Over The Dusk

By control5h

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Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Prólogo

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By control5h

Olá, pessoinha prestes a ler essa estória! E sim, ela vai sair do churrasco! Não sei como chegou aqui, mas caso tenha lido a minha outra fanfic (Into The Dead), você já sabe basicamente como funciona minha forma de escrita! Mas caso tenha lido nada de minha autoria, estou aqui para dar alguns avisos:

Antes de tudo, já agradeço por ter se interessado e clicado no primeiro capítulo. Over The Dusk será uma estória que se passará em um Universo Sobrenatural, essencialmente com Bruxas, Vampiros, Lobisomens e etc. Portanto, é óbvio que ela conterá cenas violentas, pesadas e sangrentas, com palavras de baixão calão, detalhes explícitos, torturas e mortes... e, por isso, aviso assim para evitar qualquer tipo de imprevistos ou surpresas negativas. Espero que sejam gentis, não me ofendam em comentários, e, por favor, não deem spoilers (fatos que sofri bastante em ITD).

Espero que aproveitem essa estória tal como estou me divertindo em escrevê-la. Há referências e analogias a diversas obras desse universo, como: The Vampire Diaries, The Originals, Teen Wolf, Anjos da Noite, Twilight Saga e outros.

Mas, vamos lá! Tenham uma boa leitura, me perdoe por qualquer erro ao longo dos capítulos, e aproveitem a trilha sonora incrível que preparei!

A fanfic possui uma playlist oficial no Spotify, com o link disponível no meu perfil! Há também um twitter oficial: "overthedusk", lá há informações sobre atualizações e etc.

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Final da Alta Idade Média

Século X (ano 1000 d. C)

* Music On * (Medieval Faire – Brandon Fiechter)

Península Ibérica.

A expansão muçulmana lentamente tomava conta da região que, séculos depois, daria origem a Espanha e Portugal.

Exatamente no ano de711 se iniciou adisseminação islâmica do Califado Omíada que não tardou em confrontar o cristianismo que vivia naquelas terrasfeudais. Durante décadas, diversas regiões da Península perpetuaram as guerras existentes entre essas duasreligiões, findando, anos depois, em uma vivência mútua onde os cristãosficavam ao Norte e os muçulmanos ao Sul. Momentaneamente, graças às Cruzadas.

No entanto, enquanto os homens se preocupavam em guerrear e matar a própria linhagem... um mal extremamente pior passava despercebido e dominava, lentamente, o mundo.

Vivendo nas redondezas cristãs do Norte da Península Ibérica existia um pequeno vilarejo composto por poucas casas e fazendas de milho. O local era, basicamente, constituído de cabanas mal feitas e cercadinhos velhos que mantinham os porcos selvagens e cavalos encarcerados.

O feudalismo era o sistema que regia a época e, por assim, havia um Senhor que dominava todos as terras de plantio. Em geral tratava-se de famílias extremamente ricas, lotadas de indivíduos gordos tanto no sentido literal quanto abstrato da palavra: sugavam toda a produção de seus serviçais fiéis e ficavam com o lucro não-monetário para si.

Comércio, moeda e reis se encontravam escassos e a única forma de sobrevivência era acatando as ordens do Senhor Feudal, trabalhando obrigatoriamente para subsistência.

Um típico camponês acordava todos os dias no Século X às cinco da manhã junto a sua família lotada de crianças, aglomerados e vivendo na casa de um único cômodo. Comiam mingau e iniciavam todos os afazeres da semana estritamente dividida de acordo com as porções de terra do senhorio. O cheiro de pele animal sapecada, os mosquitos sobrevoando os lares, os latidos dos cães raivosos ao fundo... a ambientação já lhe era normal desde o instante em que nasciam graças às parteiras disponíveis. 

A vida de Sence não possuía rotina diferente.

Ela era a caçula de uma família constituída por: seu pai, um homem de 40 anos; por sua mãe, uma mulher de 34 anos; e sua irmã, Eda, uma jovem de 19 anos.

Talvez te assuste, caso faça as contas, mas sim, a mãe de Sence engravidou de Eda com apenas 14 anos após ter sido vendida ao seu esposo, que na época continha 21.

Sence estava no auge dos seus 16 anos e nunca havia se apaixonado. Ela era extremamente inocente quando se tratava de amor e acreditava em príncipes encantados e cavaleiros corajosos, principalmente por, todos os dias, presenciar seu pai espancando sua mãe ao chegar bêbado em casa. A jovem que continha fios de cabelo em um ruivo escuro realmente sonhava com o dia que alguém apareceria e a tiraria da vida monótona.

Sua irmã, pelo contrário, repudiava tudo o que acontecia ao redor. Eda continha cabelos castanhos, olhos espertos, segredos intrínsecos e uma determinação incrível. Sempre ajudava a sua mãe quando o homem escroto, que era obrigada a chamar de pai, chegava na cabana vomitando autoritarismo e violência. Ela tentava dar o melhor de si para ofertar segurança à mulher, mantê-la feliz e entretida nas conversas que compartilhavam durante os afazeres domésticos.

O homem bebum mal-agradecido era infeliz por não ter conseguido um filho e, por isso, precisava trabalhar sozinho no serviço braçal. Às vezes ele levava Eda, por ser a mais velha, mesmo isso significando receber olhares julgadores dos outros homens no campo de milho. A sua esposa, pelo contrário, sempre contava com o auxílio a contragosto de Sence na horta, além de serem as responsáveis por fazer as refeições.

Enquanto seus vizinhos seguiam os sinos da capela em todos os Domingos para irem à missa rezar, a família permanecia no interior da cabana minúscula, onde dormiam sobre um amontoado de palha, iluminados por velas de sebo e aquecidos por uma pequena fogueira no centro do cômodo. Não continham grandes planos para o futuro a não ser sobreviver às trevas daquele período conturbado.

Eles eram descendentes de Druidas e não acreditavam no Cristianismo por serem pagãos.

