A Ordem: O Círculo das Armas

By TattahNascimento

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A Ordem é uma irmandade milenar, cujo objetivo é oferecer conforto, cura e proteção as pessoas. Seus membros... More

Prólogo
A Ordem
A Hospitalidade
A Mão Assassina
A Família
O Guerreiro dos Mares
Uma Marca de Morte
Um Amuleto de Sangue
Nebulare
Analyn
Auriva
Maxine
Florinae
Vermelho
Castir
Zarif
Azul como o mar
O palácio do sul
Flyn
Manir
Sangue Deminara
Lunar
O círculo
Ishtar
Fios de luz e união
Dashtru
Naria
Assassino
Laio
Valesol
Sob a luz do luar
Traiçoeiro
O poder de um Castir
Sombras
Reencontro
Bórian
Érion
Tucsianas
Colina Merida
Em meio à tempestade
O sinal verde
Lâminas de Ar
Adeus
Depois da tempestade
Portões Abertos
Mirides
Nikal
Zefir
Firense
A cor do círculo protetor
O inimigo é a Ordem
Sobre mentiras e traições
Branco e Vermelho
Spectu to Castir
O círculo do fogo
Caixão de Ar
A voz da terra - [FINAL]

A Lenda

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By TattahNascimento


*

Marie sorria, embalada pelo aroma do ensopado no fogo e o bom humor de Lenore. Naquele momento, o cozinheiro a divertia contando histórias constrangedoras de sua infância.

Ela ajudava Tyene a descascar batatas. Uma tarefa que, havia muito tempo, não desempenhava. Mas ainda estava brava com Virnan e qualquer oportunidade de afastá-la de seus pensamentos era bem-vinda.

— O que a está chateando, Mestra? — Lenore indagou suavemente, enquanto Tyene franzia a testa, que mal era vista debaixo dos cabelos volumosos e rebeldes.

A ordenada largou a faca e a batata que descascava, encarando o rosto magro e bondoso do homem, que lhe sorria gentilmente. Percebeu que a pergunta foi proferida por pura preocupação e não por uma indiscreta necessidade de satisfazer a curiosidade que o tomava.

Tomou um alento.

"Tenho um pouco de dor de cabeça." — Respondeu.

Não era mentira. De tanto pensar em Virnan, sentia-se esgotada. E pensar que, naquela manhã, mal podia conter a ansiedade de reencontrá-la. Agora, tudo o que desejava era passar o resto do dia sem esbarrar com ela pelos corredores do castelo.

— Farei um chá. — Lenore se prontificou e ela forçou um sorriso de gratidão.

A chuva começou a cair meia hora antes. O som dos trovões estremeciam as paredes e os raios iluminavam o ambiente a cada instante.

— Essa tempestade está começando a me assustar — Tyene comentou, notando a chegada silenciosa de Virnan, que recostou-se na madeira da porta, displicentemente.

Sua chegada espalhou o perfume de florais pelo lugar, misturando-se ao cheiro dos condimentos e do ensopado. A certeza do banho recente foi acentuada pelos cabelos úmidos e a vestimenta limpa.

Quando não estavam em uma missão no continente, os membros da Ordem usavam túnicas de algodão brancas, excetuando os novos ordenados, que deviam usar vestimentas cinzas durante todos os anos de treinamento. A faixa colorida na cintura revelava sua posição na hierarquia e a que classe pertencia, de acordo com o tipo de bordado dourado que as enfeitava. Circular para a terceira classe, triangular para a segunda e quadrada para a primeira.

Virnan era uma guardiã de segunda classe.

Marie passou a dedicar uma severa atenção às batatas, após perceber a presença dela que, para aumento do seu desconforto, se aproximou da mesa e largou-se em um dos bancos. Com um jeitinho metido, tomou um par de cenouras próximo a pilha de batatas, no centro, e catou uma das facas largadas sobre a mesa.

— Me alegro em revê-la, Guardiã Virnan! — A ajudante de cozinha falou, com um sorriso largo. Era fato conhecido que admirava a mulher e se inspirava nela o, que para alguns, era sinônimo de falta de sensatez.

A guardiã lhe sorriu de volta, mordendo uma das cenouras que descascou.

— Também é bom revê-los. — Voltou-se para o rosto corado e sério de Marie.

Ela sequer lhe cumprimentou, e pelo modo como sua faca decepava a casca das batatas, estava claro que ainda se encontrava chateada. Virnan achava aquela fúria cômica, embora se esforçasse para não deixar isso claro para ela e, assim, aumentar sua raiva.

— Nunca vi uma tempestade assim — Tyene comentou, e quase saltou do banco quando a porta que levava para o exterior abriu-se de supetão.

Um raio iluminou o rosto bochechudo do homem sob o umbral. Ele entrou, fechando a porta com dificuldade, graças ao vento forte. Retirou a capa encharcada e pendurou próximo à entrada. Era roliço como um barril de vinho, e as botas molhadas fizeram um som engraçado quando buscou lugar junto ao fogo.

Lenore despejou um pouco de chá em um copo e lhe entregou.

— Esta será uma noite difícil — disse ele.

Embora ainda estivessem no meio da tarde, estava claro que a tormenta se estenderia até o próximo dia. O homem concordou, tomando um gole da infusão.

