Condão (Lista Internacional)

By GiordanoMochel

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A obra de ficção científica “Condão” diferencia-se pela abordagem político-técnica de um futuro onde o contro... More

Prólogo
Capítulos 4 e 5
Capítulos 6 e 7
Capítulos 8 e 9
Capítulos 10 e 11
Capítulos 12 e 13
Capítulo 14

Capítulos 2 e 3

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By GiordanoMochel

Capítulo 2

Eram 5:30 quando o alarme da caixa de conexão de Jânio tocou. Detestava usar os fones intra-auriculares. Sentia como se alguém ou algo estivesse trovando diretamente no seu cérebro. Ainda usava as velhas caixas de conexão, com tela e áudio externos. Da última vez que precisou comprar uma teve que encomendar diretamente de um fabricante artesanal, já que as vendidas em lojas de antiguidade não possuíam os novos programas de conexão, sendo necessário introduzi-los manualmente. O aparelho era tão arcaico que algumas pessoas ficavam curiosamente fitas nele quando o usava. Mas não se importava. “Ninguém vai fazer vibrar meu cérebro”, dizia. Naquele momento aquela assertiva de pouco adiantou. No estado de sono avançado em que se encontrava o alarme soou diretamente no seu córtex. Tateou o aparelho na penumbra, xingando alto quem quer que fosse que o estava perturbando tão cedo. Verificou a ligação. Não era de um número registrado, mas uma chamada de um chat de um clube de xadrez on-line na super-rede, anônimo. O nível de raiva triplicou. Atendeu a chamada de voz. Queria simplesmente abrir o chat e digitar uma elegante mensagem de “Vai tomar…”, mas o emissário exigia o contato por voz.

— Alô! Não sei quem quer jogar xadrez uma hora dessas, mas aqui no Brasil são 5 da manhã!

— Jan! Sou eu, Ed!

A voz soava interrompida e arfante, como se o outro tivesse corrido a Maratona do Rio duas vezes seguidas.

— Ed? O que houve? Está bem? Sofreu algum acidente?

— Ainda não sei. Preciso subir urgentemente!

— Subir? Como assim? Você está aqui embaixo?

Ligou a TV e abriu no sítio de câmeras de rua. Edwardo lhe conseguira um acesso público através de um proxy1 remoto ao qual tinha conexão no Instituto de Tecnologia. Nada grave, mas de uma imensa utilidade. Disponibilizava a imagem de uma câmera que apontava para a calçada do seu pequeno edifício no início da Rua Uruguai. A câmera estava a pelo menos uns 100 metros e não permitia giro ou foco, mas tinha uma resolução muito alta. Uma ampliação local da imagem permitiria observar os nomes dos times adversários em um ingresso de futebol na mão de alguém na porta do seu prédio. Não precisou ampliar muito para identificar o amigo com o cabelo estranhamente molhado e o moletom pesado. Abriu a portaria a vácuo do prédio.

Ed bateu forte na porta do apartamento e Jânio se perguntou o porquê, se já sabia que o amigo subia. A porta não era a vácuo. Provavelmente a única em um raio de muitas centenas de metros. Mais uma extravagância do amigo. Dizia que não gostaria de chegar bêbado em casa e fechar a porta no próprio pescoço. Os drones legistas encontrariam apenas uma cabeça com um esguicho de vômito a sua frente. Ed rira quase a ponto de perder o ar. Não adiantava dizer que os detectores robóticos nunca fechariam a porta com uma unha sequer no caminho, nem que ele nunca vomitaria pela cabeça, já que o esôfago teria sido cortado. Não adiantava.

Entrou empurrando a porta e jogando o amigo para trás.

— Mataram-nos, Jan!

— Quem rapaz. Quem matou quem? De que porra você tá falando?

— Os drones! Os drones os mataram.

Jan tinha um raciocínio rápido para entender os procedimentos do Condão. Afinal era seu trabalho instruir os drones no protocolo padrão. Nada que não fosse extramente mecânico e enfadonho, já que o software não sofrera modificação interpretativa no Brasil nos últimos 50 anos, apenas implementações de normas regulamentares. Este trabalho não era a sua paixão, e sim as aulas que dava na EV de História do Direito, onde, com alguma sorte, poderia encontrar uma alma caridosa que questionasse a interpretação legal e permitisse um debate. Mas era raro.

Entendeu, portanto, que Ed havia testemunhado uma reação violenta a um drone por um indiciado ou suspeito que punha risco à integridade de outro ser humano ou da máquina. Mais: Seria necessário ter havido um crime onde o bem tutelado estaria sob o peso nível 4. Só conhecia 2 bens com esse peso, a vida e a dignidade humana, que abrangia a integridade física por extensão, mesmo que por agressão leve. Direitos humanos de primeira dimensão, estendidos para a coletividade. Ou seja, caso houvesse uma ameaça de mesmo teor à coletividade, a extensão dos princípios seria permitida para o uso da recíproca violenta. Nem mesmo uma afronta a alguns princípios de primeira geração, como liberdade e propriedade permitiriam, sob quaisquer aspectos, que máquinas ferissem seres humanos.