Os Druidas foram os povos de origem indo-europeia que habitava extensas áreas da Europa pré-romana, se tratando de sacerdotes dos lendários Celtas. Chamados de bruxos, feiticeiros, magos, pecadores... eles acreditavam na sacralidade da Natureza e de todas as formas de vida, possuíam habilidades especiais de curandeiros e o papel de convalescerem a si mesmos, a comunidade e a Terra. Sua magia sobrenatural percorria a corrente sanguínea do portador do dom como um raio que corta a noite penumbrosa... como um lampejo de luz em meio a insignificância mundana.

Tinham plena noção do quão especiais eram, quebrando a ordem da humanidade homogênea. Viviam escondidos, aos extremos da sociedade.

A mãe das jovens era uma descendente direta da linhagem e, por assim, continha poderes sobre-humanos: ela conseguia influenciar na natureza ao redor, ajudá-la a se desenvolver e dar frutos bons. Por isso, portanto, que as colheitas da família eram secretamente sempre as mais lucrativas dentre todas as outras, mesmo com a mão de obra a menos.

Os poderes da natureza eram passados hereditariamente, porém, não se apresentava em todas as mulheres Druidas. O gene nem sempre era ativado.

Sence os continha enquanto que Eda não.

A mulher de 34 anos sempre advertia a caçula e buscava educá-la para que usasse os dons exclusivamente para o bem, pois, aquelas que usavam os poderes da natureza para o mal eram castigadas pela linhagem.

Sence sempre havia sido uma boa garota, mesmo que excessivamente sonhadora.

E Eda amava isso na irmãzinha. Por mais que sentisse a submissão advinda da consanguínea, e isso lhe causasse insegurança em ser mais aberta com ela, a mais velha amava como ambas aparentemente compartilhavam um belo laço de companheirismo.

Mas isso mudou um dia.

Pois... o desejo de Sence fora atendido.

Uma nova família se mudou para o vilarejo, às ordens do Senhor Feudal, e se instalou em uma cabana há poucos metros. Ela era constituída por apenas três pessoas: homem, mulher e filho. O enredo era parecido com o de sua família, tendo, até, o rapaz com idade semelhante à da jovem.

E isso cativou Sence ainda mais.

Observando-o doquintal de sua casa, a jovem de 16 anos via o rapaz ajudar o pai todos os dias.Por semanas e semanas ela o namorou à distância, suspirando romanticamente a cada vez que era presenteadapela ausência da camiseta e o abdômen à mostra pelo calor europeu.

Dmitrei era seu nome.

O vilarejo era pequeno, as ruas se cruzavam, as vidas se interligavam. Segredos precisavam ser escondidos com muito cuidado, romances necessitavam de ocorrer de acordo com as ordens vigentes da sociedade da época. Sence, atraída pelo vizinho de cabana, mal sabia que o rapaz insonte também a encarava de longe, afetado pelos balanços inusitados dentro de seu peito a cada vez que a avistava em seu vestido costurado à mão.

E a distância entre os amantes sigilosos fora quebrada quando, em um ato de cortesia, a mãe de Sence e Eda convidou a família de Dmitrei para que jantassem juntos em uma noite. Sentados à mesa, os dois adolescentes apaixonados se encararam durante todo o tempo em que os adultos conversavam...

Deixando lentamente o sentimento crescer em seus corações.

Depois daquela noite eles começaram a se encontrar nos campos de milho para conversarem, sem segundas intenções inicialmente. Sence adorava o jeito que Dmitrei a fazia rir, semelhante a uma tola de paixão. E isso era recíproco para o rapaz que, durante toda a infância, precisou acatar as ordens machistas de seu pai mesmo não concordando com nenhuma delas.

Ele era um bom homem, ao final. O seu cavaleiro encantado. Respeitoso, carinhoso e real.

E tudo pareceu ainda mais perfeito quando eles trocaram o primeiro beijo.

Ah... o lindo romance adolescente.

As borboletas no estômago.

Os suspiros despercebidos.

As incríveis sensações que, como toda versão de Romeu e Julieta, tiveram um fim.

Os costumes antigos não permitiam aquele relacionamento por uma simples razão: Enquanto a primeira filha, a mais velha, não fosse casada... a segunda não poderia ser tocada por nenhum homem.

Logo, Sence e Dmitrei se viram em um amor proibido.

Rapidamente a mãe das jovens ficou ciente do envolvimento entre os adolescentes através das conversas dos vizinhos. Evitando a fúria violenta de seu marido, ela mesma recolheu sua filha para casa e a ordenou que desse um fim naquele relacionamento, já que Dmitrei era o único pretendente livre no vilarejo e ele deveria ser destinado a Eda, para que se casassem o mais rápido possível e a despachassem da casa, diminuindo, assim, uma boca para alimentar.

Sence não queria perder o seu grande amor, muito menos para sua irmã.

Mas era esperta o suficiente para saber que não conseguiria vencer a sociedade da época e então, momentaneamente, aceitou as ordens de sua mãe.

Eles não estavam mais em um relacionamento...

Porém, não deixaram de se encontrar.

Mesmo com Eda não querendo, seus pais começaram a organizar as coisas para que o casamento ocorresse o mais rápido possível, mesmo com a diferença de três anos entre os noivos.

Enquanto isso... Sence e Dmitrei se amavam na mata. Eles fugiam todas as madrugadas e se encontravam, sem que suas famílias sequer desconfiassem.

O rapaz jurou amor eterno a ela, a jovem deu sua pureza a ele.

Um amor que de fato era verdadeiro, mas na hora errada e no lugar errado.

Em uma das noites que eles haviam marcado de se encontrar debaixo de uma árvore, Dmitrei chegara mais cedo. O casamento estava se aproximando e aconteceria na próxima Lua Cheia, dali uma semana. Mesmo com a notícia ruim, o rapaz estava radiante porque conseguira trocar alguns sacos de grãos por um anel de pedra do Sol e o daria de presente para Sence, como um noivado em segredo.

