dedos.

Berrou com toda a fúria até perder os sentidos.

Voltou a si ao ouvir passadas ribombando no solo térreo, de alguém que corria na sua direção.

O ataque tinha cessado por fim, porém agonizava na dor das lesões infligidas. Não teve forças para emitir nenhum som mais.

Escutou uma voz conhecida chamando:

− Beatriz chama o INEM! Caramba! Chica!... Ele devia vir assaltar-me!

Maria Eduarda desmaiou novamente, nesse momento, irreconhecível e esvaída em sangue.

Luísa e João deleitavam-se na sua viagem à Big Apple, visitando alguns museus e lugares icónicos na medida do tempo de que dispunham e, sobretudo, desfrutavam felizes da companhia um do outro, na íntegra. Gostavam das mesmas coisas em geral, o que facilitava a harmonia do casal. Entre eles havia uma ternura extrema, uma generosa compreensão mútua e um fluir natural na união sexual dos seus corpos maduros e experientes.

Tanto um como outro sentiam que se o relacionamento continuasse naqueles moldes teria muito potencial para perdurar, porém apenas o futuro seria a testemunha real desse facto.

No outro lado do oceano, em terras Lusitanas, Maria Eduarda recuperava de várias intervenções cirúrgicas, completamente mal-humorada, escondendo o horror de vir a ficar com alguma mazela menos estética no rosto, pescoço e mãos, fruto do ataque sofrido.

Daniel estivera presente nos dois primeiros dias a seguir à sua entrada na urgência, apenas por comiseração, todavia deixara de a visitar, desmotivado pela conversa de ódio que a enferma nutria pela sua companheira. Ficara extremamente surpreso ao ver que o ladrão era a cantora, quando assistira na sua propriedade aos primeiros socorros prestados pelos profissionais de emergência médica, os quais, felizmente, tinham chegado em poucos minutos. Sabia que não deveria mexer no corpo do assaltante antes que eles chegassem, porque poderia ser fatal para o vitimado, por isso não viu instantaneamente que era Maria Eduarda. Ele e Beatriz ficaram chocadíssimos com a descoberta.

Ermelinda visitara a doente também no primeiro dia, contudo deixara de o fazer por não aguentar da paciente a rudeza mais acentuada da que lhe era habitual. Decidiu naquele dia, que iria despedir-se, mal a megera saísse do hospital. Afinal, a nova patroa tratava-a muito bem e inclusive já tinha pedido para lhe dar mais horas, pois estava a gostar muito do seu trabalho na rua e o qual ela, por sinal, adorava fazer.

Ninguém mais próximo de Maria Eduarda a visitava, exceto os colegas músicos do grupo que ali vieram duas vezes para se inteirarem das suas melhoras, extremamente agastados com a ausência dela que impedia a concretização dos concertos agendados, e um ou outro familiar afastado, que permanecia apenas alguns minutos, alegando ter outros compromissos.

Em suma, o quarto estava repleto de ramos de flores e cartões de desejos de melhoras, todavia havia uma escassez deprimente de calor humano.

Até as enfermeiras e médicos evitavam, o mais possível, entrar naquele quarto.

Na quinta das Belas Salamandras, Miguel, o avô e Sofia terminavam o lanche.

− Avô António, o que aconteceu na casa do professor Daniel? Ainda não percebi... – indagou Sofia.

Todos tinham ficado a par do acidente havido, após um telefonema de Daniel, mas Sofia e a mãe ainda não tinham percebido claramente o que acontecera.

− Uma senhora entrou na propriedade durante noite, sem ser convidada, estava furiosa com o Daniel e partiu-lhe uma porta de vidro. Quando vinha a correr para não ser apanhada, calcou uma das raízes de um tronco de uma das árvores que a fez cair.

− Aquela onde estivemos a ver se havia algum ratinho nas raízes grossas cheia de buracos, lembras-te Sofia? – cortou Miguel para situá-la.

− Sim! E depois, ela foi castigada por ter feito aquilo?

