A Violinista, a Ladra e o Car...

By gableaot

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Mais uma aventura de Lórien, dessa vez acompanhada pela violinista Dh'òrain, uma nova companheira de viagem... More

A Violinista, a Ladra, e o Carvalho

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By gableaot

O palacete estava infestado de homens e mulheres, correndo de um lado para o outro, fazendo o máximo para obedecer à todas as ordens gritadas do salão principal, pela dona da casa. Teria uma festa naquela noite, um enorme banquete para todos os cidadãos de alta classe da cidade de Porto Austral, e ainda outros que chegariam em barcos de madeira entalhada, com pinturas das mais variadas, coloridas com tintas caras e ouro, representando seus clãs. O jantar era oferecido pelo generoso Al Mahir, dono de todos os portos da região, e, motivo pelo qual celebrava, de uma considerável frota de navios que acabara de ser ampliada, e oferecida aos serviços do Rei.

Em meio a loucura das preparações do evento, com pessoas entrando e saindo a todo momento da impressionante construção de pedra branca, as duas figuras paradas do outro lado da via não recebiam qualquer atenção. Naquela cidade dominada por humanos, ambas escondiam suas orelhas pontudas, na tentativa de se misturar aos cidadãos comuns de Porto Austral.

Dh'òrain, tinha apenas metade do seu sangue élfico, e havia puxado sua boina para baixo, cobrindo o único detalhe de sua fisionomia que denunciava sua raça. De resto, parecia uma mulher comum, sua pele era bastante morena para alguém com sua ascendência, os olhos castanhos de um formato arredondado, e tinha bochechas. Sua aparência tendia mais para humana do que elfa. Estava inquieta, não era nada de seu feitio entrar em uma cidade de forma sorrateira, andando pelos becos e sombras. Tinha dificuldade na tarefa de não chamar atenção para si, e, se dependesse dela, já estaria na praça pouco adiante, tocando seu violino e cantando sobre alguma conquista heroica. Com tanta gente curiosa pela festa, o lugar estava lotada, e Dh'òrain sabia que ganharia uma boa soma em moedas, mesmo com uma apresentação rápida. Mas, naquele dia, tinha prometido agir de acordo com os planos de sua companheira.

E Lórien estava absolutamente confortável nas sombras. A elfa, apesar de não ter muitos amigos entre seus iguais, era de raça pura, o que significava que seus traços poderiam delatá-la mesmo que escondesse as orelhas. Os olhos eram mais alongados do que os de seres humanos, o queixo fino demais, e o tom de pele de um branco acinzentado, de forma que um observador atento a acharia, no mínimo, bastante estranha. Para piorar, seu cabelo era naturalmente azul. Lórien, então, usava capuz para cobrir o rosto, seu cabelo estava preso por uma longa trança e nem um fio ficou a vista. Imóvel, recostava-se na parece de uma casa, parcialmente escondida na sombra criada pela tenda de um comerciante de temperos. A elfa estudava a movimentação do palacete, contando quantas mulheres e homens pareciam estar trabalhando por lá, e quantos permaneceriam durante a festa.

- Eu ainda não acredito que você perdeu o papel. – Lórien disse, baixo o suficiente para que apenas Dh'òrain, que estava ao seu lado, pudesse ouvir.

A violinista revirou os olhos, estava prestes a protestar, mas desistiu. Já havia explicado mais de uma vez que ser atacada por um bando de cinco homens enquanto comia sozinha em uma taverna, levar uma porrada na cabeça do pomo de uma espada gigantesca, ser amarrada em uma pilastra, e receber mais dois golpes até ficar inconsciente não consistia exatamente em perder o papel. Mas Lórien sabia disso tudo, estava apenas sendo implicante. Culpava Dh'òrain por que os homens souberam onde encontrá-la, já que não estava escondida. O que a meia-elfa não sabia dizer era como diabos os humanos descobriram daquele papel.

- Não faz diferença, faz? – Dh'òrain falou, em um tom não tão baixo assim. – A gente veio pelo pingente, a gente pega o papel. Deve estar tudo junto, de qualquer forma.

Lórien suspirou.

- Isso se eles não tiverem tacado no fogo.

Dh'òrain fez uma careta.