* Music On * (Through the Mirror – Adrian Von Ziegler)

Dmitrei se encontrava sentado debaixo de uma árvore de Sequoia, conhecida por ser extremamente gigante. Ele vestia um paletó velho, chapéu meio rasgado e os primeiros pelos de barba eram visíveis em seu rosto. Escorado ao tronco grosso, o rapaz segurava um lampião de sebo e olhava por entre os galhos da plantação adiante, à procura de qualquer movimentação que indicasse sua amada.

O quê o rapaz não sabia era que naquela noite a mãe de Sence a impediu de sair de casa, obrigando-a a permanecer no aposento ajudando a fazer o jantar regado a peixes que o marido pescara. A jovem de cabelos ruivos escuros padecia por dentro, agoniada em deixar seu amor sozinho naquela noite, sabendo que ele nunca adivinharia sua ausência plausível.

Dmitrei, há longos metros dali, continuava a esperá-la. A noite mantinha o seu trajeto, aproximando-se da madrugada.

O rapaz impaciente já se encontrava de pé, preocupado com o sebo de seu lampião que aos poucos acabava e indicava, através de lampejos de penumbra, que se apagaria. Angustiado, ele se distraiu demais com o objeto velho e não aguçara seus sentidos de camponês para o perigo que se aproximava sorrateiramente.

O predador pisava cuidadosamente por entre as folhas secas, com as orelhas levantadas em posição de ataque. A boca semiaberta deixava visível as presas afiadas entre pelugem tão negra quanto a escuridão, e os olhos cintilavam um verde animalesco, indicando a fome profunda.

Naqueles meses os lobos da região precisaram migrar por causa da intensa temporada de caça que vinham sofrendo. Isso, aliado aos homens cada vez mais invadindo seu habitat, se juntou a fome que sentiam por não terem do que se alimentar.

Quando Dmitrei percebeu o grande predador, já era tarde demais.

Os dentes e as unhas pontiagudas rasgaram sua pele, arrancaram seus músculos e o fizera sangrar como uma pobre presa.

Ele ainda respirava, mal vivo, estraçalhado, quando Sence chegou ao local na calada da madrugada. Ela o encontrou agoniando coberto em líquido vermelho e passou os últimos segundos com ele, embalando-o em seus braços enquanto morria.

Sence tentou aplicar seus poderes da natureza para salvá-lo, mas foi inútil, uma vez que era estritamente contra as regras Druidas trazer algo morto de volta à vida. Para aqueles que compartilhavam da Magia Pura... a morte era um ritual de passagem necessário.

Mas a jovem se encontrava desesperada, aos prantos, banhada por sangue e lágrimas. Sua magia era insuficiente. Ciente, ela beijava a mão do amado, implorando por qualquer entidade que a ajudasse naquele momento.

E permaneceu assim até que teve a pior ideia possível. No entanto,única.

Ela sabia que se existiam poderes da natureza... deveria existir poderes que fugiam desta definição.

A Magia Impura.

Poderes maléficos.

Dons que conseguiriam trazer algo morto à vida.

Movida pela ideia do primeiro amor, Sence conseguiu colocar o corpo morto de Dmitrei na carroça de sua família e subiu no único cavalo que possuíam. Sem acordá-los, ela cavalgou arrastando o amado falecido até o vilarejo vizinho, que havia sido dizimado por uma invasão de muçulmanos e, por isso, poucos ali viviam por duas razões: 1) Falta de alimento e 2) rumores de bruxaria.

A verdade era que algo dentro de Sence havia mudado e ela estava disposta fazer qualquer coisa, certa ou errada, para viver a eternidade ao lado de Dmitrei.

Ao chegar ao vilarejo quase vazio, sem dificuldade alguma, a jovem encontrou uma velha Impura. A idosa morava em uma cabana caindo aos pedaços, com uma grotesca camada de sujeira tanto no cômodo quanto no seu corpo regado a rugas e pelos brancos.

Enquanto conversava com a velha aterrorizante, ela encarava os dentes amarelos, a língua áspera, a verruga na ponta do nariz. A Impura, pelo contrário, amava a fisionomia da jovem Druida e, ainda mais, amava sua alma de criança inocente. Viu nela, então, a oportunidade perfeita para efetuar o plano que arquitetava há anos, mas não tivera ferramentas para tal:

Dar a oportunidade aos espíritos malignos de saírem do Outro Lado.

As duas mulheres fizeram um pacto: a velha druida traria o bom Dmitrei de volta.

Mas isso custaria algo.

Um sacrifício... Uma vida pela outra.

E naquele momento toda a bondade de Sence foi colocada à prova.

Por quê? Porque não era da vida dela que se tratava.

Era a de sua irmã.

O sacrifício não poderia ser realizado utilizando uma Druida com os genes ativos, deveria ser com uma mulher tecnicamente normal. Sence chegou a hesitar, mas a bruxa Impura soube enganá-la mais uma vez fingindo ser uma boa samaritana ao prometer que a morte seria momentânea... e que usaria apenas a áurea de uma alma viva para se conectar ao espírito do falecido rapaz e trazê-lo de volta, tal como lançar uma corda para que ele segurasse do Outro Lado e fosse puxado.

A ruiva se encontrava apaixonada pela ideia de amar e foi facilmente influenciada pela esperteza maligna.

Cumprindo com sua parte do acordo, Sence voltou até o seu vilarejo e se banhou para retirar todo o sangue impregnado em sua pele e roupas. De uma maneira psicoticamente fria, ela almoçou com seus pais e fingiu que nada havia acontecido, mesmo com a família de Dmitrei preocupada com o sumiço do jovem. No final da tarde, do mesmo dia, Sence conseguiu criar uma desculpa boa o suficiente para afastar Eda do perímetro da cabana e guiá-la para o interior da plantação de milho, entretendo-a com conversas fúteis. Porém, sem sequer perceber o golpe vindo, Eda apenas arregalou os olhos ao assistir o vulto súbito de sua irmã lhe atingindo com uma pancada na lateral da cabeça, fazendo-a cair desmaiada no milharal.

Algumas horas se passaram... o dia ensolarado ganhava cada vez mais um tom mais macabro, fúnebre, enérgico.