— Nunca vi uma tempestade assim — Tyene tornou a repetir, como se somente aquele assunto a interessasse no momento.

Simás, assim se chamava o recém-chegado, enfiou uma das mãos entre os cabelos fartos e molhados. Agitou os fios, derramando algumas gotas de água no chão, e tomou outro gole da bebida.

— Então, prepare-se, pois vai piorar e muito — ele proferiu com voz rouca.

— Como assim?

O irmão da Ordem deixou-se cair pesadamente em um dos bancos em volta da mesa.

— A tempestade é o primeiro sinal de que o Cavaleiro Vermelho despertou para cobrar o sacrifício que lhe é devido. Já está em tempo disso ocorrer.

Deslizou o olhar pelos presentes e balançou a cabeça.

— Vocês são jovens demais — constatou, fazendo parecer que isso era uma terrível falta.

Marie encerrou sua tarefa e o mirou, curiosa. Satisfeito pela atenção que cativou, o homem continuou:

— Eu ainda era um menino quando ele despertou da última vez. Meu avô me contou as histórias. Ele "viu" dois despertares. A mudança no clima é o primeiro sinal. Depois, a caça irá sumir e as lavouras secarão. Criaturas estranhas irão despertar e trarão morte e destruição consigo. Isso e muito mais acontecerá, até que o sacrifício seja feito e sacie a sede do Cavaleiro. Espero que, desta vez, ninguém o confronte.

Somente os trovões e o som da cenoura sendo triturada pela mandíbula de Virnan, interrompiam o silêncio que se seguiu. Lenore balançou uma colher de pau no ar.

— Meu pai contou que, no último despertar, alguns guerreiros tentaram matá-lo. E como punição pelo seu atrevimento, ele destruiu o reino de Caeles. Isso foi há cinquenta anos, mais ou menos.

Simás balançou a cabeça.

— Dizem que o fogo do dragão ainda arde nas ruínas da cidade. Meu irmão caçula afirma ter visto a fumaça quando passou por aquela região, em direção a Glacie. Disse não ter tido coragem de ir até lá, mas alguns mercadores lhe contaram que à noite é possível ouvir os gritos de agonia dos mortos.

A mão de Tyene tremia, ao mesmo tempo em que engolia em seco. Ela perguntou:

— Por que o Cavaleiro exige um sacrifício?

Simás tossiu forte, fungou e emborcou o restante do chá goela abaixo. Fez um gesto, suave demais para um homem daquele tamanho, e Lenore tornou a encher o copo.

— Nunca ouviu a lenda, jovem?

A garota corou.

— Ouvi muitas histórias, Irmão. Todas têm motivos e finais diferentes. Não sei em qual acreditar.

— Pois bem! Irei lhe contar a verdadeira. — Ele fungou de novo.

Uma risada cresceu no ambiente. Simás e os outros encararam Virnan, cujo rosto era puro sarcasmo.

— Qual a graça, Guardiã? — Ele quis saber com uma carranca.

Os dedos dela tamborilaram na mesa. Depois brincaram com a faca que utilizou para descascar a cenoura.

— Se existem muitas versões, Irmão Simás, como sabe que a sua é a verdadeira?

O homem ficou violentamente rubro e emudeceu por alguns instantes.

— Porque... porque...

Ela se pôs de pé, dando de ombros.

— Não me entenda mal, não quis ofendê-lo. Não importa qual das versões está correta, não é mesmo? O Cavaleiro será sempre o vilão. — Deu outra mordida na cenoura que havia deixado de lado, enquanto falava.

Ela não sorria mais e a ruguinha carregada de ironia, que sempre adornava sua boca, tinha desaparecido. Aproximou-se do fogo. Simás concordou, balançando o rosto rechonchudo à medida que deslizava os dedos roliços pela faixa roxa na cintura.

A Ordem permitia a progressão para círculos mais complexos, onde era possível adquirir novos conhecimentos e habilidades, mas Simás não fazia o tipo ganancioso e não desejava ir além da segunda classe do círculo fraterno. Gostava de ajudar as pessoas e aquela classe lhe permitia o contato direto com os enfermos e necessitados.

Largou a faixa e retornou a atenção para a mesa.

— Por favor, Irmão Simás, continue. — Tyene pediu.

Ele limpou a garganta para iniciar a narrativa, lançando um olhar para a guardiã, que deu de ombros.

— Já ouviu falar nos florinae?

A garota confirmou.

— Dizem que foram os primeiros habitantes desse mundo — disse ela.

"Na verdade, eles vieram depois. Os primeiros habitantes foram os enaen."

Marie explicou, e suspirou quando percebeu que não lhe entenderam bem. Virnan traduziu, repetindo cada gesto que ela fez, enquanto pronunciava as palavras relacionadas.

— Desculpe, Mestra Marie, ainda não consigo compreender bem o que diz. — Ruborizou a ajudante de cozinha. — Mas se tiver um pouco de paciência, prometo me esforçar para aprender.

Marie lhe sorriu, satisfeita.

— Os florinae ou floras eram descendentes dos enaen e dos humanos. Uma raça mestiça. — Virnan explicou, repetindo as palavras através de gestos, que a moça acompanhava atentamente.