Suspirou enquanto o amigo olhava arregalado pela janela, atônito. Se dirigiu à máquina de café expressa. O sono já tinha sido comprometido pelos acontecimentos. Em 2 minutos voltara com 2 xícaras de café com odor agradável. Entregou uma ao amigo, acompanhada de uma toalha para que se secasse.

— Ed, Não é à toa que você está abalado. A última vez que se teve notícia de uma reação violenta de drones com morte aqui no Rio foi há 14 anos na revolta do Méier. Soube-se que houve 5 mortos e 12 feridos. Que era um bando que tentou se apropriar do software do Condão e da tecnologia robótica dos drones. Não houve jeito de evitar a morte deles. Estavam carregados de explosivos e poderiam por uma multidão em risco.

Claro, fora do Rio havia acontecido algumas outras rebeliões como a da represa hidrográfica de Juazeiro, ou da Reserva Indígena Pataxó, ambas há mais de 10 anos. A primeira, sabia-se, por um ato terrorista. A última, um mistério que não foi muito bem divulgado na mídia. Acabou caindo no esquecimento.

— Eu conheço a Revolta do Méier. Estava lá quando os drones explodiram o grupo. Foi o prédio onde trabalhava, como estagiário ainda, que tentaram invadir. Vi tudo da janela.

Jan ficou surpreso. Como assim, ele tinha apenas 14 anos na época. Desde tão cedo já trabalhava na indústria de software? Estava a ponto de perguntar…

— Eles estavam fumando tecanol, Jan. Só isso!

A xícara do professor agitou-se em sua mão e o líquido quente pingou no pulso fazendo-o soltar um grunhido. Era impossível. Não havia protocolo que permitisse tal procedimento. Aliás era completamente inconcebível. O consumo de tecanol era considerado apenas contravenção, ainda assim, somente em locais públicos.

— Ed, você deve ter se confundido. – disse, ainda mais confuso que o amigo.

O inquieto rapaz ignorou o amigo e partiu para a TV, largando a toalha, o moletom e a camisa. Ficou só de calça e gritou.

– NEWS!

Todos os comandos eram em inglês. Não por uma fixação pela língua e sim porque era mais prático. Os comandos em inglês não se confundiam com o conteúdo, tornando maior a compreensão das máquinas. Aliás, caso fosse usada a língua pátria, seria mais lógico que os comandos fossem em português já que o Brasil era o maior produtor de software há décadas. Em outros países se fazia o mesmo. Nos EUA os comandos eram em alemão, na Alemanha em português, e por assim ia. Na verdade a língua nativa era um capricho que os países mantinham, já que internacionalmente se falava um idioma híbrido, mistura de várias tendências com o mínimo de exigência fonética, algo como o remoto esperanto, mas muito mais técnico.

Após gritar o comando, apareceram na tela 16 caixas. Era uma daquelas Tvs de 15 ou 20 anos atrás, sem projeção. Ed já estava acostumado ao comportamento retrô do amigo. O noticiário Zero Hora geralmente dava o plantão mais cedo. Era a caixa 5.

— FIVE!

A Zero Hora abriu. Vários plugins eram de projeção 3D holográficos, o que a TV não suportava. Isso tornou a tela uma verdadeira bagunça.

— Ed, você sabe que sou antiquado…

— Espere!

Conseguiu detectar nas últimas notícias:

“Dois jovens irmãos, de 17 e 18 anos, morreram de overdose nesta madrugada ao lado do pier da Praça Mauá ao consumir a droga ColdCo. A perícia robótica dos drones forenses encontrou uma concentração 22 vezes maior da substância do que o normal, o que pode ter levado à morte por colapso cardíaco. Já são 16 óbitos por esta substância neste ano. As autoridades intensificaram a busca pelos distribuidores e fabricantes para que este mal seja expurgado da sociedade”.

Jan não tinha muito costume de assistir ao noticiário, mas achou o final meio profético e com um certo tom de pieguice poética: “para que este mal seja expurgado da sociedade”. Pareceu-lhe uma mensagem sublimar ou algo do tipo. Ignorou.

— Não foi assim, Jan! Eu estava lá. Eles foram assassinados.

Ed conhecia a droga ColdCo. Era um aperfeiçoamento genético da planta da cocaína que dispensava o refino com solventes e produtos químicos nocivos. Aparentemente não era tão forte como o produto usado há 50 anos, mas ele detestava. Odiava ficar mais ansioso do que já era. De qualquer forma, não fora assim que acontecera.

Jan sentou-se para tentar assimilar os acontecimentos. O protocolo do Condão nunca cometera um erro grosseiro. Na verdade, pelos padrões em que foi projetado, nunca cometera erro algum desde que o mítico programador André Jeremias, com apenas 14 anos, o concebeu, há 70 anos. Tratava-se de um interpretador legal eletrônico de códigos jurídicos. Qualquer que fosse o código. O segredo estava em introduzir os princípios basilares norteadores dos ordenamentos jurídicos e usar a interpretação sistemática para desdobrar todas as exegeses2 subsequentes. Recordou-se da história.