Quando Eda despertou se viu presa em uma cadeira de madeira, com os pulsos e tornozelos amarrados fortemente por tiras de pano. A boca estava seca, ao contrário de seu rosto molhado por uma fina camada de suor. Tentou gritar para pedir ajuda, mas a Impura havia feito um feitiço que nenhum som conseguia escapar pelas frestas daquela cabana.

Seus olhos castanhos encontraram a figura da irmã sentada ao fundo da cabana, que cheirava a sangue e carne velha. Sence continha os olhos arregalados, expressão assustada e levemente arrependida enquanto esperava o ritual ser feito. Ao seu lado a velha Impura terminava de fazer uma mistura dentro de uma cuia, constituindo ser um chá de ervas. E, ao centro do cômodo, o corpo inchado e com sinais de decomposição de Dmitrei estava estendido por debaixo de um cobertor branco e fino.

Eda vociferava: "O que está acontecendo?!" ... "Por quê estão fazendo isso comigo?!" ... "Por favor, por favor, me deixem ir embora!" ... "Sence, por quê?! Eu não quero a droga do seu namorado! Por quê fez isso comigo? Por quê?".

Mas sua irmã mais nova não a respondia. Sentia vergonha e se arrependia do que havia feito, mas agora era tarde demais. Sabia que se tentasse sair dali... acabaria morta junto com eles.

A velha Impura os lançava olhares lascivos, banhados em pecados e tons demoníacos. A maldade era agora perceptível no seu andar até perto da cadeira onde Eda estava presa, levando em suas mãos um chá amargo, obrigando a mais velha a tomá-lo na medida em que virava a cuia em sua boca aberta às forças. Logo, a bruxa se colocou ajoelhada no centro da cabana, especificamente entre a jovem amarrada e o corpo padecido de Dmitrei, e abriu um grande livro no chão. O objeto continua quase quinhentas páginas, era velho e desgastado nas laterais, cheio de símbolos estranhos e assustadores.

Ela fechou os olhos, inspirou profundamente e tentou se concentrar em cada chama de fogo gerada pelas diversas velas acesas. Ao sentir a vibração em seus músculos e as vozes ao seu ouvido, a velha começou a pronunciar frases em uma língua desconhecida e a recitá-las como em um verso de poesia.

Não demorou muito para que Eda sentisse uma pressão gigantesca no interior de seu peito, como se o seu coração estivesse sendo puxado de forma grotesca. Simultaneamente os utensílios velhos no interior da cabana começaram a vibrar e os ventos no exterior balançavam as árvores, as palhas das casinhas, incomodava os cavalos.

A jovem de cabelos castanhos iniciou gritos de dor e pânico, agoniada pelo oxigênio escasso nos pulmões. Ela lutou pela sua vida, não se entregou a pressão que parecia a sugar cada vez mais. Entretanto, como um estalar de dedos, e um sorriso vitorioso no canto dos lábios da velha ainda de olhos fechados, tudo se aquietou.

Sence, com os olhos arregalados e boca entreaberta, encarava o corpo mole de sua irmã na cadeira, aparentemente sem vida. Ela não se mexia, o diafragma parado indicando falta de respiração.

Sem reação, e com uma lágrima escorrendo por sua bochecha, a jovem de 16 anos apenas olhou para a Impura, que se mostrava intensamente satisfeita.

E então, antes de conseguir pronunciar qualquer som por sua boca trêmula, duas lufadas de ar desesperadas ressurgiram no interior da cabana.

Eda abriu os olhos subitamente, erguendo a cabeça caída, e balançando-a em uma tentativa de se situar.

Dmitrei, que antes tava deitado ao chão, se sentou de maneira brusca e retirou o pano branco sobre o seu corpo. Magicamente todos os seus machucados e hemorragias não existiam mais, tal como se nada houvesse acontecido. Os olhos do jovem estavam arregalados, ele respirava erroneamente, perdido por completo.

Os dois limpos, vivos, com os pulmões e corações funcionando normalmente.

Sence, mais que por depressa, gargalhou em felicidade e se colocou de pé, indo ao encontro das duas pessoas que mais amava. Ela abraçou a irmã, que ainda não entendera o que acontecera, e beijou seu amado nos lábios ainda trêmulos. Havia dado certo! Sim!

E antes que os três pudessem sair da cabana, esperando que aquele pesadelo chegara ao fim.... a velha Impura os chamou calmamente. Sorrindo, vitoriosa, ela explicou a inédita e mais importante cláusula daquele acordo:

Dmitrei não poderia se alimentar de carne animal e Eda não poderia beber sangue humano, ambos até a 12ª badalada da capela central do vilarejo da próxima Sexta-Feira 13 de Lua Cheia.

Caso contrário, seriam assombrados por uma terrível maldição.

Engolindo seco e amedrontados pelas órbitas gélidas da velha, os três saíram desesperados da cabana antiga. Eles voltaram ao vilarejo, ainda incomodados com o que acontecera. Eda não aceitou as desculpas de Sence em ter arriscado a sua vida por Dmitrei e decidiu se distanciar de ambos, aceitando, em forma de vingança, o casamento que seus pais tanto queriam.

Perdedora e ciente de que não teria seu amado, Sence desistiu da luta. Mesmo casado com sua irmã, pelo menos Dmitrei estaria vivo e isso era o suficiente para seu coração partido.

*

O casamento de Eda e Dmitrei fora marcado para a Sexta-Feira 13, de Lua Cheia. A capela se encontrava toda enfeitada por flores e cheia de camponeses vizinhos, esperando por ver mais um pouco de amor jovem para entorpecer suas vidas vazias. As mulheres usavam vestidos longos, cabelos soltos; os homens tinham seus ternos bem passados, cabelos molhados.

Era uma noite quente, as estrelas brilhavam no céu e tentavam acompanhar a majestade Lua.

Dmitrei já se apresentava de pé no altar, com as duas colunas de bancos de telespectadores tão ansiosas quanto ele. O rapaz infeliz esperava que sua futura mulher surgisse no corredor, assim que as portas da capela se abrissem.