Fazia devagar, pois sabia o quanto era difícil para Marie se comunicar com os demais membros da Ordem e sempre se esforçou para ensinar o que podia a quem se interessasse. Contudo, achava irônico que uma irmandade que pregava a ajuda ao próximo, não se importasse em aprender a se comunicar melhor com seus membros.

— Eles eram mais próximos dos humanos fisicamente. Contudo, herdaram a magia dos enaen — concluiu.

Satisfeito pela explicação, Simás deu prosseguimento a história:

— O Cavaleiro Vermelho também é conhecido como Príncipe Dragão. Reza a lenda que ele era um príncipe flora e amava a rainha de seu povo, mas ela não correspondia esse amor.

— Que triste — Tyene balançou a cabeça.

— Ela tinha dado o coração a um humano. Entristecido pela rejeição, o príncipe se entregou aos ciúmes. Certo dia, ele discutiu com o rival e a rainha partiu em defesa de seu amor. Carregado de ódio, ele planejou a morte do humano.

— Que horrível!

— Mesmo em seu luto, a rainha amava a vida. Em vez de sentenciá-lo à morte por seu crime, ela o exilou. Afastado de seu povo e isolado do resto do mundo, o príncipe vagou pelas florestas mágicas de outrora, aumentando seu ódio e desprezo pelos humanos, por seu povo e, sobretudo, pela rainha que o rejeitou. Ele se abrigou nas cavernas próximas ao que um dia foi o Reino de Caeles. Lá, ele passou anos aumentando a força da sua magia que, ainda assim, era ínfima, se comparada a da rainha.

Virnan se aproximou da mesa, catou outra cenoura e voltou para junto do fogo.

— Essa é minha parte favorita — comentou, irônica.

Irmão Simás fingiu não a ouvir e ignorou o risinho afetado que visitou os lábios dos presentes.

— Um dia, ele resolveu explorar as cavernas e caminhou, cada vez mais para as profundezas da terra, onde o ar era pouco e o calor sufocante, e se deparou com a criatura mais maléfica que já andou neste mundo. Um dragão. Ele era o último de sua espécie e hibernava há milhares de anos, esperando o dia em que retornaria à superfície e destruiria o mundo que matou seus irmãos e irmãs. Quando o príncipe se aproximou, ele despertou. Quis matá-lo, mas havia algo de diferente naquele flora. Ele odiava e tinha tanta escuridão dentro de si, que o dragão o deixou viver, apenas pela curiosidade que o tomava. Perceberam que tinham algo em comum e acabaram se unindo. O príncipe ofereceu seu coração para aquele ser, em troca de magia. O dragão aceitou e ele teve todo o poder que desejava para dar vida às criaturas que esculpia nas paredes das cavernas. Séculos depois, tinha um exército. Havia chegado a hora de vingar-se.

Um trovão interrompeu o relato, e Simás pediu mais um pouco de chá a Lenore, antes de continuar.

— O príncipe marchou para a floresta sagrada que seu povo habitava e destruiu tudo e todos pelo caminho. Pega de surpresa, a rainha organizou a defesa de seu reino, mas já era muito tarde. Em uma luta desesperada, ela enfrentou o príncipe. Ela possuía a espada mais poderosa do mundo, dada pelo último rei enaen antes que seu povo partisse deste mundo. Aquela espada era uma matadora de dragões. Apesar de poderosa, a rainha não foi páreo para a magia antiga do dragão, aliada à do príncipe. Durante o confronto, o príncipe lhe tirou a espada e atravessou seu coração com ela. Enquanto morria, a rainha assistiu à destruição de seu povo. Foi empalada numa árvore pelo homem que lhe jurou amor eterno e que, depois, caminhou pelo campo repleto de corpos e pela lama cheia de sangue.

Cofiou a barba mal aparada, avaliando os ouvintes.

— Dizem que ele não olhou para trás. Que retornou para a caverna e para o dragão.

— Mas por que ele exige um sacrifício? — Tyene insistiu.

Simás se empertigou sobre o banco.

— Existem muitas versões. Uma delas é a de que ele dormiu por mil anos e, quando acordou, sentiu-se solitário. Um dia, uma jovem de uma aldeia próxima se perdeu na floresta e abrigou-se na caverna. O príncipe a encontrou e desejou. Quando seus familiares foram à sua procura, ele não os matou, mas causou tanta destruição quanto foi possível. Então, para não o fazer novamente, exigiu um sacrifício a cada cinquenta anos.

— E é aí que a coisa fica ainda mais mal contada. — Virnan voltou a sentar-se, com ar de troça, mas Irmão Simás foi obrigado a concordar, embora lutasse contra a vontade de revirar os olhos para ela. — Convenhamos, todas as versões dessa história são poços cheios de contradições. Perdão, Irmão Simás, mas isso tudo não passa de crendice.

O homem ficou terrivelmente vermelho, tamanha era sua contrariedade.

— Quer dizer que não acredita no dragão? — Perguntou com voz falha.