A princípio o software fora usado para consultas em disputas de direito civil, sem o Estado como parte. Ao se inserir um caso no programa, o algorítimo fazia a análise da possibilidade jurídica, encaixava o fato à norma, enquadrando-o na lei referente e calculava os pedidos possíveis. Frequentemente, verificava-se que as conclusões de casos análogos se aproximavam de forma concisa. Devido à facilidade e ao uso cada vez mais intenso pelos advogados, era comum chegarem à audiência com as mesmas conclusões, apenas com alterações de pedidos inseridas no intuito de beneficiar o seu próprio cliente. Uma discussão inócua. Se ambos os advogados partiam da mesma análise pelo programa, obviamente que as divergências nada tinham a ver com a interpretação jurídica, mas com a determinação do advogado em vergar a lei a favor do seu cliente. Após reiteradas análises de casos chegaram a um termo: era consenso que a conclusão do programa estava sempre de acordo com a melhor interpretação, portanto seria inútil discutir a mesma tese. Com a intensificação do uso, praticamente todas as divergências que não envolviam o Estado foram sendo resolvidos com conformidade das partes. Ao juiz não cabia mais do que referendar o que fora acordado, ressaltando um ou outro direito que poderia vir a ser reivindicado em algum caso. Geralmente perfumaria inútil, pois se existisse tal direito o programa detectaria.

Existia ainda a indústria da postergação3. As grandes empresas pagavam escritórios especializados em arrastar indenizações por danos morais, materiais e repetições de indébito anos a fio, através de recursos protelatórios inócuos que tinham por finalidade apenas retardar a causa. Mas até nisso o software era eficiente. Detectava a fonte da postergação, alertava o Juiz e já preparava o agravo contra a parte perante a Ordem dos Advogados. O Juízo, cada vez mais confiante no programa, não titubeava em penalizar o advogado e, se possível, rejeitar o recurso. Por fim as empresas chegaram à surpreendente conclusão que gastavam mais com os escritórios de advocacia do que se adequando às normas e cumprindo as exigências legais para com os clientes exigidas por lei. Andaram no limbo durante décadas, em uma orientação legal inversa mais penosa para elas mesmas.

Jeremias ficou rico com apenas 16 anos, fundou a empresa Condão CO e passou a distribuir o software com mais veemência, inclusive liberando uma versão gratuita mínima para que qualquer cidadão pudesse analisar seu direito, desde que o caso não fosse tão complexo. Nesse ponto o programa já despertava interesse no mercado e nos governos internacionais.

O software era um sucesso entre a população e advogados. As soluções jurídicas, que antes levavam anos, agora eram resolvidas em semanas. Ninguém mais abria mão da utilização do programa, nem os advogados e nem as partes. Alguns estudos históricos remotos indicavam uma certa manifestação da Ordem dos Advogados nacional em um documento que se intitulava: “Os perigos da Objetivação Plena do Direito”, mas pelo que se sabia, a repercussão foi mísera. Exatamente por isso Jeremias achou que era hora de ousar: lançar a versão de análise jurídica do Condão para o direito público.

— Temos que saber mais!

Jan estivera completamente absorto nos últimos 5 minutos e acabara por tomar um enorme susto com o grito do amigo, a ponto de se estatelar no chão. Tinha a mania perigosa de se balançar na cadeira enquanto pensava. Inconscientemente, mantinha-se naquele exato limiar de ponto de equilíbrio. O susto levou-o diretamente ao chão.

— Puta merda!

Ed pareceu não ouvi-lo. A tela de TV salpicava com pelo menos 70 janelas sobrepostas, uma profusão de informações que deixava Jan confuso.

— Estou correndo risco Jan. Posso ter sido identificado.

O rapaz havia pensado em acessar a câmera de casa, mas não conseguiria se não entrasse na super-rede identificado. Se fizesse isso e estivesse sendo procurado colocaria a si mesmo e o amigo em perigo. Tinha certeza que não havia sido detectado na madrugada, pois pegara o metrô a vácuo para chegar à estação Uruguai e nada acontecera. Era a melhor opção. Na rua haveria muito mais câmeras. Preferia enfrentar uma meia dúzia do que quinhentas, esgueirando-se o máximo possível no trajeto, sempre de capuz. Inicialmente, nadou 6 km durante toda a noite e saiu da água na Ilha Universitária, onde funcionava o núcleo administrativo de escolas superiores e os servidores das EVs do Rio. Pegou o trem a vácuo junto com alguns funcionários e pesquisadores do turno noturno depois de secar ao máximo o moletom. Pela distância do local do incidente e pela particularidade do tipo de fuga que escolhera, provavelmente não o procurariam naquele trajeto. Ainda assim usou o moletom do avesso, de cor diferente. Mas havia o problema do cigarro. Poderiam tê-lo achado. Se assim fosse estaria perdido. Agora teria que, obrigatoriamente, verificar isso. Se o tivessem identificado já estariam a caminho do seu apartamento. Apavorou-se. Poderiam ir ao apartamento de Jan, fazendo uma correlação com sua amizade.