- Eu ainda digo que não. Eles não sabem o que está escrito, não exatamente. Vão tentar descobrir do que se trata antes de queimar. Al Mahir é curioso, se ele achar que tem chances de ser algum feitiço que o ajude, não vai jogar fora.

Lórien se moveu pela primeira vez desde que chegaram ao palacete. Afastou-se da parede e olhou a amiga nos olhos.

- Eles sabiam do feitiço. Podem muito bem saber pra que ele serve.

Dh'òrain balançou a cabeça, em negativa.

- Vieram atrás de mim quando eu saí de Daoine Cridhe. Mas ninguém sabia o que eu tinha ido buscar lá. Não sabem que o que tem no papel é um feitiço.

A violinista falava da biblioteca dos elfos da floresta, que tinha poucos livros, mas muitas canções. Dh'òrain tinha ido atrás de uma sacerdotisa tão velha que conhecia metade da história do reino por que a viveu, ao invés de escutá-la. Desde que os elfos começaram a se preocupar em registrar seu conhecimento, a sacerdotisa havia ido para Daoine Cridhe, e era umas das poucas pessoas com conhecimento suficiente do druidismo para ajudar a meia-elfa na tarefa que ela havia tomado para si.

- Nem você sabia o que eu estava fazendo lá. – Dh'òrain continuou.

Lórien assentiu. Era apenas por isso que tinha esperança de encontrar o papel intacto. Mas, para isso, teriam de se infiltrar no palacete.

O que só fariam durante a noite. Enquanto esperavam, foram para uma taverna do outro lado da cidade, chamada Três Gaivotas. Não tinham um plano, apenas imaginavam que o melhor momento para entrar na casa seria durante o jantar, quando todas as atenções estariam voltadas ao mesmo salão. Pediram cerveja e um pedaço de pão com queijo, sentaram-se no canto. Ainda procuravam não chamar atenção, e Lórien proibiu terminantemente a amiga de tocar para os clientes da taverna. Os homens de Al Mahir poderiam reconhecê-las, afinal, elas queriam o pingente, já haviam tentado roubá-lo antes.

- E o que sabemos sobre a casa? – Dh'òrain perguntou, após tomar os últimos goles de sua primeira caneca de cerveja.

Lórien deu de ombros, falou:

- Nada. Mas os aposentos pessoais do Al Mahir devem ser ou no porão, ou no último andar da casa. – Dh'òrain ergueu as sobrancelhas, sem compreender como a amiga saberia disso, e a elfa continuou. – É sempre assim, ou é em cima, por que o cara se sente dono do mundo, ou é no porão, escondido e de difícil acesso.

- E a gente só chuta qual o caso?

- Eu sugiro começar por cima, vai ter menos gente.

- Então é só entrar na casa?

Lórien sorriu. Estava acostumada a esse tipo de tarefa, mas Dh'òrain não tinha a menor ideia de como esgueirar-se para dentro de algum lugar. Apoiou os cotovelos na mesa e disse:

- Sim, Dh'òrain, é só entrar na casa. Prestar atenção para que ninguém nos veja, tomar cuidado, encontrar a sala certa, e pegar o pingente e o papel. E nada disso aí. – a elfa apontou para o violino, apoiado em uma cadeira. – Muito barulhento.

Dh'òrain fez uma careta.

- Você sabe que metade do que eu faço depende disso, né? Magia não é tão fácil assim, eu preciso do violino.

- Eu sei, eu sei, mas se precisarmos desse tipo de coisa, já vão ter nos visto, então não tem mais problema fazer barulho.

Cogitaram se valia a pena sequestrar duas convidadas e usar disfarces para substituí-las, Lórien era boa nesse tipo de coisa, mas acharam que seria difícil se afastar dos salões principais se estivessem vestidas como a nobreza, e também não tinham tempo o suficiente para estudar as personalidades que assumiriam. Talvez encontrar um uniforme e se misturar com os criados. Não sabiam se seria necessário, mas concordaram que Dh'òrain precisaria arranjar roupas menos chamativas. Sua blusa, por debaixo de um corset marrom, era acinzentada, mas a calça era roxa e usava um lenço vermelho amarrado na cintura. Sem contar com o chapéu, também roxo. Também precisariam esconder seu violino, e o arco e flecha de Lórien.