Sence e Eda estavam do lado de fora da igrejinha, aguardando o momento correto para entrarem. A jovem de 16 anos tristonha seria a acompanhante da irmã, respeitando o costume da época.

* Music On * (Deathless – Adrian Von Ziegler)

No entanto, assim que receberam um sinal para que entrassem, Eda sentiu um arrepio gélido cruzar a sua espinha. Por puro instinto, ela girou o rosto e olhou para trás, para o centro do vilarejo.

E enxergou a figura da Velha Impura as observando, usando um vestido negro e esfarrapado, malignamente sorridente.

As duas se encararam por segundos que pareciam eternos, instantes que assustadoramente transpassavam um aviso agourento de que algo terrível e eterno estava prestes a começar... e começou... no momento em que a Druida maléfica ergueu a mão direita e estralou um par de dedos outra vez.

Como um efeito dominó, os gritos ressurgiram.

Os lampejos de tochas apareceram por entre os galhos da floresta ao redor.

O relinchar de cavalos, os urros de guerra.

Invasão de Muçulmanos!

O vilarejo então foi atacado de forma bárbara em questão de segundos.

Os invasores jogaram as tochas nas cabanas, gerando chamas altas na palha seca que as revestiam. Os camponeses do casamento saíram às pressas da capela, correndo em todas as direções para desviarem dos cavalos velozes dos inimigos e, principalmente, das espadas afiadas que vinham de quaisquer lados.

Um caos.

Sangue espirrava, gritos se perdiam na noite, massacres aconteciam.

Os pais de Eda e Sence rapidamente as encontraram nos degraus da pequena igreja, e, desesperados, começaram a puxar ambas para que corressem daquele local.

Dmitrei, junto ao seu pai, foram até sua cabana ainda intacta e capturaram suas espadas para lutarem até o fim por suas honras. O rapaz subiu no cavalo branco da família e saiu a cavalgar em direção dos invasores muçulmanos, com sua lâmina já erguida e rosnado entredentes.

Enquanto as jovens fugiam através do lado oeste da invasão, o rapaz chocava sua espada com os guerrilheiros bravamente.

Porém... era notório que aquilo estava fadado a terminar mal.

Dmitrei possuía rápidos movimentos com a lâmina e massacrava aqueles que vinham em sua direção. Ele cortava homens, velhos, animais... e via o sangue espirrar na noite, com todos agoniando na grama felpuda do campo.

Prestes a seguir para suas próximas vítimas, o rapaz paralisou onde estava ao inalar uma essência incrível.

Dentre a mistura de sangue humano e animal, que pingava de sua espada, ele conseguia magicamente distingui-los pelo cheiro.

Inesperadamente suas entranhas iniciaram uma combustão, suas gengivas ardiam, a garganta pulsava.

Fome. A mais pura de todas.

Dmitrei entregue àquela vontade sobrenatural girou o corpo e seus olhos, arregalados, focaram no corpo deitado do cavalo inimigo. Ele inocentemente tentou lutar contra o desejo, mas foi totalmente em vão, porque, segundos depois, ele se colocava de joelhos e levava a boca até a carne exposta do animal, rasgando-a com os dentes ainda humanos.

Não muito distante dali, Eda e Sence continuavam a fugir com seus pais. Mesmo com a mais nova preocupada com seu amado e a mais velha com as pessoas que ficaram para trás, elas se mantiveram a desviar dos galhos secos das árvores entrelaçadas na escuridão da floresta enquanto ouviam passos que indicavam companheiros também escapando.

E, infelizmente, nem o brilho majestoso da Lua Cheia foi o suficiente para iluminar a figura muçulmana escondida há alguns metros à frente.

Em um ato impiedoso, o homem estrangeiro sacou uma faca afiada da cintura e habilidosamente saiu por detrás da árvore, já girando o seu corpo e penetrando a lâmina na barriga de Sence.

A jovem de 16 anos congelou com a dor ácida e suas pupilas dilataram, com a boca fazendo um "O" mediante o padecer que a consumia.

Tanto o pai quanto a mãe das jovens avançaram sobre o brutamonte muçulmano, em uma tentativa fútil de desviar sua atenção.

Enquanto os dois lutavam corajosamente pela vida de suas filhas, Eda se ajoelhou ao lado da irmã já caída na grama macia. A mais velha tentava estancar a quantidade absurda de sangue que vazava da barriga da caçula com as próprias mãos, mas, era inútil. A lâmina havia rasgado os órgãos internos e em instantes a hemorragia venceria.

Sence esforçou-se para pronunciar um último pedido de perdão, mas as palavras morreram no interior da boca ensanguentada ao notar o olhar diferente presente na expressão da irmã. Eda possuía as íris castanhas focadas no líquido vermelho quente e doce que transpassava a barreira imposta por seus dedos, completamente hipnotizada pela textura e temperatura.

Tal como Dmitrei, suas entranhas iniciaram a combustão, as gengivas arderam, a garganta pulsou.

Ela voltou sua atenção para o rosto aterrorizado de Sence, implorando um "perdão" silencioso.

E então sucumbiu ao desejo sobrenatural.

Eda uniu as mãos e capturou uma quantidade significativa de sangue entre elas, trazendo, logo em seguida, o líquido quente até seus lábios... e o bebeu.

Faltavam apenas duas horas para a 12ª badalada da capela.

Apenas 2 horas separaram os destinos de Eda e Dmitrei para toda a eternidade.

De pé, ao longe, e apenas observando todo o caos que se instaurava naquele pequeno vilarejo, a Velha Impura gargalhava de felicidade com seus dentes amarelos à mostra. Ela fechou os olhos, ergueu as mãos para o céu e deixou-se desfrutar dos ventos que outra vez recomeçaram intensos. As palavras no idioma antigo eram pronunciadas novamente, as órbitas se tornaram cinzas e seus músculos canalizavam todo o poder místico que lhe atingia como um canhão.