António riu-se e continuou:

− De certa maneira foi mais do que castigada, minha querida. Uma gineta...

− Aquele animal perigoso que vimos na net, no outro dia?

− Sim, Sofia. Afinal, é provável que seja a mesma que o Miguel viu entrar no silvado... − comentou António pensativo, continuando com a explicação − Resumindo, a gineta estava em cima da árvore. Pela explicação que o Daniel me deu... ele viu tudo a desenrolar-se ao longe, porque correu para fora de casa, mal verificou que o estrondo vinha de uma pedra atirada do pátio... a gineta devia estar a caçar e quando saltou para apanhar algum animal, foi nesse preciso momento que essa senhora passou por baixo...

− Oh! Que trapalhada! E depois? – comentou a menina.

− A gineta costuma evitar humanos, mas ataca facilmente se se sentir lesada ou atacada. Foi o que aconteceu. A senhora não só prejudicou a caça dela, como a assustou. A tal mulher caiu com o animal em cima dela que a esgadanhou e mordeu toda.

− Xiiii! E morreu?

− Não, mas está há dias no hospital onde foi submetida a várias operações.

− Coitada!

− Coitada sim, mas por ter um feitio muito difícil, segundo parece.... Enfim! Não interessa falar da miséria alheia. Já terminaram os trabalhos de casa?

− Sim! – responderam as crianças em uníssono.

− Então, vamos ver como estão as nossas amigas salamandras?

− Vamos!

− Fixe!

Romilheiro, mal chegou dos Estados Unidos, foi visitar Maria Eduarda por cortesia. Esta recebeu-o com educação, dado o estatuto do agente musical lhe ser imprescindível para a sua carreira, essencialmente agora que, por causa do seu acidente, não sabia o que se seguiria, nesse campo, tendo em conta o cancelamento de inúmeros concertos na chamada "época alta".

− Então, minha amiga. Como vai?

− Tem sido muito difícil. – queixou-se a lesada, enfaixada quase como uma múmia, de perna ao alto quebrada em dois sítios.

− Foi um azar... mas, agora tem de pensar em ficar boa!

− Não sei se conseguirei recuperar totalmente.

− Com certeza que vai conseguir! A Maria Eduarda é uma lutadora!

− Já não sei o que isso é... − começou a soluçar.

João estranhou esta atitude. Não contava com esta manifestação tão humana da parte dela. Viu, com pena, que a cantora estava totalmente derrotada.

− Minha amiga... posso ajudar com alguma coisa?

− Não tenho ninguém... – os soluços aumentaram.

A sinceridade dela, talvez induzida pelo ar paternal de João, apagou os últimos vestígios da retração que este levava para a visita.

− Pode contar comigo, Maria Eduarda – consolou compassivo.

O choro diminuiu e Romilheiro lembrou-se que poderia ajudá-la eficazmente através do seu amigo Pablo.

− Tenho um amigo que é muito especial. Ajuda muita gente. Quer que lhe peça para a vir visitar?

A paciente sentindo-se apoiada pelo interesse genuíno de João em lhe ser útil, reagiu com uma atitude tão integralmente inovadora que até se surpreendeu a si própria.

− Sim! Necessito de toda a ajuda.... Obrigada!

− Fique descansada. Vai gostar de falar com ele!

No dia seguinte, a cantora acordou aturdida, naquele quarto vazio do hospital, com uma tristeza que lhe abafava o coração. Não se lembrava de ter tido esta sensação alguma vez.

Normalmente, todo o seu medo traduzia-se, sem exceção, em raiva e, por sua vez, esta ira conduzia-a a uma sensação de superioridade, que no fundo funcionava como defesa, a qual era exteriorizada na sua rudeza habitual para com todos os que se cruzavam no seu caminho. Tratava-se da sequência à qual sempre se habituara, para viver na zona de conforto do seu ego desmedido, ou antes, da sua enorme insegurança que lutava em permanecer oculta, mesmo dela própria. No caso presente, esta tristeza que a invadia, tornava-se incomportável pela vulnerabilidade que trazia.