Já na terceira cerveja, ficaram um momento em silêncio, tentando inventar alguma forma mais simples de conseguir roubar o pingente. Dh'òrain, de súbito, arregalou os olhos e abriu um sorriso, ficou tão animada que deu um tapa na mesa.

- Eu consigo saber onde é a sala! – ia continuar a falar, mas desistiu, mordeu o lábio inferior e olhou para a amiga.

- O que?!

- Eu precisaria do violino. – Dh'òrain deu uma pequena risada. Lórien simplesmente bufou. – Estou falando sério, tem um feitiço que eu posso usar, vai fazer com que eu saiba onde está o papel! Mas só por dez minutos. É tempo suficiente?

Dessa vez a elfa sorriu.

- Mais do que suficiente.

Vestindo os primeiros uniformes de criada que conseguiram adquirir, Lórien e Dh'òrain se aproximaram do palacete, adagas escondidas por debaixo das longas saias, violino e arco enrolados dentro de um pano e enfiados em uma sacola comprida. Se alguém perguntasse, diriam ser pedaços um pouco compridos demais de lenha, ou baguetes exageradamente longas para enfeitar a mesa e servir aos convidados, algo do gênero. Lórien usava uma peruca loira e tinha passado maquiagem, disfarçando seus traços mais élficos. Havia usado seus cremes e pós também em Dh'òrain, tentando mudar algumas características marcantes de seu rosto, para dificultar que fosse reconhecida pelos homens de Al Mahir. Ambas usavam toucas que escondiam as orelhas.

Ainda restavam muitos curiosos ao redor da casa. Circularam a construção de pedra, tomando a direção da entrada dos fundos. Teoricamente não poderiam estar ali, e dois homens vestidos como guardas impediam o resto das pessoas de passarem, mas os uniformes de criada, combinados com algumas palavras misteriosas sussurradas por Dh'òrain, haviam enganado os serviçais de Al Mahir, e as duas conseguiram chegar aos fundos do palacete.

Aproveitando o espaço vazio, Dh'òrain retirou o violino da sacola. Lórien observava a porta que dava para a cozinha, torcendo para que ninguém aparecesse, enquanto a amiga se preparava para tocar. Como imaginaram, havia muito barulho ao redor, podia-se inclusive escutar a música tocada no salão principal, e eram grandes as chances de Dh'òrain praticar sua magia sem chamar atenção. A meia-elfa pegou apenas o violino, sem o arco, e começou a dedilhar como se o instrumento fosse um pequeno violão. Descreveu três vezes seguidas o papel que procurava, e guardou o violino de volta na sacola. Franziu o cenho e torceu os lábios.

- O que foi? – Lórien perguntou, interpretando a careta como sinal de que o feitiço não havia funcionado.

- Está para baixo. Um nível em baixo do chão, naquela direção. – Dh'òrain apontou para o canto esquerdo da casa. – Vamos ter que passar por bastante gente para chegar lá.

Lórien deu de ombros e começou a andar em direção ao palacete, Dh'òrain a seguiu. No primeiro momento, não tiveram dificuldade. As roupas que vestiam eram parecidas o suficiente com o uniforme das criadas de Al Mahir, e haviam mais pessoas que o normal trabalhando na casa, de forma que ninguém estranhava não reconhecê-las. Além disso, a sacola não chamou atenção, já que eram diversas as coisas sendo carregadas de um lado para o outro. Passaram pela cozinha, enorme e funcionando a todo vapor, por um corredor onde havia uma dispensa lotada de suprimentos, uma adega cheia de garrafas e barris, duas salas que pareciam servir de aposentos improvisados para os trabalhadores daquela noite, e dois quartos amontoados de quinquilharias.

Dh'òrain chegou a avistar um dos homens que havia a atacado na taverna, na semana anterior, o humano observava o trabalho das criadas e encarou-a por um breve momento, mas não a reconheceu, e logo desviou o olhar para outra mulher. Enfim, ao final do corredor, encontraram a porta que parecia levar ao subsolo, pelo menos era o que o feitiço parecia dizer para Dh'òrain. A partir daí ficou claro que a presença das duas não passaria mais por despercebida, já que a porta estava trancada, com três fechaduras diferentes. Lórien tirou do bolso curiosas ferramentas de metal, compridas e com formas diferentes nas pontas, que enfiou na primeira tranca, e começou a mexer. Dh'òrain vigiava o corredor enquanto a amiga trabalhava, cantarolando baixinho, as mãos no violino, preparada para agir rápido caso alguém viesse questionar o que faziam.