Os humanos ainda corriam desesperados, as chamas brilhavam altas queimando as cabanas, os sangues espirravam.

O mal iniciava seu caminho sobre a Terra.

E ela apenas parou e reabriu os olhos quando sentiu a energia do ambiente mudar.

Por quê?

Porque de um lado Dmitrei, de íris verdes cintilantes, berrava ao sentir a pior dor de sua vida, com todos os músculos e ossos de seu corpo vibrando para iniciar a metamorfização.. e do outro Eda sentia as gengivas rasgando para o nascimento das presas e as íris vermelhas brilhando, com as escleras tornando-se negras.

A velha Impura então abaixou os braços, girou o corpo, e deu início a uma melodia antiga enquanto assoviava e se distanciava por entre os galhos das árvores da floresta.

Tranquila, ela deixava para trás duas espécies recém-criadas e habitadas por espíritos malignos, que se tornariam eternos inimigos.

Ele se transformaria sob toda Lua Cheia em um monstro vindo da metamorfose de um lobo. Ela estava condenada a ser escrava do sangue e seu coração não bateria mais, pois havia sido congelado durante o ritual.

Eda o culpava por ter hipnotizado a pureza de sua irmã; Dmitrei a culpava por ter matado o amor de sua vida.

Desde então a guerra entre as duas espécies antagonistas nasceu.

Uma sempre buscando controle sobre a outra.

Eda e Demetri haviam se tornado, respectivamente, Vampira e Lobisomem.

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*Music On* (Scary Monsters and Nice Sprites – Skrillex)

Idade Contemporânea

2013

Música.

Festa.

Bebida alcoólica.

Exatamente tudo o quê um jovem da época desejava para extravasar quaisquer energias de seus corpos.

As luzes neons verdesda boate e a música eletrônica alta advinda das caixas de som eram ocombustível necessário para deixar todos os corpos dançantes ali desenfreados.Os humanos bailavam, pulavam, entregavam-se a sensação de liberdade no centroda pista quadricular, sem ao menos se importarem com o dia seguinte.Esquecer-se da obviedade da vida finita parecia um bom escape eles, não muitodiferente das décadas passadas.

Sentada em frente ao grande balcão do bar noturno, Camila mantinha a garrafa de uísque à disposição enquanto jogava pequenos amendoins dentro de sua boca. A mulher de cabelos longos, regata e jeans negros, mastigava a semente salgada e tomava o líquido amargo para diminuir a sua sede caótica por sangue, buscando manter-se tranquila.

Com suas írisvermelho-sangue, sorrateiramente, ela analisava por cima do ombro direito apresença das duas mundanas. Um sorriso maléfico nasceu em seus lábios porconseguir, através de sua apurada visão de predadora, notar os pequenos poros epelos arrepiados na clavícula da negra que continha uma tatuagem do sol declave no local, tal como sentir o cheiro adocicado da mistura do seu tiposanguíneo com o perfume Elie Saab.

As duas mulheres ao seu lado conversavam sobre a última viagem feita à Itália, reino das melhores igrejas e catedrais da Europa. Diversas memórias vieram à mente de Camila, mas ela não se deixou distrair, pois se mantinha interessada na tediosa conversa em que a negra mostrava à outra, através do celular, as fotos que tirara em tais estabelecimentos, explicando que as paredes eram feitas de pedra, repletas de imagens sagradas, pinturas antigas e detalhes de ouro que brilhavam ao longe. Dizia que o teto de madeira lembrava o casco de um navio e servia como um toque minimalista para o símbolo daquele local: cuja igreja seria um navio que transporta o povo de Deus através das tempestades da vida, ofertando Dever e Salvação.

Camila precisou morder os lábios carnudos para não rir ao ouvir toda aquela idiotice.

"Só que conseguir a salvação não depende apenas de nós. A salvação é um presente de Deus. Ele nos dá esse presente por causa de sua bondade imerecida."

Foi isso que a vovó Cabello disse uma vez para ela, quando ainda tinha apenas três anos.

Uma das várias habilidades que vieram com a eterna condenação de Camila foi um completo acesso a todas as memórias de sua vida. Se quisesse, conseguia lembrar-se de cada mísero detalhe de qualquer momento que presenciara.

Os tons florais das roupas que sua professora do Jardim de Infância usava na quinta-feira, dia 28 de Agosto de 1969, quando a deixou passar a tarde toda desenhando em folhas de papel. O cheiro adocicado do cereal de milho e o gosto do leite fresco que comera aos 9 anos em 1972, na manhã de segunda-feira 22 de Maio. O toque gentil dos lábios alheios que tocaram sua boca ainda intocada, na noite de sábado, em uma balada de amigos no dia 7 de Abril de 1979, onde ela sentira a mistura de álcool barato e chiclete de menta no beijo. A sensação inexplicável do primeiro orgasmo que tivera nos braços da pessoa que amava, no ano de 1986, naquela noite quente de Verão. A primeira vez que provara de sangue humano e o frenesi tivera início. Os gritos de horror de cada uma das suas vítimas ao passar dos anos, os nomes e sobrenomes das mesmas, os pedidos de socorro...

Eram quase 50 anos de experiências em um corpo congelado na idade de 24.

Deves pensar que Camila não crê Nele, mas, depois de tudo que aconteceu, o que ela mais tinha certeza era que Ele existia.

Por quê?

Porque matar já não era uma opção ou tentação. Era uma necessidade.

Se existe o Mal... existe o Bem. Mas não se engane caso pense que é algo relacionado com doutrinas como o maniqueísmo, que divide o mundo em bem e mal – matéria e espírito.

Eram demônios e seus descendentes.

E agora Camila fazia parte dessa linhagem do Mal que caminhava pela Terra.

Enquanto as pessoas dançavam, tudo o que o cérebro de Camila processava era o barulho tentador do sangue correndo pelas veias e artérias de cada humano presente naquele local. Era um fluxo constante, harmonioso, quase como um canto lírico que fazia sua garganta queimar em resposta ao cérebro imaginando o sabor morno do líquido vermelho.