Depois de ser atendida por uma circunspecta enfermeira, que mal teve oportunidade, abandonou o quarto, alguém bateu à porta, espreitou e entrou.

Um homem moreno de idade avançada, estatura baixa, simples e bem-disposto abordou-a:

− Bom dia! Eu sou o Pablo, amigo do João Romilheiro.

Bom dia. respondeu a cantora em tom baixo, observando os modos desprendidos do idoso e sentindo dentro de si algo muito familiar a despontar, porém sem conseguir claramente recordar-se onde tinha experimentado essa sensação tão envolvente e calorosa. Não sabia ainda definir muito bem o que era.

Ele puxou uma cadeira para junto da cama e ficou a fitá-la, em silêncio, com a sua inconfundível expressão bondosa e neutra, isenta de julgamentos.

O seu olhar era tão intenso que a doente baixou o seu, com intenção de esconder o seu âmago, achando que estava a ser alvo de estudo. Além disso, detestava passar por fraca e recordou-se que a cena ocorrida com Romilheiro era algo para esquecer e para não se repetir nunca mais, mesmo se eventualmente João puxasse o assunto no futuro.

Ainda que Pablo não pudesse ler os seus olhos, continuou calado e generoso, conservando o brilho no olhar, fixando-a.

Como esta situação estava a ficar constrangedora, Maria Eduarda dirigiu o olhar para ele, com intenção de lhe dizer algo desagradável e afastá-lo, mas a sua visão ficou presa à dele e acabou por se render desarmada a uma recordação que lhe surgiu repentinamente na sua mente: viu-se em criança com um senhor amável que a levava a comer algodão doce e a transportava às cavalitas, numa feira de diversões. Identificou-o de imediato – era o seu pai!

Esta memória tinha-se apagado literalmente! Não se lembrava de ter conhecido o pai, que morrera num acidente de trabalho num prédio em construção, quando tinha três anos. A mãe falecera durante o parto, ficando sozinha com a tia, solteirona, que lhe batia constantemente e afirmava que ela era uma menina má.

Lágrimas começaram a emergir. Cerrou as pálpebras e permitiu que aquelas escorressem, molhando a gaze que lhe cobria as faces. Levantou de novo o olhar para o idoso, buscando apoio.

Dentro dos olhos dele leu algo muito profundo que a deixou completamente siderada – era um olhar de perdão. Ele estava a perdoar tudo, como se fosse ela mesma a fazê-lo a si própria!

Chorou copiosamente, sem que qualquer um trocasse uma palavra, nem se tocasse.

Unicamente...

Olhos nos olhos...

Dois seres semelhantes. Iguais!

Ele era ela...

Ela era ele...

Um só!

Exclusivamente!

A dado momento, reparou que as mágoas a abandonavam e os medos desapareciam radical e definitivamente. 

No final deste processo, apenas restou uma imensidão leve, infinita, que a orientava em todas as direções. Era uma expansão desmedida, sem restrições, nem limites, onde nem mesmo a cantora e o idoso existiam naquele momento. O nada e o tudo estavam presentes ao mesmo tempo, sem individualismos. 

Uns segundos depois, este estado transportou-a para uma tranquilidade como nunca tinha sentido igual.

Deitou a cabeça para trás e fechou os olhos completamente relaxada, adormecendo de imediato.

Pablo sorriu, arrumou a cadeira e saiu do quarto descontraidamente.

Quando Maria Eduarda acordou, duas horas depois, pensou que tinha tido um sonho. O certo é que algo mudara dentro de si. A tristeza perecera e o medo, se não em todo, pelo menos grande parte dele, transformara-se em qualquer coisa suave que ainda não conseguia rotular. Na verdade, sentia-se... venturosa!

Uns dias depois, Beatriz e Daniel passeavam, de mãos dadas, na mata da propriedade dele.

Ambos procuravam passar a maior parte do tempo na companhia um do outro. Era certo que sempre que chegava a noite e ambos paravam os seus afazeres profissionais, estando cada um na sua casa, vinha a saudade do outro.