E um desgraçado veio.

- Ei! O que estão fazendo ai? – o humano berrou, vindo na direção delas pelo longo corredor. Um ou dois criados chegaram a encará-lo, depois do grito, mas sem muito interesse.

Dh'òrain reconheceu este homem também, mas ele, assim como o colega na cozinha, não demostrou ter ideia de quem ela era. Agradeceu mentalmente pela maquiagem que Lórien havia feito, a abriu seu mais charmoso sorriso.

- A governanta pediu que encontrássemos uma toalha de mesa muito específica para substituir uma no salão. Parece que já estão derramando vinho por todo lado. Disse que estaria no último quarto.

O homem se aproximou ainda mais, apontou para uma porta poucos metros à frente de Dh'òrain.

- Neste quarto! Não tem nada aí para vocês. E o que sua colega está fazendo?!

A fala mais parecia um rosnado. Lórien continuava trabalhando na porta, sem dar sinal de ter notado a presença do humano. Ele avançou na direção das duas, e Dh'òrain, certa de que viria atacá-las, deu um passo à frente. Tamborilava os dedos nas cordas do violino dentro da sacola, tentando canalizar daquele pouco som tudo o que podia para confundir seu adversário com um de seus pequenos truques.

- Com licença senhor. – ela disse. O homem, pego de surpresa com a atitude, ficou desconcertado. Franziu o cenho, e parou, com a boca entreaberta.

- Acho que deixou cair alguma coisa. – Dh'òrain falou, abaixando a cabeça, chegando ainda mais perto do humano, e apontando para o chão. – Aqui, oh.

O homem olhou, chegou agachar um pouco, e então Lórien surgiu a sua frente, com duas adagas que logo enfiou em seu peito. O humano arfou, cuspiu um pouco de sangue, levantou a mão como se fosse pegar sua espada, mas tornou a deixá-la cair ao lado do corpo. O vida estava saindo de seus olhos, e não tinha mais forças para nada.

- Abraça ele. – Lórien falou, guardando novamente as armas embaixo do vestido, e largando o corpo do homem no ar.

- O que?! – Dh'òrain perguntou, mas já obedecendo, antes que o humano caísse no chão.

- Abraça ele.

Lórien voltou sua atenção para a porta, precisava de mais alguns segundos para abri-la. Dh'òrain, os olhos arregalados, tentou enxergar por cima do ombro do morto, para ver se alguém estranhava toda aquela cena.

- Lórien, eu não vou aguentar esse brutamontes para sempre! – a violinista falou, já com o corpo curvado para trás, sofrendo com o peso que era incapaz de carregar.

- Pronto! – A elfa declarou, abrindo a porta. O passagem dava para uma escadaria circular e mal iluminada. – Traz ele pra dentro.

Dh'òrain o fez, com considerável dificuldade. Assim que Lórien fechou a porta, largou o corpo nos degraus, provocando um baque surdo.

- Não consegue fazer nada sem minha ajuda, né? Nem para se livrar do cara! – A elfa reclamou, em um sussurro.

Ambas começaram a descer a escada.

- Ei! Um, você disse que não era para tocar o violino, e isso me limita muito. Dois, eu tinha um plano! – Dh'òrain respondeu, contando nos dedos enquanto falava, também em um tom de voz baixo.

- Que plano?

- Um bom plano, excelente plano. Muito melhor que o seu. Depois eu te conto, pode ter gente lá em baixo, vão nos ouvir.

Lórien revirou os olhos, mas, de fato, escutou som de passos, e ficou quieta, já sacando as adagas. Dh'òrain tinha apenas uma, também a tirou do esconderijo embaixo do vestido e a empunhou.

- Dimitri? É você aí em cima? – elas escutaram uma voz chamar. Parecia apenas curiosa, sem muito alarme, e estava distante. A escada deveria ser mais longa do que imaginavam.