Seu olhar assassino estava focado na jugular pulsante da mulher negra, cujo pescoço subia e descia mediante as batidas de seu coração ritmado, que distribuía pelo restante do corpo o fluído quente e essencial para sua sobrevivência.

A latina cessou a respiração, em uma tentativa de impedir o cheiro apetitoso, e passou a língua pelos lábios carnudos. O barulho da sístole e diástole era como música para seus ouvidos aguçados. A contração ventricular com o esvaziamento dos ventrículos seguida do relaxamento e preenchimento dos vasos lhe fazia visualizar perfeitamente o sangue correndo.

Camila escutava tudo. Os sussurros de dois jovens conversando ao fundo da boate; a respiração descompassada de um maconheiro tossindo na rua; o roçar de corpos de dois caras transando no banheiro masculino; os ruídos das formigas seguindo uma trilha no interior do balcão do bar.

E, por mais que tivera décadas para aprender e controlar suas diversas habilidades, uma característica em especial jamais seria completamente dominada: a fome. Seus instintos animais... seus instintos demoníacos sempre bateriam à porta, furtivos, solertes. Não importava conseguia viver entre os humanos/mundanos, porque, no fim, nunca mais poderia ser ou agir como um deles. O cheiro metálico do sangue sempre seria sua maldição.

Balançando a cabeça negativamente, a latina galante não se deixou imergir em pensamentos monótonos. Passava tempo demais dentro da própria cabeça e culpava as décadas de idade pelos comportamentos idosos.

Ela virava mais uma dose do álcool forte quando a mudança de música fez com que a multidão comemorasse a escolha do DJ, um ruivo magro presente em cima de um pequeno palco lotado por fumaça. Migrando suas íris vermelho-sangue para o balcão e sorrindo de maneira condescendente, a mulher pensou consigo mesma que nunca se cansaria da vida noturna... uma vez que não mais dormia.

*Music On* (Where Have You Been – Rihanna)

Camila ergueu-se no banco para pegar no bolso traseiro a tecnologia que mais amava, seu celular, com a intenção de ligar para Dinah, Normani e Ally... quando suas narinas rapidamente captaram o maldito cheiro que conseguia reconhecer em qualquer lugar da Terra.

Ela estava ali.

Se o músculo inativo que chamava de coração ainda funcionasse, o mesmo estaria batendo loucamente como sempre costumava bater quando ela estava por perto.

E se Camila havia percebido a tal presença... a sua inimiga natural, com certeza, também.

Era a Mãe-Natureza e ambas não podiam lutar contra.

Olá, Camz... – a voz rouca foi captada por seus ouvidos.

Camila fechou os olhos, controlando as reações que fervilhavam seu corpo. A mulher apenas sussurrara do fundo da boate, mas graças a sua audição sobrenatural havia sido como se a boca feminina estivesse a centímetros de sua orelha.

A latina sentia todo o seu corpo queimar. Não era natural sentir atração por sua espécie inimiga mortal, mas os feromônios daquela desgraçada eram diferentes.

Eles despertavam nela uma vontade louca de matá-la nos mais absurdos sentidos.

Ande comigo... precisamos conversar. – Lauren pediu.

Camila inspirou fundo procurando pela essência outra vez, usando suas habilidades de rastreamento para localizá-la. E, assim que o odor atravessou suas narinas, ela abriu os olhos e sorriu maleficamente ao encontrar o cheiro amadeirado e inebriante.

Ela conseguia até visualizá-la em sua jaqueta de couro característica e calça jeans negra com rasgados no joelho.

Camila levou o bico da garrafa aos lábios, tomando um gole generoso, e deixou a bebida em cima do balcão ao se levantar.

Pessoas. Luxúria. Sexo.

As luzes neon da boate refletiam as cores nas paredes escuras, em um degradê variante de tons violetas e vermelhos. A pista de dança se encontrava lotada de jovens que aparentavam, aos olhos curiosos, se movimentar em câmera lenta ao ritmo da música eletrônica advinda das grandes caixas de som, vibrando tudo ao redor. De olhos fechados e com copos nas mãos, seus corpos se entregavam ao momento e permitiam que suas mentes nubladas por álcool se esvaziassem, perdendo-se por entre as batidas e o efeito estroboscópico do ambiente notívago.

Caminhando porcorredores laterais da grande área do clube noturno, as duas mulherescabisbaixas passavam por entre a multidão que pulava desenfreadamente.

Os brilhos cintilantes incidiam em seus traços inumanamente lindos e simétricos, que, caso os indivíduos ali estivessem prestando a atenção ficariam tremendamente absortos com a beleza semelhante as faces de anjos renascentistas.

Mas as duas estavam muito distantes de serem tais figuras bondosas...

Elas almejavam uma a outra, inspirando o ar e procurando-se através de seus olfatos aguçados, os quais permitiam localizar o lugar exato de seus feromônios particulares.

E, ao se acharem, bastou que Camila e Lauren girassem os rostos para que se enxergassem perfeitamente, cada qual em uma extremidade da boate com incontáveis humanos as separando.

Um tipo de corrente elétrica cortou o ar, atravessando os corpos dançantes e as os espectros das luzes neon. Os dois pares de íris se conectaram de maneira sobrenatural, desencadeando uma resposta fisiológica em ambas as espécies que nitidamente começaram grunhir ferozmente.

Não aqui... – Lauren rosnou, entre as presas que começavam a se desenvolver.

Utilizando de sua velocidade supersônica, Camila se deslocou por entre os humanos em questões de avos de segundo, mais rápido que os piscares de olhos dos mesmos, impossibilitando-os de vê-la. Ela parou sua corrida ao adentrar no corredor que levava ao banheiro feminino, o qual se encontrava também banhado pelas luzes brilhantes. O cheiro exalante era uma mistura de suor e álcool.

Duas adolescentes conversavam entre si em frente a um grande espelho, retocando suas maquiagens enquanto davam risadas. Mas, assim que sentiram uma aproximação agourenta e a figura da latina surgiu por entre as penumbras da entrada do banheiro, elas cessaram o falatório.