A jovem fitou-o e o parceiro percebeu aonde ela queria chegar. Não havia necessidade de palavras.

Com um sorriso nos lábios olhou a namorada bem fundo nos olhos e indagou:

– Beatriz, aceitas morar comigo?

A jovem riu-se enternecida: a perspicácia dele era admirável. Feliz e com humor, replicou:

– Amanhã?

– Quando quiseres, querida. Até que enfim!

Mais à noite, em casa de Luísa, Beatriz avisou-a das suas intenções.

– Vou sentir tantas saudades tuas! – lamentou-se a cantora.

– Podes visitar-me quando quiseres, minha amiga!

– Não vai ser a mesma coisa.... Adiante! Quero é que sejas tão, ou mais feliz, se é que isso existe, do que eu!

– Que duas! Tivemos muita sorte em encontrar os nossos queridos. Não imaginávamos que tal fosse acontecer e logo às duas quase ao mesmo tempo!

– Pois é! Agora, tenho uma dica a dar-te.

– Sim? Qual é?

– Lembro-te que tens de avisar o Rui com pelo menos um mês de antecedência.

– Eu sei, mas não te preocupes, eu pagarei a renda durante o tempo obrigatório, mesmo que não esteja aqui.

– Certo.... Contudo, tenho uma imposição.

– Diz lá...

– Vamos organizar a tal festa, que tínhamos combinado quando vieste para cá, nos nossos jardins? Será a tua despedida. Que me dizes?

– Olha, até que acho muito boa ideia!

– No próximo sábado, daqui a oito dias, seria o ideal. Na terça-feira começam as nossas férias do Conservatório. Ficaríamos com tempo para organizar tudo. Será que o Daniel está de acordo?

– Penso que sim. Vou saber...

Quando desligou informou:

Não só concordou como quer também fazer parte da organização!

– Fantástico! Vamos começar por fazer uma lista das pessoas que nos interessam convidar, para garantir que estejam presentes?

– Sim!

Dali a uma semana, os convidados começavam a entrar nos jardins das duas casinhas geminadas.

Tratava-se de um grupo restrito, porém escolhido a dedo. Em pouco tempo, uma animação genuína e contagiante propagou-se no ambiente.

Os jardins, ligados por uma cancela aberta, albergavam dois tipos de espaços lúdicos. O dos mais novos, junto da casinha de Beatriz, contendo jogos, balões e cadeiras para o sarau musical e o dos adultos, no recinto de Luísa, com uma comprida mesa corrida onde iriam ser servidas as iguarias de um lanche-ajantarado.

As duas Manuelas entenderam-se de imediato sem reservas, conversando, animadamente, uma sobre a filha e a outra sobre o neto e os respetivos progressos educativos das duas crianças.

António divertia-se a trocar informações sobre animais selvagens e plantas medicinais com Rui, que sempre que podia, ia desviando os olhos para a Manuela mais nova, a mãe de Sofia, que acabara de conhecer ali. Ela também ia espiando aquele senhor de ar agradável que a observava constantemente, sorrindo-lhe de vez em quando para encorajar uma aproximação.

Maria e Pablo entabulavam conversa, amigavelmente, com a colega do conservatório comum das anfitriãs – Andreia, que vinha acompanhada do marido – sobre os gémeos, aconselhando entusiasticamente o casal, segundo a experiência que possuíam com os seus três netos.

João e Daniel combinavam entre si a parte musical e poética da festa.

Beatriz e Luísa atarefavam-se para que tudo estivesse pronto para o banquete campestre.

Na secção dos mais novos, Sofia e Miguel nomearam-se responsáveis pelos dois gémeos, uns desalmados a correr por todo o lado, derrubando cadeiras e arrebentando balões. Com esta perspetiva nova, uma vez que não tinham a experiência de partilharem o tempo e o espaço com irmãos, decidiram – apenas naquele momento – nunca vir a casar, nem ter filhos, fosse entre si ou com terceiros, pois constataram que as crianças eram, realmente, muito trabalhosas.