— Por que você não acessa uma câmera via proxy da vizinhança da sua casa? – Jan perguntou, meio inseguro. Não entendia quase nada de programação virtual.

— Não posso! Quando estabeleci esta conexão com sua casa estava logado no escritório do Instituto. Só posso fazer isso se estiver logado novamente. – Ficou pensativo. – Espere! Há uma câmera que posso usar que não pertence ao sistema de segurança da cidade. É livre!

— Isso é bom! Qual é?

— A do Cristo Redentor.

— Por favor. Você mora na Lagoa, a mais de 3 km!

— A câmera do Cristo é a de maior resolução da cidade. É usada para exportar qualquer tipo de cartão-postal. Uma captura pode alcançar meu apartamento tranquilamente.

— Se não fosse um detalhe.

— Qual?

— Você mora de costas para a Lagoa.

— Perspicaz. Mas é exatamente por isso que minha janela não tem proteção antifilmagem. Usarei as janelas dos prédios em frente para ver a imagem refletida da minha própria janela. As janelas que tem proteção aparecem nas filmagens como espelhos. Nunca achei que alguém me bisbilhotaria usando este recurso. Principalmente sendo eu mesmo! – Voltou-se para a grande tela. – CRISTO OFFICIAL! CAM! FULL! ELEVEN.

Em menos de 3 segundos apareceu a imagem da supercâmera na TV.

— Pronto. Agora é só baixar a imagem e dar o superzoom.

– Só por curiosidade Ed. Qual o tamanho desta imagem?

— Pequena. São apenas 1.4 PetaBytes4. Cabe em um dispositivo de lente como o que eu tenho. Mas o meu componente de armazenamento está avariado. Deve ter sido pelo banho de mar.

— Amigo, não tem como você dar o zoom diretamente na imagem?

— Não. Claro que não. Não tenho acesso ao zoom da câmera. Por que está dizendo isso?

— Acho que não vai dar. Essa TV só comporta 1.0Pb.

— O quê? Está dizendo que esse trambolho gigante só tem isso?

— Ed, tenho essa TV há 15 anos. Mas comprei usada. Acho que ela tem uns 22 anos.

Ed pareceu desolado. Teria que mandar Jan próximo a sua casa para examinar o apartamento. Não queria fazer isso. O amigo não era nada parecido com algum tipo de espião, pelo contrário. Andou de um lado para outro. Parou, de repente.

— Pelo menos é memória removível?

— Sim, das antigas.

Abriu o pequeno compartimento na lateral e pode ver a linha de dispositivos de barramento. Uma fita com três conexões, uma delas ocupadas pela SMG de 1Pb. Memória genética, uma das primeiras. Recombinava-se o código genético, que continha quatro estágios, e assim se sequenciava 4 estados ao mesmo tempo, ao invés do código binário que instanciava 2. Ainda era rudimentar. Apenas 0,2 gramas de células. Hoje os supercomputadores tinham um armazenamento praticamente infinito, já que a quantidade de armazenamento por grama de DNA tinha uma exponencialidade de base 4. Mas isso poderia ser ruminado mais tarde. Agora precisava de outra memória igual. E sabia onde deveria haver uma.

— Me dê sua caixa de conexão!

— Não vai quebrar?

— Não, pelo amor de Deus.

Abriu o aparelho e retirou o dispositivo com o ponto de luz azul luminoso. A mesma capacidade. 1Pb em dispositivo SMG. Teria que apagar todos os dados, mas nem perguntou se podia. Sabia que tudo era clonado em pelo menos 2 lugares diferentes na super-rede, a fim de evitar perda física. Nem era possível abdicar disso. Espetou o dispositivo no barramento e o recolocou na TV. Os dois dispositivos de armazenamento apareceram na tela.

— Bem, terei que juntá-los agora, senão não conseguirei baixar a imagem. – Verificou algo atrás da TV, deu uma piscada para Jan, que fez uma cara de espanto.

— MAINTENANCE! CONSOLE MINIX! SECURITY! XX55FC!

A tela ficou inteiramente negra com um pequeno traço branco piscando. Jan deu um salto pra trás de susto. Nunca havia visto aquilo. Ed conseguiu dar um sorriso apesar da tensão.

— É um comando universal para acessar o console Minix. Sistema operacional de quase todos os aparelhos existentes no mundo. Esta TV é rudimentar, mas do mesmo modelo que eu usava quando estava na EV. Nas aulas avançadas de Minix nós passávamos um bom tempo descobrindo qual o código de cada console. Este faz parte de uma grande série distribuída há 20 anos. Já mexi muito nele na minha curta adolescência.

Jan continuava com a mesma cara de tacho desmanchado. Ainda não entendia nada do que ocorria. Ed resolveu que não valia perder tempo com aquilo no momento.

— JOIN SDC SDD! CLUSTER! GO!

Alguns comandos apareceram na tela e, por fim, um ok.

— EXIT!

A tela voltou ao padrão e agora aparecia um único disco de 2Pb na TV.