Lórien pigarreou, e tentou imitar a voz do homem morto poucos degraus para trás. Havia treinado muito para fazer este tipo de coisa, era uma habilidade bastante útil para suas aventuras.

- Isso, isso. A bagunça lá em cima está me enchendo o saco, vim respirar. – a similaridade foi surpreendente, e o humano ao pé da escada respondeu apenas com uma risada, sem estranhar. Dh'òrain precisou prender o riso ao ver a amiga fazendo careta enquanto falava com a voz grossa.

Após descerem mais alguns degraus, começaram a enxergar o outro homem, primeiro os pés, as pernas. Ele estava recostado na parede, mas provavelmente olhava na direção da escadaria.

- Trouxe amigas para nos divertir, foi, Dimitri? – o homem perguntou, confirmando a suspeita.

Não houve resposta, e logo depois Lórien saltou em cima do humano, derrubando-o no chão enquanto cravava suas armas em seu pescoço. Dh'òrain olhou para a arma que carregava, franzindo a testa, e resistiu ao impulso de jogá-la para trás - não precisaria fazer nada com sua adaga enquanto estivesse com Lórien. Não tinha mais ninguém a vista, estavam em outro corredor, dessa vez mais curto, e havia apenas uma porta de cada lado.

- É a da esquerda. – Dh'òrain falou.

Por desencardo de consciência, Lórien bateu na porta, mas não houve resposta. Tentou abrir, mas estava trancada, então pegou suas ferramentas outra vez. Não teve muitas dificuldades, o mecanismo logo cedeu. O que Lórien não viu, pois não conhecia muito do assunto, foi o pulso sutil de magia que emanou da fechadura, assim que foi aberta. Dh'òrain também não reparou, pois vigiava a escada, para o caso de alguém ter suspeitado de sua movimentação e as seguido.

Logo estavam dentro do cômodo. Era um escritório, com duas mesas de trabalho, muitos livros e mapas, repleto de estantes e armários, contendo dos mais variados itens, muitos dos quais Dh'òrain sentiu serem mágicos. A meia-elfa encontrou o papel de imediato, dentro de um envelope, no canto de uma escrivaninha de madeira, e guardou-o no bolso. Mas o pingente não estava junto. Gelou por um momento, se não estivesse naquela sala, não saberia o que fazer. Nunca tinha visto o objeto de perto, e achava que seu feitiço para encontrá-lo não funcionaria bem.

Elas vasculharam o escritório, abrindo e fechando armários e caixinhas. Dh'òrain procurou por fontes de magia, mas eram muitas, então teve se deixar seu instinto guiá-la. Por fim o encontraram, dentro de um dos livros de cima da mesa.

- Desgraçado. – murmurou Lórien, quando encontrou o pingente. Diante do olhar inquisitivo da amiga, continuou. – Estava dentro deste volume de feitiçarias, marcando a página para uma maravilhosa magia sobre criar e multiplicar madeira. Se ele não fosse tão ganancioso, poderia usar o feitiço aos poucos e só precisaria de coisas mais comuns pra praticar a magia. É para fazer em larga escala, o suficiente para criar um navio por dia, que ele precisava do espírito de uma árvore aprisionado. Tudo pela maldita frota, e a amizade com o Rei. Al Mahir não quis esperar.

Dh'òrain não respondeu, já tinha noção da ganância de Al Mahir, e da futilidade em capturar aquela pobre criatura.

- Ele precisava dos navios em um ciclo lunar. – a violinista murmurou, pegando o pingente das mãos da amiga, para observá-lo. Era uma peça de tamanho médio e oval, com detalhes em âmbar sobre o ouro branco, com um pequeno fecho do lado direito – era o tipo de pingente que se abre como um livro. Dh'òrain apertou-o forte na mão.

Não demoraram mais que poucos minutos com a busca, porém tinha sido o suficiente para a magia vinculada à porta alertar Al Mahir sobre invasores em seu aposento particular. Ouviram um grito, imaginaram ser reação à visão dos corpos no corredor, e passos se aproximando, rápido.

Dh'òrain pegou o violino e olhou para Lórien.

- Agora posso?

A elfa sorriu.

- Agora não tem mais jeito.