A sorte deles surgiu, um pouco mais tarde, com Pablo e António, enquanto as mulheres se entreajudavam a pôr as travessas na mesa. Os dois idosos ofereceram-se para lhes contar estórias e algumas anedotas infantis até irem para a mesa, aliviando a carga dos miúdos mais velhos, os quais se esparramaram no solo relvado, inteiramente derreados, contudo atentos ao que estava a ser narrado.

O pai dos gémeos, um homem pacato e portador de algumas olheiras pela privação de sono, não escondia a adoração que nutria pela família. Ia observando com muito agrado a cena, pelo descanso que lhe era proporcionado por aquela simpática gente.

O avô António protagonizou o encerramento:

– Aqui vai a última anedota, para irmos comer:

«Numa loja de animais um homem vê um papagaio com um fio vermelho atado à pata esquerda e um fio verde atado à pata direita. Resolve perguntar ao dono da loja o significado dos fios.

Este é um bicho muito bem treinado - explica o dono. - Se puxar o fio vermelho, fala francês, se puxar o verde, fala espanhol.

E o que é que acontece se puxar os dois ao mesmo tempo? - pergunta o homem com curiosidade.

Guincha o papagaio:

Caio do poleiro, palerma!»

Ouviram-se gargalhadas frescas das crianças mais velhas, imitadas pelos mais novos que não tinham entendido lá muito bem o significado da estória, mas se era para rir, ali estavam eles também a aderir, fazendo pantominices para dar mais ênfase.

– Venham, meus queridos. Está na hora! – avisou Luísa.

Gritando, numa correria, os dois mais novos chegaram primeiro ao repasto.

Quando o sol se pôs algum tempo depois, um clarão iluminado por velas sobre a mesa e tochas espalhadas pelos dois jardins acolhia um grupo exultante, agora sem a presença dos mais pequeninos. Uma hora antes, os gémeos, nas suas confortáveis cadeirinhas suspensas ao nível da mesa, tinham adormecido sobre os pratos malcomidos, sendo depois levados para o sofá da sala de Luísa para usufruírem de um sono mais descansado.

O serão artístico encantou a plateia, com poemas, flauta, canto, viola e percussão a acompanhar, finalizando com uma dança de ritmo acelerado, da autoria de Daniel, tocada por ele próprio na gaita-de-foles.

Mesmo com o altíssimo ruído, os gémeos continuavam a dormir serenos, para desagrado dos progenitores, que certamente os teriam à perna logo de madrugada.

Os únicos vizinhos da rua, dois discretos casais agricultores de meia-idade, cuja presença não foi descurada para as sobremesas e para o sarau, aceitaram de bom grado o convite, já que não podiam ir descansar com o horário das galinhas, tal era o bulício provocado pelos artistas.

Quase no final da festa, após a saída dos vizinhos, Beatriz acercou-se de Maria que apreciava umas roseiras perto do muro, sorrindo-lhe e afirmando:

– Minha querida amiga, ficar-lhe-ei grata para sempre!

– Gosto muito da sua amizade, Beatriz, mas peço-lhe para não ficar assim tão grata. Eu é que tenho de lhe agradecer! Vou explicar-lhe: sempre que vejo que alguém necessita da minha ajuda, preciso mesmo de a dar, caso contrário fico muito incomodada. Como tenho de deixar a pessoa livre para escolher, muitas vezes, quando a pessoa em questão não quer a minha intervenção, sou obrigada a afastar-me e a fazer as minhas "purificações" pessoais.

– Não sabia! Não deve ser nada fácil ter de falar às outras pessoas sobre estas coisas...

– Com a velhice tudo fica mais fácil. Quando era nova sofri muito, realmente, tenho de admitir. O Pablo apoiou-me muito! Conhecemo-nos desde a adolescência.

– O Pablo também tem o mesmo dom?

Não. Somos muito diferentes – sorriu placidamente – tivemos de aprender a dar espaço um ao outro...