Sem perder tempo iniciou o download da tela congelada. Obviamente não seria o conteúdo da tela, mas da captura da imagem da câmera, de altíssima resolução, que viria para a TV. O processo foi rápido. Nisso Jan nunca poderia atrapalhar. A velocidade da super-rede era o serviço mais eficiente do Instituto de Tecnologia, disponível universalmente. Quase todos os procedimentos eram instantâneos. Nesse caso durou apenas uma fração de segundos e o arquivo estava baixado. Ed usou as mãos para abri-lo. Pelo menos o trambolho ainda tinha detecção de movimentos. Era só o que faltava estar com defeito nisso. Foi ampliando, 100 vezes. Mais. chegou ao prédio em que morava. Como lembrava, de frente ao seu apartamento de costa para a Lagoa, havia um edifico, 2 vezes mais alto que o seu. Focalizou exatamente na janela que refletia o seu apartamento. Lá estava a ultratela de projeção 3D holográfica. Lá estava sua cesta de basquete, na parede do corredor. Sua bicicleta de molibdênio de 1,5Kg perto da cozinha. Se impressionou com a nitidez da imagem. A fim de evitar qualquer invasão de privacidade, os dispositivos antifilmagem tornavam o vidro um verdadeiro espelho. Ele nunca se preocupara com aquilo. Um gasto desnecessário. Se alguém quisesse observá-lo seria um tédio. Pouco ficava em casa. Quando estava com Sílvia simplesmente escurecia a tela da janela do quarto. Esse comportamento simples o havia ajudado agora. Sentiu-se aliviado e desabou no sofá.

— São 6:40 horas. Se fossem aparecer já teriam feito isso. Mesmo assim vou confirmar mais tarde.

— O que você fará agora?

— Vou dormir um pouco mas quando acordar vou atrás de respostas.

***

Na cena do crime um drone terrestre mantinha-se imóvel. A troca de informações com a central era intensa. Usavam um código ultracodificado praticamente impossível de decifrar. Até há uns 15 anos a central era uma única entidade. Fosse um drone aéreo, fosse um inseto espião, fosse um supercomputador. Já não era mais assim. Os robôs estavam se individualizando. Ninguém entenderia o porquê. Mas ninguém sabia. Ninguém que importasse.

O drone soltou uma esfera metálica que se deixou rolar para a boca de lobo e caiu.

Capítulo 3

 Jan observava o amigo praticamente em coma no sofá. Estava agora na 3ª xícara grande de café, cada vez mais viciado no expresso. Passara a manhã vasculhando a história através da super-rede. Era apaixonado, principalmente, pela parte recente do Direito Eletrônico. Em como um garoto de 14 anos havia mudado tudo. E como havia dado um passo mais largo, aos 18 anos, lançando o módulo de Análise de Direito Público.

Na verdade a versão sempre estivera pronta. Afinal, o software se valia dos princípios basilares do direito. Não haveria porque não fazer a análise também em seus outros ramos, principalmente o criminal. Mas Jeremias não era apenas sagaz em programação. Era também em estratégia. Ao atrasar por 4 anos o lançamento do módulo público, construiu os alicerces que venceriam as barreiras impeditivas da sua meta final. 

Quando anunciado o lançamento, a reclamação foi intensa pelo governo em suas três esferas, destacando-se, dentre o executivo, o Ministério Público, parte obrigatória em todos os processos.

O Poder Judiciário fora o que agira mais brandamente. Simplesmente ignorou. Dizia que não seguiria nenhum pedido que fosse contra a lei, indiferentemente de onde viesse tal pedido. Estava limitado aos princípios da inércia e “tantum devolutum quantum apellatum”1, ou seja, não poderia agir por força própria. Então apenas aguardou o desfecho.

O Ministério Público tentou barrar o lançamento do módulo com o argumento da desumanização da interpretação legal. Mas estava por trás a flagrante regularidade em que extrapolavam a norma em desfavor do réu. Era praticamente um tabu não fazê-lo. Entendia-se que a promotoria via no judiciário um beneficiador do acusado, que sempre pendia para uma pena leve e por isso deveria haver um pedido contrabalanceador. Na prática não era somente isso. Em todo o mundo, o Ministério Público agia com excessivo rigor no processo criminal. Uma análise objetiva em uma ferramenta confiável poderia minar seu domínio acusatório. 

O Governo Federal e o poder legislativo endossaram o pedido do Ministério Público para o impedimento do lançamento do software. Mas a razão era outra, sombria: sabia-se que os governos, em todas as esferas, eram exímios manipuladores legais, principalmente no que se referia à elaboração normativa. Sabia-se também que o poder judiciário sofria influência tanto de dentro quanto de fora dos governos, dependendo de qual corrente fosse interessante favorecer no dado momento. O Brasil acostumara-se a este cabo de guerra entre forças de comando e os três poderes eram meras ferramentas de tensionamento para o controle da nação. A interpretação do ordenamento jurídico era mais uma dessas ferramentas, quiçá a mais forte. Um software que objetivamente analisasse, baseado em provas, a inocência ou culpa de um político, de um juiz, ou mesmo de um funcionário público qualquer, sem o uso da força jurídica manipulável do livre convencimento poderia destruir todo o castelo de areia em que fora erguida a política nacional desde o Brasil Colônia. Para os cartéis políticos isso era inadmissível. 