Ela mastigou, devagar, o último pedaço de cenoura. Finalmente, Marie ousou olhá-la e, por um breve instante, os demais ocupantes da cozinha desapareceram. Era quando Virnan a olhava daquela forma, que deixava de enxergá-la como uma brincalhona e perguntava-se se os sentimentos, que ela afirmava ter, eram reais.

A guardiã limpou a garganta e dirigiu-se à Simás.

— Pelo contrário. O dragão é bem real; não fosse assim, não haveria a necessidade de sacrifícios e Caeles não seria um amontoado de cinzas. Entretanto, também acredito que a verdadeira história dele e seu príncipe se perdeu. O que ouvimos, hoje em dia, de seus lábios e tantos outros mundo afora, não passam de ecos de um passado distante e alegorias oriundas dos nossos medos.

Descansou o queixo na mão.

— Não tome o que digo como um insulto, Irmão Simás. É apenas o que penso.

Contrariado, ele se ergueu. Pediu licença e saiu, alegando ter muito a fazer antes do anoitecer.

"Isso foi desnecessário e grosseiro!"  — Marie ralhou.

Virnan se pôs de pé e seguiu para a porta, também. Falou por sobre o ombro:

— É por causa de pessoas como ele, que esse cavaleiro e seu dragão têm tanto poder. — Girou sobre os calcanhares. — Não se zangue porque disse o que penso. Além disso, a versão que você me contou é mais divertida e romântica.

Sorriu de lado e saiu.


**

Virnan deixou-se afundar na cadeira.

Ela fitou a mulher do outro lado da mesa com um sorriso zombeteiro. Endireitou-se, quando esta demonstrou desagrado pelo seu desleixo, e bebericou um pouco do líquido fumegante na xícara à sua frente.

A grã-mestra a tinha convidado a se apresentar em sua biblioteca particular. Como era de costume, esperava um relatório detalhado de sua missão, então se pôs a narrar os acontecimentos que considerava importantes.

Obviamente, Petro já tinha feito seu relatório e deixado uma extensa lista de reclamações sobre a sua pessoa, mas isso não lhe importava. Pelo contrário, a divertia.

— Mestre Maquias me escreveu dizendo que tinha dez candidatos para a Ordem. Vocês regressaram com três. — Observou Melina, ao fim do seu relato.

— Eles não eram adequados — soprou a fumaça do líquido e tomou outro gole, com um gesto displicente.

— O Guardião Petro parece discordar — Melina depositou sua xícara sobre a mesa, atenta a janela cerrada, que tremia com a força da tormenta que atingia a ilha. A chuva desabava forte, enquanto o vento açoitava as árvores no pátio e agitava as ondas na praia.

— Não havia paz naqueles homens — Virnan justificou com um dar ombros. Parecia estar sempre à espera de algo para fazer troça, mesmo quando falava sério, como naquele momento.

— Não havia paz em você também, quando nos procurou. — A superiora recordou, perspicaz.

Seus dedos deslizavam, omissos, pela madeira da cadeira que ocupava. Voltou-se para a face jovem. Por alguns instantes, teve a impressão de que conversava com uma mulher diferente, tamanha era a seriedade que o semblante dela demonstrava. Mas quando piscou, era a Virnan de sempre que a encarava de volta.

A janela abriu-se, de repente.

O vento e a chuva entraram, arrastando papéis para o chão, abrindo livros e agitando o fogo do braseiro no canto mais afastado da sala, onde seu calor não podia tocar as estantes repletas de livros e pergaminhos. O mesmo ocorreu com as velas no castiçal sobre a mesa, que foram acesas, graças a ausência da luz solar, apesar de ainda ser o meio da tarde.

A protetora fechou a janela, certificando-se de que o ferrolho estava bem preso, então auxiliou a grã-mestra no trabalho de recolher os papéis.

— Era diferente. — Falou, colocando um livro sobre os papéis que pegou, e voltou a sentar. — Minha alma estava marcada pela dor das tragédias que vivi.

— Estava?

A idosa tinha regressado à cadeira e retomado a xícara nas mãos. A sobrancelha esquerda elevou-se em meio à fumaça que se erguia do líquido.

— Interessante escolha de palavras.

Apesar de aparentar ser alguém fácil de decifrar e do humor que, nem sempre, agradava os companheiros da irmandade, Virnan era um mistério. Jamais falou de onde vinha e o que lhe aconteceu para se achar tão ferida quando a encontraram, próximo às ruínas de Caeles, doze anos antes.

A moça molhou os lábios com a ponta da língua, balançando os ombros com delicadeza. Prosseguiu, sem demonstrar interesse em retrucar o comentário:

— Esses candidatos, à primeira vista, eram perfeitos. Todos possuíam aptidão para a magia e eram dotados de dons valiosos... — interrompeu-se, afastando os cabelos que lhe caíram sobre os olhos, e a outra aproveitou a pausa para presumir:

— Sendo alguém que costuma usar de "mentiras" para suas travessuras, conseguiu reconhecer a verdadeira natureza deles.

— Me tem em grande conta, Grã-mestra. — Ironizou, e ajustou a testeira de tecido verde, que sempre usava.

Melina jamais a vira sem aquela fita, mas o objeto mudava de cor e adornos de acordo com sua evolução na Ordem. Àquela era verde com bordados triangulares, assim como a faixa da cintura.