Olhavam para a porta fechada, esperando. Dh'òrain começou a tocar o violino, ainda como se dedilhasse em um violão.

- Vou facilitar um pouquinho a sua vida. – ela disse, piscando e sorrindo de volta para Lórien, que já tinha adagas em punho.

A porta foi escancarada com um chute, e o pobre homem que a abriu sequer viu a morte chegando. Lórien arremessou suas duas facas em velocidade impressionante, uma acertando a testa e a outra o coração. Haviam mais dois, e a elfa entrou no corredor desembainhando sua espada curta, pelo bolso do lado esquerdo da saia, que estivera furado justamente para este propósito. Dh'òrain a seguiu, recuperando as adagas caídas.

Lórien não teve muitos problemas em lutar contra os dois guardas de Al Mahir, ainda mais no corredor, onde eles não conseguiam cercá-la. Ela aparava golpes, chutava de volta, estocava, e em algum momento chegou a dar uma cabeçada. A violinista tocava e se divertia, mas achou que seria bom ajudar, para que saíssem mais rápido dali. Como não prestavam atenção nela, se aproximou com facilidade, e chutou um dos homens no joelho, enquanto ele erguia seu machado, o que fez com que se desequilibrasse. Lórien aproveitou a deixa e cortou sua garganta. Tendo apenas um oponente, terminou rapidamente a luta, desarmando o homem que carregava também uma espada, com um movimento circular da sua. Ele, assustado, deu um passo para traz, um erro, pois deixou seu peito exposto para uma baita estocada.

As duas invasoras se olharam, e correram escada acima.

- Agora sem parar para lutar, só correr. – Lórien falou.

Dh'òrain assentiu. Abriram a porta antes fechada por três trancas, do fim do corredor já conseguiam avistar a porta que saía da cozinha para a rua, mas era a metros de distância, alguns criados estavam no caminho, além de outros guardas que pareciam procurá-las.

Saíram correndo, empurrando os criados, tirando-os de sua frente, sendo xingadas aos montes pelo caminho. Já na cozinha, um humano pulou na direção de Lórien, tentando derrubá-la, mas a elfa se esquivou como se estivesse dançando. Os dois guardas, que estiveram no lado de fora ao início do evento, agora estavam na cozinha, barrando o acesso à porta. Dh'òrain diminuiu um pouco a velocidade, tocou seu violino com mais intensidade e gritou algumas palavras. De súbito, os dois homens abriram sorrisos e acenaram, como se quisessem cumprimentar a meia-elfa. Lórien e Dh'òrain passaram correndo por entre os dois, desequilibrando-os.

Saíram do palacete e correram em direção à via na frente da casa, mas ainda não estavam livres. Outros guardas de Al Mahir pareciam ter brotado do chão e as perseguiam. Lórien tirou o arco da sacola, que ainda carregavam, e começou a atirar, sem parar de correr. Dh'òrain gritava profanidades para os homens, aos plenos pulmões:

- Seus pedaços de bosta de bode! Earslings! Sua cara parece um cu de asno e a sua o vômito de uma vaca! Sacos de excremento!

Elfa e meia-elfa começaram a ganhar distância dos homens de Al Mahir. Lórien agarrou o braço de Dh'òrain, que continuava olhando para trás e berrando insultos, e a fez entrar em um beco escuro. Elas passaram por dentro de um casebre, assustando duas senhoras, saíram em outra via pequena, e se escondera dentro de um estábulo vazio, escutando. Podiam ouvir os gritos dos humanos, procurando-as, escancarando portas, interrogando passantes, mas tudo ao longe. Não chegaram perto do esconderijo improvisado. Depois de algum tempo, as duas saíram do estábulo fedorento e deixaram a cidade.

Dh'òrain e Lórien demoraram três dias a cavalo para chegar até a floresta de Lannuaine, uma região de enormes árvores, muitos arbustos e trepadeiras, onde o verde toma a paisagem quase por completo. Lannuaine não é muito conhecida nem frequentada por homens, ou anões, ou qualquer raça que não os elfos. As trilhas eram poucas e fracas, nunca mapeadas, pois o povo que ali vivia não precisava de direções, e o resto do reino tinha medo daquela mata. A floresta não gostava de estranhos, e sussurrava em seus ouvidos, tentando espantá-los.