Ao que parece, os juristas eram os únicos que tinham preocupações nobres. Achavam que a unificação mecânica de uma análise jurídica limitaria sua própria abrangência a um ponto tão objetivo que se tornaria praticamente um ato instantâneo, tão frio como as sentenças medievais mas com justificativa da utilização de ferramentas lógicas. Levaria as relações jurídicas a uma falta de diálogo que poderia encolher seu universo de conhecimento e as percepções intelectuais de seus operadores. Foram os menos ouvidos no debate e também os menos citados nos documentos históricos.

Ainda assim a população adorava o programa. Muitos defensores utilizavam exatamente as razões obscurecidas pelo Governo e pelo Ministério Público para que o módulo público do software fosse lançado. Jeremias ressaltava, através de propaganda na TV, que o software não era de uso obrigatório, nem que o juiz precisaria acompanhar sua conclusão. Não adiantava. A pressão imposta pelos cartéis era grande.

A saída encontrada, consensual no governo, era de que se deveria “humanizar” o software através da submissão do programa a um leque de jurisprudências2 e súmulas que vinculariam sua decisão final. Estas seriam aprovadas pelo congresso e inseridas em seus módulos através de regulamentação. Era a chamada Lei da Jurisprudência Eletrônica.

Jeremias protestou. Era uma imposição do Estado sobre o programa, já que seu uso não era obrigatório. Isso ia de encontro aos direitos individuais. E o pior: destruía a forma de funcionamento do software, que se baseava nas interpretações dos princípios constitucionais em relação a um caso concreto, e não influenciado pela decisão humana.

Reclamou bastante, ainda assim a imposição foi feita. Continuou reclamando por certo tempo e então silenciou.

Ninguém soube, até hoje, se foi premeditado. Fato é que o programa passou a funcionar precariamente. A jurisprudência imposta, inclusive, afetava os já pacificados casos do direito civil, influenciando na autocomposição das partes. A população passou a reclamar com ênfase, pois benefícios antes conseguidos estavam sendo suprimidos. Era claro que, em uma diversidade territorial e jurídica tão intensa, a Lei de Jurisprudência Eletrônica nunca daria certo. Aos 21 anos, Jeremias elegeu-se o deputado federal mais votado do Brasil pelo Partido Legalista Tecnológico e fundou a Bancada Tecnológica no Congresso. Em apenas um ano de exercício de mandato derrubou a Lei de Jurisprudências Eletrônicas e criou a Lei Pública de Interpretação Eletrônica.

O software estava livre. 

A Lei de Jurisprudências Eletrônicas havia sido um contrassenso para o governo, que ao interferir de forma direta no programa, acabou, paradoxalmente, oficializando seu uso. Quando posto em prática seu módulo de Direito Criminal, o Ministério Público contestou. Toda análise de casos pelo software indicava sempre uma sentença menos favorável ao réu do que as analisadas pela promotoria. No entanto, também sempre indicava uma sentença mais penalizante que a apresentada pelo advogado da parte. Se este não poderia argumentar que o MP estava se excedendo, também a promotoria se valia do programa para indicar que a conclusão do advogado tentava livrar ou diminuir a pena do acusado mais do que era merecido. Naquele tempo o programa ganhou o apelido de “fiel da balança”, pois fazia o tensionamento de pedidos e retóricas antes que chegassem ao juízo. Foi a época dos grandes acordos penais entre promotoria e acusados. Os crimes contra a vida já não iam mais a juri popular, pois havia consenso da pena entre promotoria e defesa. Pouco tempo depois, o sistema medieval de juri popular seria abolido definitivamente do ordenamento jurídico. 

Já a política nacional não teve tanta sorte. Depois de 500 anos de saques e uso da máquina pública em benefício próprio, os cartéis políticos desmoronaram. Era claro que o software exigia todo um conjunto de provas para a análise de cada caso, mas para isso existiam os repórteres investigativos que municiavam a Força de Segurança Nacional, fortalecida por Jeremias. Ao alimentar o programa com a esses dados, o software analisava a culpabilidade em tempo extremamente rápido. E o universo de provas era farto. Como tiveram o controle judicial desde sempre, a classe política nunca se preocupou, realmente, em esconder, mascarar ou apagar vestígios de corrupção. Ainda dependiam do juízo, mas o resultado final poderia ser visto em qualquer execução do software, em qualquer computador e a análise jurídica disponível para quem quer que fosse, inclusive na internet. Foi uma verdadeira caça às bruxas. Políticos caíam como cana na ceifa. Por fim, até os juízes corruptos caíram. Verdadeiros pilares da política do “toma lá dá cá”, ainda se valendo das prerrogativas, demoraram para sofrer sua queda. Mas por fim se foram, impotentes diante da força da análise eletrônica.