A latina se aproximou de ambas, ficando diante de seus rostos, e deixou que seu cheiro atrativo de predadora entrasse pelas narinas das jovens, fazendo-as "enfeitiçadas" imediatamente.

– Saiam daqui agora! – ordenou.

A voz de Camila na mente das adolescentes soou como a Verdade Absoluta e isso gerou uma resposta imediata por parte delas, que, sem questionar ou hesitar, saíram em direção ao corredor.

Quieta, escorada à pia, ela permaneceu esperando.

Até que, por fim,escutou um barulho se manifestar nas penumbras da entrada do banheiro, indicando que nãoestava sozinha mais. O seu instinto funcionava como um sistema de ignição, cujafaísca se tratava de sua percepção e sua reação extremamente veloz era a câmarade combustão que fazia o motor trabalhar. Ou seja, em milésimos de avos desegundo, Camila girou o seu corpo em uma velocidade inumana ao ouvir o somestranho.

Entretanto, a outra espécie também possuía tais habilidades ágeis, e, assim, conseguindo ser mais rápida, a golpeou no peito usando o antebraço esquerdo para empurrá-la para trás, chocando as costas contra a parede com um estrondo alto.

Com as forças se anulando e os rostos perigosamente próximos, elas rosnavam uma para a outra.

A respiração descontrolada, a pele quente, a áurea dominante de Lauren exalavam um calor quase sufocante para Camila, que era um ser gélido, sem batimentos cardíacos, personalidade controladora. A dona das íris verdes cinzentas segurava a dona das íris vermelhas pelo pescoço, estrangulando-a para manter longe de si a mordida em sua jugular.

Mas isso apenas as divertiam.

Camila abriu a boca e deixou visível o crescimento de suas presas superiores através da fenda na carne em sua gengiva, juntamente a transformação de seu globo ocular que costumava ser branco e rapidamente se tornou negro, tal como as veias abaixo de seus olhos.

Lauren continha o maxilar travado e seus quatro perfeitos caninos pontiagudos descendo de sua gengiva, feitos exclusivamente para estraçalhar músculos e ossos. As suas orelhas se acuminaram, com a mitose de suas células.

Ambas em modo de defesa.

Raivosas;

Instintivas;

Sedentas.

Lauren manteve o aperto ao redor do pescoço de Camila e lentamente desceu a narina até perto da pele gelada, inspirando para o fundo dos pulmões aquele cheiro delicioso e atrativo. Soltou então uma bufada de seu hálito quente contra a latina, que gemeu baixinho pela onda de tesão que rasgou seu corpo.

Os corpos se pressionarammais contra a parede, contrastando a temperatura com o roçar dos seios enrijecidos,das barrigas meramente vistas nas barras curtas e virilhas pulsantes...partes estas cobertas pelos trajes que praticamente imploravam por seremarrancados. As respirações de ambas as espécies começavam a ficar aceleradasdevido à vontade da dominância eminente.

SOCORRO! POR FAVOR!

A sinfonia de gritos surgiu na pista de dança, esta vindo de vários jovens desesperados que corriam em uma tentativa fútil de salvarem suas vidas. Os berros implorando por ajuda fizeram com que Camila e Lauren acordassem do transe, quase que instantaneamente.

A latina a empurrou para trás, usando sua força inumana, e fez com que a mulher fosse jogada contra a parede oposta do banheiro. Os tijolos trincaram, as mobilhas tremeram e o espelho caiu com ela, ao chão.

Lauren arfou, extremamente irritada, e colocou as mãos nas costelas esquerdas que aos poucos voltavam ao lugar enquanto se colocava de pé.

Camila deu um passo à frente para correr até os jovens quando então seu corpo estagnou.

Seus músculos ficaram tensos. Suas entranhas queimaram ao sentir o cheiro adocicado entrar por suas narinas, misturado com o odor do pânico das vítimas ensanguentadas.

Sangue. Morno e fresco a sua disposição.

Camz, se você fizer isso... Eu não terei outra escolha a não ser me transformar completamente para impedi-la... – a voz implorou, ao fundo. – As meninas nunca chegarão a tempo de fazer isso no meu lugar!

Lauren sabia o que estava acontecendo com sua ex-namorada, porque se referia ao mesmo descontrole que costumava sentir quando se transfigurava. Era a fome. O angustiante frenesi. Uma exaltação violenta capaz de fazer com que alguém perca a razão; uma explosão de reações em seu corpo semelhante a uma bomba nuclear que, célula por célula, infectava os tecidos a fim de satisfazer o único anseio: se alimentar.

Mas Camila já não a ouvia. Camila não conseguia reconhecer o ambiente ao redor de si, porque tudo o que buscava era suportar os choques rasgando sua gengiva, sua garganta, suas vísceras. Na verdade, a voz de Lauren já não era tão apreciada por seu cérebro que era tomado pelo instinto primitivo da linhagem. O cheiro dela não era inebriante e sua semelhança já não era bem-vinda.

Lauren se transformava, aos olhos de Camila, apenas em sua inimiga natural.

Em um último suspiro de súplica por ajuda, a vampira de íris vermelho Sangria se girou à procura da mulher que costumava ser sua única fonte de paz.

No entanto, era tarde demais.

A lobisomem possuía as íris verdes acinzentadas focadas no vitral da janela, mais especificamente no brilho intenso do satélite surgindo no céu escuro, que a puxava magicamente e iluminava tudo ao redor.

Era noite de Lua Cheia.

Ambas se entreolharam e agora não eram mais as duas garotas que se amavam.

Elas eram predadoras de espécies antagônicas feitas para matarem uma à outra.

E os gritos, os rosnados, o sangue só podiam significar uma coisa: A guerra estava prestes a recomeçar.

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Ansiosos ou ansiosas por mais de Over The Dusk?! Quais foram suas impressões? E quais suas expectativas? (Sou uma escritora bem comunicativa).

Até a próxima atualização, queridos! Amanhã será postado o 1º capítulo! Estão preparados?!

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