Lórien havia crescido no centro de Lannuaine, apesar de ter retornado poucas vezes em sua vida adulta, sempre com o capuz cobrindo seu rosto. Dh'òrain conheceu a floresta já na metade de sua infância, mas Lannuaine havia a aceitado, pois o sangue que corria em suas veias vinha, em parte, dali.

Cavalgando pelo labirinto verde, as duas sabiam exatamente para onde iam, e a mata parecia compreender o que planejavam fazer. Os caminhos foram se abrindo, e elas logo avistaram o enorme carvalho.

A árvore era antiga, ainda mais alta e mais larga que as outras ao seu redor. Mas, naquele momento, estava fraca. As folhas estavam murchas e escassas, a madeira acinzentada, os galhos cedendo ao vento. Dh'òrain e Lórien sentiram um aperto no peito com aquela visão. Para alguém que vinha de Lannuaine, a morte daquele carvalho era a morte de um pouco de si.

Dh'òrain desceu de seu cavalo e se aproximou da árvore, Lórien continuou montada, se limitou a observá-la.

A meia-elfa pegou seu violino e começou a tocar. A melodia parecia traduzir a força que aquele carvalho uma vez tivera, o som era grande, imponente, grave. Após um crescente de notas, Dh'òrain parou e, ainda segurando o arco do seu instrumento com os dedos, apoiou a palma de sua mão no casco da árvore. Murmurou:

- Tha mi a 'gairm do chridhe.

Com as palavras, um símbolo feito de luz esverdeada surgiu no tronco do carvalho, formado por duas espirais entrelaçadas, com um ponto embaixo. Dh'òrain sorriu e se ajoelhou na frente da árvore. Ela tirou do bolso o pingente que haviam roubado do palacete, e o pequeno pedaço de papel. Tomando cuidado, abriu o pingente e deixou-o apoiado no chão. Pousou os olhos no papel por alguns segundos, decorando as palavras, e então o guardou de volta no bolso.

Dh'òrain tocou mais uma vez, notas longas e agudas, que pareciam ansiar por algo. O som saia cada vez mais baixo, até que sumiu. E então, Dh'òrain entoou o feitiço:

- Gum biodh am prìosan air a bhristeadh, gun tilleadh an darach, gum bi beatha air a dèanamh.

Que se quebre a prisão.

Demorou um segundo para que algo acontecesse, e Lórien, que de nada entendia sobre magias, mordeu o lábio inferior e agarrou o amuleto que usava no pescoço, desejando, como se pudesse de alguma forma ajudar com o encantamento.

O pingente se partiu, com um som que ecoou por toda a mata ao redor, uma lufada de vento pareceu sair de seu interior. Fachos de luz e uma fumaça verde e brilhante emergiram do objeto. Logo, surgiu uma silhueta, flutuando a um metro do chão. Era uma forma humanoide, feminina, podia-se ver as curvas do corpo e os cabelos longos.

A criatura virou o rosto na direção de Dh'òrain e Lórien, encarando-as. Com um movimento quase imperceptível, assentiu, e então voou para dentro do carvalho. Passou pelo símbolo das espirais e desapareceu no interior da árvore.

A luz sumiu, a fumaça se dissipou, o desenho na madeira desapareceu.

A dríade havia retornado. E, com isso, o carvalho foi aos poucos retomando vida. Elfa e meia-elfa assistiram enquanto a as folhas pareciam crescer e adquirir um tom mais forte de verde, e o casco de tornava mais uma vez robusto e amarronzado, sem qualquer mancha de cinza.

Dh'òrain voltou para seu cavalo, sem dizer nada, mas com um sorriso no rosto. Começou a cavalgar em direção à borda da floresta.

Lórien a observava com curiosidade.

- Você sabe que esse é máximo de agradecimento que vai receber, não sabe? Eu nem tenho certeza se ela mexeu a cabeça. – disse a elfa.

Dh'òrain deu de ombros.

- Não me importa. Sei lá, a verdade é que já estou me sentindo melhor.

Lórien ergueu as sobrancelhas e respirou fundo.

- É, eu também. – admitiu.

E as duas deixaram Lannuaine. 

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