Essa “faxina moral”, combinada com o nível de celeridade alcançado nas condenações foi como uma avalanche mundial. A empresa Condão CO viu seu capital multiplicado por 500 e, em menos de 2 anos, já era a terceira maior empresa do mundo. O software era exportado para toda Europa a preços estratosféricos. Além disso, o Condão estava vinculado ao poder público pela Lei da Interpretação Eletrônica Pública e Jeremias fez questão de manter assim. 30% de todo o lucro da empresa era repassado diretamente para os cofres da União. Não demorou para os EUA se renderem ao programa, no entanto, fazendo diversas exigências sobre uma utilização principiológica própria com uma série de ponderações. Apenas fricotes diplomáticos para que o país não parecesse se submeter totalmente à nova tecnologia. Tal negócio ficou conhecido como MegaTEC. Maior contrato já feito no mundo entre empresas e governo.

O Brasil entrava na Era de Ouro e Jeremias era eleito senador aos 25 anos.

Edwardo espreguiçou-se no sofá e interrompeu a linha de raciocínio de Jânio. Piscou 3 vezes e ligou o aparelho em seu olho esquerdo. Já eram 3 horas da tarde. Coçou a perna. A calça molhada e a água salgada haviam feito o seu trabalho. Estava agora com coceiras pelo corpo inteiro. Precisava de um banho e teria que arrumar roupas que lhe coubessem. Tinha 1,75 cm e Jânio 1,83 cm, mas o professor era magro como um talo de bambu. Provavelmente bastaria dobrar a barra da calça para que ficasse quase perfeita. Levantou-se de súbito, como se tivesse lembrado de algo. Repetiu o procedimento com a câmera do Cristo Redentor. Nada havia mudado no seu apartamento. Ótimo.

— Preciso de uma calça. Pode ser uma calça qualquer, apenas para chegar em casa. Só que antes vou passar na Galeria Chinesa para trocar o aparelho ótico. – Foi ao banheiro tomar uma ducha.

Era sexta-feira, portanto, feriado. Nos últimos cinquenta anos a carga de trabalho vinha caindo progressivamente. A última regulamentação definia a jornada em 6 horas diárias, de segunda a quinta. Apenas nos plantões do instituto, quando havia a necessidade de atualização emergencial no software de algum país que tivesse alterado a legislação, Ed trabalhava mais. Era cada vez mais raro. Progressivamente as sociedades começavam a se dar conta de que estavam chegando ao modelo ideal e inovavam cada vez menos.

Nas escolas era diferente. Continuava-se mantendo a mesma carga horária do início da Era de Ouro.

— Pega essa. – Jan atirou-lhe a calça no rosto testando seus reflexos.

Era um jeans desbotado, tão velho quanto a TV. Até que gostou. As roupas sintéticas tinham proporcionado uma moda opressiva há algumas décadas, mas agora se voltara ao uso do algodão e do linho, para alívio de quem se sentia incomodado com aquela elasticidade artificial e sufocante. Vestiu a calça, recolocou a camisa já seca e enrolou o moletom na cintura enquanto Jan mordiscava um sanduíche de salame. Olhou para o petisco com aquele ar pidão dos gatos sob as mesas dos restaurantes. Jan sorriu e jogou-lhe outro sanduíche, já pronto. Agradeceu e preparou-se para sair. Jan foi no encalço. Ed parou devagar e se virou, suspirando.

— Jan, você não precisa ir. Não quero que se envolva nisso. Ainda posso estar em perigo e me sentiria extramente mal se algo lhe acontecesse.

— Ah, tá bom Ed. Depois de 30 anos de uma vida monótona acontece algo que pode ser um ponto de ruptura na nossa sociedade. Algo notoriamente grande. E você me pede para que fique em casa assistindo a uma TV do período paleolítico e ligando de um aparelho de conexão que poderia ter pertencido a Getúlio Vargas. Ah, vá à merda.

Ed riu-se. 

— Então redobre a atenção.

Desceram a rua em direção à Avenida Conde de Bonfim. Enquanto caminhavam, lembrou-se de Sílvia. Menos de 18 horas atrás havia se despedido dela. A biogeneticista passaria a noite de plantão no Instituto Federal de Biotecnologia recombinando aminoácidos cromossômicos. Perguntou-lhe, rindo, por quê. “É segredo baby.” tascou-lhe um daqueles beijos que só ela sabia dar e apertou sua mão passando um pequeno pacote embalado em um compartimento a vácuo. “Não fume na rua. Nos vemos amanhã!”. Menos de 18 horas e a saudade já estava apertando. Apesar da maciça campanha do governo para que se evitasse contatos emocionais duradouros, isso não funcionava com os dois.