— Apenas, passei algum tempo observando-os. Enquanto Petro seguia as ordens que lhe foram dadas, os instruindo durante a viagem, tratei de tomar outro rumo — concluiu singelamente.

— Imagino que tenha usado seu irritante dom para a discórdia. — Melina observou.

Virnan riu, recostando-se na cadeira e cruzando as pernas. Encarou a parede atrás dela por um momento.

— Posso ter exagerado um pouco. — Reconheceu. — Criei situações "críticas", se é que posso descrever assim.

A superiora brincou com a chama de uma das velas, passando a mão sobre esta e dando-lhe a forma de um pássaro. Arqueou as sobrancelhas, como se estivesse se esforçando para afastar um pensamento. Rugas de um meio sorriso se formaram na pele flácida de suas bochechas.

— Em resumo, você fez o de sempre: os levou ao limite.

— E não é assim que vivemos? — Espreguiçou-se, espirituosa.

Melina ponderou sobre a pergunta, sem concordar ou discordar, e ela deu prosseguimento ao pensamento:

— Estamos sempre no limite. Vamos a guerra e precisamos ser frios para não tomar o partido de ninguém, mesmo diante das atrocidades que cometem. É necessário que haja equilíbrio "entre" e "nos" membros da Ordem.

A idosa concordou, finalmente.

— É quando fala assim, que me pergunto sobre a sua verdadeira natureza. — Deixou escapar, formando vincos profundos na testa. — Quem é você de verdade? A refugiada traumatizada que nos pediu abrigo e cura? A travessa que adora pregar peças em seus companheiros? Ou a guardiã que encontra o equilíbrio diante dos infortúnios de um campo de batalha e ainda é capaz de oferecer um olhar sereno àqueles que necessitam de sua ajuda?

As chamas das velas dançaram, embaladas pelo vento que entrava pela fresta da janela. A luz oscilava, formando sombras estranhas e monstruosas nas paredes, quando tocava os objetos. Até as sombras das duas mulheres pareciam deformadas e fantasmagóricas.

— E se eu for todas elas? — Virnan respondeu, por fim. Descansou o queixo na mão, observando a velha colocar mais chá em sua xícara.

O silêncio reinou, enquanto isso.

— E qual delas acha que ama Marie? — Melina atacou, finalmente.

O ar de deboche da guardiã desapareceu e ela se endireitou na cadeira.

— A Ordem não proíbe o amor... — Melina principiou o discurso que tinha planejado antes da chegada dela, mas a moça a cortou com um gesto.

— Só quero que ela saiba o que sinto, antes que eu tenha de partir — disse.

A velha se recostou na cadeira de espaldar alto. Não esperava por isso, mas em se tratando dela, nunca saberia o que esperar. Contemplou o semblante sério e tão alheio aquela face. Ela não precisaria falar mais nada, o brilho de seus olhos revelava tudo o que necessitava saber. Como nunca percebeu que, por trás dos gracejos e sorrisos debochados, havia um sentimento tão profundo por Marie?

— Ela me olhou exatamente assim, quando revelei meus sentimentos. — Retomou Virnan, tranquila. — Não é algo que eu tenha buscado, apenas aconteceu — afundou um pouco mais na cadeira.

Era a primeira vez que falava sobre isso com outra pessoa que não Marie. Estalou os lábios. Parecia mesmo desacreditar que tinha caído nas armadilhas do coração, contudo mostrou um sorriso branco e largo. Eis que aquele não possuía o costumeiro sarcasmo.

— Antes da Ordem, tive várias aventuras românticas. — Revelou, e fez uma pausa, como se estivesse perdida em tais lembranças.

Melina demonstrou certa descrença diante de sua juventude, mas não ousou expressar isso em palavras. Afinal, Virnan podia mesmo ser mais velha do que aparentava e gostava de afirmar. Fato era que, apesar das traquinagens, em momentos cruciais, ela sempre demonstrou maturidade e frieza para solucionar problemas.

A moça inspirou fundo, mordiscou o lábio inferior rapidamente e continuou:

— Entretanto, sempre foram caprichos do desejo carnal. — Fez nova pausa e corrigiu-se: — Bem, quase todas... Mas, com Marie, as coisas são diferentes. Dela eu quero corpo, alma e coração.

Melina se mostrou comprazida com tais palavras, mas nada disse.

— Ela pensa que é uma de minhas brincadeiras. Talvez seja melhor assim. Será mais fácil quando me for. — Virnan finalizou, com um dar de ombros.

Os passos da idosa soaram arrastados quando se ergueu e deu a volta na mesa. Buscou apoio nesta, ao recostar-se. A idade lhe trouxe a flacidez da pele e dos músculos, mas não afastou sua beleza, apenas a acentuou de uma forma singular e Virnan lhe admirou os traços com fascínio, concluindo que devia ter sido terrivelmente bela na juventude.

— Então, pretende nos deixar de vez?

Casos assim eram raros, mas a Ordem jamais impediu alguém de abandoná-la. Contudo, ao abdicar de sua posição, o membro ainda permanecia ligado ao juramento de ordenado.

— Enquanto a Ordem mantiver seus ideais, meu juramento será mantido e terei orgulho de vestir as cores de um guardião.