– São um casal maravilhoso! São o meu modelo.

– Muito amor é a dose... entre nós e por tudo o que nos rodeia. Aquele amor repleto de compreensão ao mais alto grau! – riu-se luminosamente.

– Mas, o Pablo também ajuda pessoas, assim como a Maria?

– Sim, muito também! O Pablo tem outro ponto de vista, digamos mais abarcante, se assim poderei afirmar. Utiliza o silêncio para apontar às pessoas o caminho da "Tranquilidade Absoluta".

Beatriz interpretou, neste esclarecimento, que se trataria de um acompanhamento das pessoas que estão prestes a falecer. Talvez Pablo ajudasse as pessoas a passar para o outro lado.... Tinha lido algures que havia pessoas que faziam isso.

Ia precisamente confirmar com a amiga, pedindo para se explicar melhor, quando foi interrompida por Daniel e Pablo que se aproximavam nesse preciso instante, tendo estes ainda ouvido a afirmação de Maria.

– Estão a falar de mim? – indagou o alvo da conversa, colocando o braço por cima dos ombros do amor da sua vida.

– O que a Maria disse é mesmo verdade! Eu senti isso com o Pablo, no outro dia, em casa do João! – confirmou Daniel, animado.

Beatriz obteve, aqui, a resposta à sua dúvida. Resolveu vir a saber pormenores junto do seu querido, mais tarde, sobre essa "Tranquilidade Absoluta" que afinal era também para os vivos, no entanto, não foi capaz de conter uma observação proveniente de um pequeníssimo ciúme despoletado pela sua insegurança, queixando-se:

– Não comentaste nada comigo sobre esta experiência com o Pablo...

– Já sabes que sou parco de palavras, meu amor! – rematou o visado, transmitindo integridade, não alimentando o emocional da namorada.

– Pois.... Estás mais próximo do silêncio, então – aceitou ela, rindo-se interiormente de si mesma por impeticar com ele injustamente, metendo o braço no dele e encostando carinhosamente a cabeça no seu ombro. Logo depois, voltou-se para a senhora idosa, com ar mais sério:

– Maria, a mulher que supostamente encomendou o bruxedo contra mim teve um percalço muito grande. Será que foi causado pela limpeza que me fez? Isto incomoda-me... não me sai da cabeça!

Ela e Daniel contaram, por alto, a cena havida com a gineta na casa do compositor.

– Não... O que fizemos foi apenas proteger a Beatriz. Quanto ao resto não sei... isso ultrapassa-nos...Não tem nada a ver com o que fizemos.

– Não se preocupem. Essa questão está quase sanada! O tempo fará o resto... – adiantou de imediato o idoso.

Os outros fitaram-no sem entenderem, incluindo a própria mulher que estava habituada ao sigilo das ações do companheiro.

– Digamos que... esta jovem recebeu uma dádiva e a acolheu na perfeição... – explicou enigmático.

Surgiu uma pausa, na qual os presentes continuaram à espera do desvendar do mistério que, desconsoladoramente, permaneceu no segredo da postura impávida e serena de Pablo, que os olhava sorrindo.

Beatriz cortou o silêncio:

– Ainda bem! Tirou-me um peso de cima!

– Perfeito!... se bem que nalgumas outras situações, e tal... penso que talvez a Beatriz não queira isso... – afirmou o idoso mantendo uma expressão aparentemente neutra, não condizente com o seu olhar que era nitidamente brejeiro.

Maria riu-se, bem-disposta, piscando o olho à rapariga, que corou.

Daniel, divertido, ajudou no gracejo, fez uma carícia à amada, que candidamente mantinha as faces coloridas, afirmando risonho:

– Não convém... realmente, não convém. A minha Beatriz aguenta-me muito bem, aliás, aguentamo-nos os dois, um ao outro, na perfeição.