Admitia que o programa governamental era eficiente. Não se incentivada a manutenção de laços familiares além do necessário. Com 14 anos o adolescente poderia viver diretamente no colégio e visitar os pais cada vez menos. Os próprios pais tinham a tendência de se separar após a criação dos filhos. Era uma prática comum. Mais de 90% dos pais com filhos acima de 16 anos eram separados. Além disso, raras eram as vezes que se comunicavam. A propaganda oficial dizia que uma vida solitária era uma vida mais produtiva e feliz. Não havia as limitações impostas pelo parceiro. A mídia incentivava programas para uma única pessoa e, no caso de casais, apenas para uma noite. O resultado se via na rua: dentre várias pessoas se deslocando, raríssimas eram em dupla, como Ed e Jan. Ele mesmo, que se achava extrovertido, só tinha um amigo e a namorada. A última vez que falara com a mãe fora no ano anterior. Com o pai, há mais de 5 anos. Para Jânio era ainda pior: só tinha Ed como amigo. 

Chegaram à avenida. A dúvida era se iriam pela superfície, na supervia aberta, ou nos trens a vácuo. Ed sempre preferia a superfície, a não ser que o frio estivesse forte, coisa rara no Rio. Não precisavam se preocupar com a chuva. A qualquer sinal de precipitação as coberturas automáticas se fechavam sobre toda a extensão da via, em ambos os sentidos. Lembrou-se que vira em imagens históricas a avenida Conde de Bonfim fervilhando de automóveis. Atualmente, esses veículos eram comuns apenas em museus e nas antigas rodovias secundárias do interior do estado, onde existiriam caminhões de carga com 3 vagões. Na cidade não eram permitidos veículos privados motorizados. A prática fora abandonada pela própria população depois de uma intensa campanha na mídia e da redução drástica do espaço para esse tipo de transporte. Fato é que não faziam falta alguma. Chegava-se a qualquer ponto da cidade pelo metrô a vácuo, a intrincada rede de tubos de sucção que renderizava quase todo o subterrâneo da cidade. Os antigos metrôs haviam se tornado obsoletos há quase 55 anos, substituídos pela nova rede que cruzava todo o subsolo, inclusive sob os morros e serras da cidade. Era possível ir da estação Uruguai, logo a frente, a Ipanema em uma viagem de 3 minutos. Mesmo que houvesse mais paradas, nenhuma viagem durava mais de 25 minutos, entre qualquer estação da metrópole. Mas o que causava maior admiração a Ed era a Supervia. Apesar de estar há 30 anos em operação, a pista móvel do Rio de Janeiro foi a melhor obra de deslocamento urbano criada até então. Pelo menos para os cariocas, que sempre adoraram andar ao ar livre. 

Fisicamente, A supervia substituíra completamente a via dos automóveis. 13 esteiras em cada sentido, sendo as esteiras mais externas as de menor velocidade e as internas de maior velocidade. A primeira esteira desenvolvendo 3,0 km/h, o mesmo que uma caminhada muito leve. Aumentava-se progressivamente a velocidade entre as esteiras acrescentando-se 4,0 km/h em cada uma até se chegar a velocidade da esteira central de 27,0Km/h. A única forma de se desequilibrar na esteira era entrando-se nela ou  mudando-se de faixa em um ângulo menor do que 45º. A forma de se entrar na esteira era bem simples e constava impressa no solo em todo o calçamento da via. 

Ed e Jan subiram na esteira já caminhando. Apenas uma parada de menos de 1 s para que o corpo absorvesse o deslocamento e já estavam de novo caminhando para mudar de faixa. Em cerca de 5 s estavam na esteira principal, a 27Km/h a céu aberto. Chegariam à Avenida Passos, 7 km a frente, em cerca de 15 minutos, praticamente sobre a Galeria Chinesa. 

***

8 horas antes, a aranha caiu na água das galerias pluviais ainda sobre o formato de esfera, já aproveitando a submersão para escanear os dutos de água em busca do cigarro perdido. A filmagem feita pelo drone terrestre antes da queda definitiva no buraco era bem nítida, confirmando que se tratava de um cigarro. A ampliação com tratamento de imagem feita naquele momento ainda conseguira identificar parte da impressão digital no papel, mas insuficiente para começar uma busca por pontos cruzados no banco de dados da Central. Impossível utilizar apenas as duas linhas de digitais visíveis na foto. Saiu da água já com as pernas fixas na parede, subiu à plataforma lateral e abriu o laser verde zimmer de detecção de formas. Ativou, por fim, o sensor olfativo. Procurava uma substância específica com uma essência própria. Regulou a detecção molecular para aquele tipo determinado. Parou e começou a captar. Chegavam composições moleculares. Metano, carbono, enxofre. Ficou imóvel por 40 minutos, até captar um fenol característico. Disparou em direção a trilha odorífica criada pelas moléculas suspensas. Se deslocou cerca de 70 metros. Apontou o laser zimmer para um determinado ponto. Aproximou-se. Levantou uma das pequenas patas. Da ponta do delgado tentáculo saiu uma agulha ultrafina, 1/10 da espessura de um fio de cabelo. Aproximou-se para coletar a amostra. O cigarro há muito havia se dissolvido na água, mas presa a um minúsculo esporão de ferro de uma grade que desembocava no mar tremulava uma ponta de folha, como que lutando contra a correnteza para não ser tragada pelas águas. A aranha a espetou com firmeza e recolheu completamente a agulha. 

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