— Não entendo. Deseja se afastar por causa de Marie?

Virnan riu.

— Jamais faria algo assim! Não pretendo abandonar a irmandade, apenas desejo reencontrar meus familiares.

Um vinco se formou na testa idosa, externando surpresa.

— Você jamais falou sobre sua família. Presumi que estivessem mortos, considerando a forma que chegou até nós. — Outra vez, pensou ter visto uma expressão incomum nela, mas sumiu rápido demais para que seu significado se fixasse. — Você viveu entre nós por mais de uma década e nunca manifestou interesse em partir. Por que agora?

— E por que não? — Brincou com a ponta da faixa na cintura. — Esse sempre foi meu plano, mas me deixei ficar e envolver pela paz que cultivam e almejam. Conheci Marie... — seu rosto modificou-se, perdendo o ar debochado outra vez.

A superiora cruzou os braços, em um gesto que acentuava a gravidade da frase que proferiu a seguir:

— Marie não foi feita para você, Virnan. Pelo menos, é o que ela pensa e devo concordar. A amizade de vocês é forte, mas isso não significa que possa haver algo mais.

O olhar verde da guardiã se prendeu ao seu, enquanto demonstrava seu ceticismo.

— Já acho o contrário. Marie nasceu para mim, mas ainda não percebeu isso. Entretanto, concordo que não é ao meu lado que deve ficar.

— Você é uma mulher confusa — Melina constatou, ouvindo-a gargalhar em seguida.

— Por que admito o óbvio?! — Balançou a cabeça. — Precisamos trilhar caminhos separados, por isso resolvi lhe falar do que sentia — disse com pesar. — Necessito voltar para casa, ser quem um dia fui.

A conversa começava a enveredar por caminhos escuros e inexplorados, mas Melina queria aproveitar o máximo possível dela, já que Virnan parecia disposta a falar, embora estivesse claro que media as palavras com cuidado.

— Não gosta de quem é agora?

Ela se pôs de pé, deu a volta na cadeira e apoiou-se no encosto.

— Sabe que não se trata disso. A verdade é que não posso mais fugir das minhas obrigações.

— Mesmo após tantos anos longe?

— Sangue é sangue, apesar de tudo — deu de ombros, como se o que dizia fosse apenas uma obrigação e não a realidade de um laço que devia carregar significados profundos, como amor e união.

Entrelaçando as mãos na altura do ventre, Melina ponderou. Talvez, aquele fosse apenas um jeito simplista de se expressar. No entanto, ela lhe pareceu seca e distante, em comparação a forma como falou de seus sentimentos por Marie.

— A Ordem é minha família há quase quarenta anos, mas tive outra antes dela e sempre terei. Sim, eu a entendo. — Um anel com o símbolo da irmandade, vários círculos dentro de outros, chamava a atenção entre os dedos magros dela. — Bem, isso muda os planos.

Abriu os braços, afastando-se da mesa.

— Tinha esperanças de que você aceitasse ser iniciada no Círculo de Mestres — revelou.

O silêncio imperou, enquanto a líder avaliava o impacto daquela informação nela. As pupilas azuis refletiam a chama da vela, revelando o peso dos anos e sabedoria que escondiam, muito mais que as rugas e cabelos brancos.

— Sou uma guardiã de Segunda Classe e ainda faltam alguns anos para que possa exigir um ritual de passagem para alcançar a Primeira — a protetora observou. — E a minha magia é fraca — completou.

A mais velha semicerrou os olhos.

— Você é mesmo um desastre no quesito magia — concordou. — Entretanto, sempre foi esforçada e isso lhe permitiu chegar ao Círculo dos Guardiões, mesmo quando lhe disseram que seria impossível de fazê-lo para alguém com tão poucos traços mágicos.

Gesticulava com uma das mãos, enquanto a outra brincava com o medalhão no pescoço, um círculo de prata com uma joia verde no centro.

— Onde a ausência da magia poderia ser encarada como um grande obstáculo, deixando-a nos círculos menos complexos da irmandade, você preencheu essa deficiência trabalhando suas habilidades físicas e sensoriais.

Cruzou os braços às suas costas.

— Por isso, a Mestra Marie a recomendou para iniciar o próximo Círculo.

Virnan inspirou fundo, deixando transparecer um pouco do orgulho que a tomava.

— Sou muito grata por essa recomendação, mas...

A outra mulher ergueu um dedo, sincronizando o movimento com um arquear de sobrancelhas e um sorrisinho sem dentes.

— A recomendação não partiu somente dela. Os Mestres Fantin e Dámis, também o fizeram.

A guardiã coçou o queixo, pensativa.

— Fantin não estava bêbada quando me recomendou, estava?

— Não seja mal-agradecida — repreendeu.

Ela sorriu, formandos covinhas charmosas nas bochechas. A chama amarelada das velas acentuava a cor acobreada de sua pele, típica das pessoas oriundas das terras de Axen e do extinto Reino de Caeles.

— Desculpe, mas ela nunca gostou muito de mim — deu de ombros.