Romilheiro, observando o grupo rindo ao fundo do jardim, juntou-se prazenteiro e convidou com voz bem projetada para chegar aos ouvidos de toda gente:

– O próximo encontro, com todos os presentes, vai ser na minha casa! Quando será mais conveniente para todos?

A animação geral voltou a crescer com as sugestões que foram surgindo.

Num banco de jardim do parque próximo de sua casa, numa manhã soalheira outonal, Maria Eduarda observava uma infinidade de coisas que lhe tinham escapado até aí.

Pessoas conversando e passeando satisfeitas, alguns grupos de desportistas praticando entusiasticamente ginástica, ciclismo, corrida e até a vegetação circundante lhe parecia estar mais atuante, embora aquela estação do ano fosse caracterizada por um movimento de retorno, preparando-se para a hibernação a ter lugar daí a poucos meses e após a qual daria lugar um novo ciclo de renascimento primaveril.

Era um novo mundo que agora alvorecia para ela.

As cicatrizes do rosto e das mãos estavam quase impercetíveis graças a duas operações plásticas bem-sucedidas.

Voltara a cantar, retornando com uma força redobrada pela arte, acrescida de uma sensibilidade que nunca tivera antes.

Segundo Romilheiro, a artista estava no auge do seu talento e em pouco tempo os Red Velvet atingiriam o topo das suas carreiras.

Os seus colegas, a princípio, dificilmente conseguiram reconhecer a nova faceta da personalidade da cantora, muito mais acessível e colaboradora. Deixara de ser a tirana do grupo, embora de vez em quando uma ou outra irritação voltasse a aflorar, todavia logo sanada pela própria ao verificar o ridículo da sua atitude.

Maria Eduarda nunca havia comentado com João a conversa sincera desenrolada entre ambos, no hospital, onde mostrara toda a sua fragilidade e sobre a qual já pouco se recordava, uma vez que o seu intuito era mesmo esse, que a revelação honesta das suas emoções ficasse perdida nos confins do esquecimento de ambos.

Ao longe, para além da ciclovia, um casal de idosos passeava de mãos dadas, na parte pedonal junto da mata, apreciando as árvores e as crianças.

– ¿Maria, sientes necesidad de volver a nuestra patria?

– ¡Sí claro que sí! Pero mi hogar es dónde estés tú, Pablo!

– ¡Te amo, cariño!

Maria Eduarda, que possuía uma visão apurada, pousou o olhar neles e teve um súbito sobressalto.

O senhor era a personagem do sonho que tinha tido no hospital, o qual transformara o seu modo de agir e de pensar!

Confusa, levantou-se e foi a coxear ligeiramente para os intercetar, contudo, um grupo enorme de ciclistas de cores berrantes rasou-a célere, impedindo a via e impossibilitando a sua passagem.

Quando pôde finalmente efetuar a travessia, alguns largos segundos depois, não avistou mais o casal naquela amálgama de gente.

Esboçou um ligeiro sorriso, zombando de si mesma pela precipitação.

Com certeza tinha imaginado que era ele. Afinal, aquela figura fazia parte de um sonho, como poderia aquele homem existir!?

No dia seguinte, Maria Eduarda entoava, num concerto dos Red Velvet, a última música do reportório daquela noite.

Ao cantá-la tomou, finalmente, consciência do significado dos versos.

Feliz, continuou a cantar maravilhada o refrão da canção – o único poema que fora criado por Daniel para o grupo:

Deixa a tristeza ir,

Só tens de anuir.

Permanece leve,

Numa ação breve.

Solta até ao zero,

Sem desespero.

Aceita o momento,

Sem discernimento.

Abre-te ao desconhecido,

Mesmo sem sentido.

És o Tudo e o Nada,

Visão afortunada.

A muitos quilómetros de distância, Luísa, João, Beatriz e o seu querido encontravam-se na plateia de um afamado espaço de concertos, em Amesterdão, para assistirem ao segundo recital das músicas de Daniel.

Muito aclamado, o primeiro concerto, realizado no dia anterior, fora um sucesso. Este teria, sem dúvida, o mesmo acolhimento.




FIM

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