— Você não colaborou muito, também. — Recordou a mais velha, que apagou seu sorriso com um gesto de descaso. — O fato é que todos acreditam em suas capacidades e têm a mesma opinião sobre seus valores, apesar de suas traquinagens. Você seria uma excelente aquisição para o Círculo de Mestres, apesar de que o Círculo de Guardiões ficaria um pouco desfalcado. Vocês não são tantos hoje, quanto eram na minha época de ordenada. Além disso, desde que Mestre Adrino faleceu, há cinco anos, não temos um Mestre Guardião.

— Por que não Petro? Ele se ordenou muito antes de mim. Ou Milan? Ele é um guardião de primeira classe há quase vinte anos.

Eram perguntas justas.

— De fato, Milan seria a escolha ideal. Infelizmente, ele não poderá assumir essa responsabilidade. Chegarei aos motivos mais adiante. Quanto a Petro, seria a escolha lógica diante da experiência, mas, também, possui uma personalidade que não condiz com o que se espera...

A risada da moça cresceu, interrompendo-a.

— Ora, grã-mestra, é a primeira vez que me dizem que minha personalidade se adequa a algo neste lugar. Sabe o que pensam de mim.

— O quão pouco você se conhece, guardiã! — Retrucou com um esgar. — Você esteve em todos os círculos até aqui. Cuidou dos pomares e da manutenção do castelo no círculo de iniciação. Tratou de enfermos e ofereceu palavras tranquilizadoras a eles no círculo fraterno. Mas sempre almejou o círculo de proteção, porque é isso que você é, Virnan, uma defensora. É dada a certos exageros, mas isso não diminui suas virtudes.

— Se continuar falando assim, começarei a acreditar que gosta mesmo de mim — sorriu, debochada.

Seu chá, havia muito, tinha esfriado. E não fez nenhuma menção de reaquecê-lo, despejando uma nova quantidade do líquido quente que fervia no braseiro, ali perto. Brincou com a ponta da faixa por um longo tempo. Por fim, inclinou-se para a frente, pousando as mãos no encosto da cadeira.

— É uma grande honra e sou muito grata por ela, mas não posso mais ficar aqui. Em breve, deverei partir. Tenho deveres a cumprir e eles vão muito além das minhas vontades, dos anseios do meu coração ou das necessidades da Ordem.

— Tudo bem, que se faça a sua vontade. — Melina disse, após um longo momento de silêncio contemplativo. O que lhe trouxe um grande número de indagações à mente. Retornou para sua cadeira, enquanto a guardiã planeava se despedir, acreditando que já não tinham mais nada a tratar.

Sua mente, outra vez, havia se voltado para Marie. Protelou sua partida o máximo possível e a adiou outra vez, quando se prontificou a ir ao continente aplicar os testes para os novos iniciados, apenas porque ainda não se sentia pronta para dizer "adeus". Um sorriso pueril lhe veio aos lábios com o desgosto que o pensamento lhe trouxe.

De qualquer forma, estava decidida a confrontá-la àquela noite. Pretendia partir antes do fim da semana e queria lhe explicar seus motivos. Imaginava o que se passaria na mente da mestra quando descobrisse a verdadeira identidade da mulher que treinou.

Era um erro contar. Mas já tinha uma longa lista de faltas; uma a mais não faria diferença. Além disso, sempre existia a possibilidade de que ela não acreditasse.

Iniciou uma mesura, mas a líder da Ordem a fitou, astuta. Descansou os cotovelos sobre a mesa e uniu as mãos, escondendo parte de sua face, dando ênfase ao olhar safira.

— Ainda não — disse, com a certeza de que Virnan não gostaria, nenhum pouco, do que ouviria a seguir. Acreditava que ela não receberia a notícia passivamente. — Ainda temos assuntos a tratar. Está enganada quanto à sua classe. Antes de partir para auxiliar os feridos nos conflitos internos no Reino de Axen, há dois meses, o Guardião Milan recomendou que você fizesse a passagem para a primeira classe e, portanto, dividisse o comando do círculo protetor com ele.

Fez uma pausa, avaliando-a. Então, concluiu:

— Eu aceitei a recomendação.

Virnan se postou mais ereta.

— Então, por que não fui comunicada?

— Milan gostaria de lhe dar a notícia pessoalmente e ajudar na sua iniciação, quando retornasse.

Dentre todos os guardiões da irmandade, Milan era o mais velho e respeitado entre eles e o único que alcançou a primeira classe nos últimos vinte anos. Virnan gostava dele e dedicava-lhe grande respeito. Era um dos poucos moradores daquele lugar que gostava de chamar de amigo.

A pergunta que proferiu a seguir, lhe trouxe um sabor amargo ao paladar, pela certeza do que ouviria como resposta.

— Se esse era seu desejo, por que ele não está aqui a me contar isso?

Um suspiro audível escapou da interlocutora. Batidas suaves soaram, pondo fim ao misterioso e incômodo silêncio que se seguiu. Ligeiramente agastada, a grã-mestra pediu que a pessoa que se encontrava à porta, entrasse. A cabeleira ruiva, volumosa e desgrenhada do Guardião Jovan surgiu no umbral, e entrou no recinto antes de seus membros inferiores.

Era um sujeito magro como uma vara, entretanto possuía grandes habilidades mágicas, que se equiparavam às físicas. Era um exímio lutador.

— Perdão por incomodá-la, senhora. Fui enviado para informar que temos visitantes.

A líder se pôs de pé.

— Não ouvimos o sino — comentou Virnan, reunindo-se à grã-mestra na janela.

— A tempestade está violenta, quase não ouvimos o alarme também. — Desculpou-se Jovan.

Virnan abriu o ferrolho e empurrou a madeira úmida, deixando que respingos de chuva as molhassem. Mirou os recém-chegados, que caminhavam pela praia protegendo-se da tormenta o melhor possível.

Jovan comentou:

— Ainda estão distantes, mas as cores de Midiane são facilmente perceptíveis. É a primeira vez que vejo homens desse reino aqui.

Os dois guardiões notaram o suspiro de desagrado que Melina deixou escapar ao reconhecer o uniforme. A grã-mestra afastou-se da janela em direção a porta, dizendo:

— Eles não pisam nesta ilha há muito tempo.

Virnan permaneceu no mesmo lugar, mirando os homens com semblante fechado. Ergueu a vista para o oceano e comentou:

— Aparentemente, eles não serão os únicos "convidados" que teremos para o jantar.

Meia dúzia de embarcações enfrentava o mar revoltoso e se aproximava da praia, enquanto os homens de Midiane apertavam o passo em direção ao castelo. Melina voltou a se posicionar ao lado dela, observando os homens vestidos de negro com armas em punho, antes mesmo do primeiro barco alcançar a praia.


***

— Maldição! — Verne esbravejou quando percebeu que os soldados de Axen resolveram enfrentar a tempestade, se apossando das embarcações no ancoradouro da vila da qual partiram.

Assim que chegaram à ilha, aconselhou aos dois barqueiros que procurassem um lugar seguro e correu para o castelo com seus homens.

— O que faremos? — Fenris perguntou, desembainhando a espada.

A chuva tornava as roupas mais pesadas, enquanto a areia dificultava as passadas.

— Se nos alcançarem, derrubem quantos puderem e corram para o castelo! Nossa prioridade é Analyn. — Rosnou o Lorde, enquanto o castelo crescia diante de seus olhos. Faltava um pouco mais de trezentos metros para alcançá-lo.

Ele se voltou para o mar, um dos barcos tinha chegado a praia e os soldados se aproximavam rápido. Parou, escolhendo um adversário entre eles. O som dos gritos que clamavam por sangue, foi abafado por uma onda que quebrou em um rochedo e, logo depois, um trovão.

Verne encarou seu adversário. Pelas vestes, era o comandante. Ele se aproximou com um sorriso debochado, desalojando a espada de seu descanso na cintura. Os dois desceram as lâminas em golpes potentes, mas elas jamais se chocaram.

Em vez de metal contra metal, encontraram bastões de madeira.

Entre eles surgiu uma mulher. O rosto estava oculto pelo capuz, mas a túnica e a faixa na cintura, deixavam claro que se tratava de uma guardiã da Ordem. Os dois guerreiros olharam em volta e perceberam que estavam cercados por uma dezena de ordenados que, assim como aquela que os separava, impediam a continuidade da luta entre seus homens.

O comandante do exército de Axen, forçou a lâmina em direção a mulher, mas ela sequer se moveu. Matinha seu bastão tão firme quanto uma rocha. O vento afastou o capuz, revelando um rosto jovem e bonito. Com um movimento brusco, ela empurrou os dois cavaleiros para trás, jogando-os na areia.

— Este é um lugar de paz — Virnan disse. — Larguem suas armas.

O comandante de Axen se pôs de pé, enquanto ela guardava os bastões na cinta às suas costas. Verne o imitou e, assim como ele, não se desfez da espada.

— Se buscam abrigo e proteção da tempestade, são bem-vindos ao castelo da Ordem. Se é sangue o seu objetivo, não há lugar para vocês nesta ilha.

— Sou Loyer, terceiro comandante do exército de Axen. Estou aqui para capturar a eleita de nome Analyn.

Houve uma troca de olhares intensa e confusa entre os guardiões, mas Virnan nada deixou transparecer.

— Sou Lorde Verne e meu dever é proteger a princesa Analyn — bradou, voltando a empunhar a espada, ameaçador.

Virnan assentou as mãos na cintura.

— E eu sou aquela que não está nem aí para isso. Não me lembro de ter perguntado quem é quem e pouco me interessa seus títulos! Entreguem suas armas e me sigam em paz ou voltem para o lugar de onde vieram, agora! — Apontou para o mar revolto.

A tempestade tinha se tornado mais violenta e avistaram um dos barcos, ao longe, virar. Os homens que o ocupavam foram engolidos pelo mar.

Verne inspirou fundo, fazendo uma escolha. Temeu por sua vida e a de seus irmãos de armas. Sobretudo, temia não cumprir a missão que lhe fora dada e, assim, deixar seu povo ser massacrado por Axen ou pelo cavaleiro. Depositou a espada na mão da guardiã. Houve um incômodo momento de dúvida, antes que os homens sob seu comando seguissem o exemplo.

Loyer semicerrou os olhos ao vê-lo, e sorriu diante da oportunidade. Sem aviso, desceu a lâmina em direção a face da jovem guardiã.

— § —

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